Diante de um cenário de juros altos e um ambiente econômico adverso, as empresas que realizaram IPOs têm enfrentado dificuldades em entregar retornos positivos. Dos 93 papéis de empresas que fizeram abertura de capital nos últimos dez anos, um total de 84 seguem listados na Bolsa de Valores e apenas 15 registraram desempenho positivo em relação ao preço fixado na oferta inicial de ações.
Os dados pertencem ao levantamento da assessoria financeira Seneca Evercore divulgado pela VEJA.
Segundo Régis Chinchila, head de research da Terra Investimentos, a alta taxa Selic, que há tempos se mantém elevada, exerce um forte impacto sobre o mercado de ações. A especialista destaca que os juros altos tornam a renda fixa uma alternativa mais atraente para os investidores, elevando o custo do capital.
“Esse ambiente de juros altos afeta empresas mais vulneráveis, como as dos setores imobiliário, varejo e tecnologia, que têm mais dificuldade em se adaptar e entregar resultados,” afirma.
Além disso, a restrição de crédito reduz a demanda por produtos e serviços, impactando negativamente o desempenho das empresas e, consequentemente, o retorno de suas ações.
Segundo Chinchila, esse cenário explica por que apenas 15 das 93 ações analisadas apresentam retorno positivo desde seus respectivos IPOs.
“Muitas companhias não conseguiram se adaptar às condições econômicas desafiadoras e falharam em entregar seus projetos conforme o planejado.”
Excesso de expectativa e erros comuns
Outro ponto relevante para entender o baixo desempenho das ações de IPO no Brasil é o excesso de expectativa e os erros cometidos no momento da abertura de capital.
Renato Nobile, analista da Buena Vista Capital, comenta que a supervalorização das empresas é um erro frequente.
“Empresas lançam suas ações com preços muito elevados, o que gera desconfiança entre os investidores, especialmente quando a Selic está alta e a renda fixa oferece maior segurança,” explica Nobile.
Essa falta de planejamento financeiro robusto e expectativas irreais sobre o desempenho no mercado podem levar a uma queda acentuada nos preços das ações após a abertura de capital, o que desestimula os investidores.
Chinchila reforça que a governança fraca é outro problema comum em empresas que fazem IPO, especialmente no Brasil, onde a proteção ao investidor minoritário ainda é limitada. “Vemos fraudes e governança inadequada que minam a confiança no mercado,” observa.
Ações sensíveis a juros elevados
Determinados setores da economia são particularmente sensíveis às altas taxas de juros, e isso tem sido evidente no mercado de IPOs. O setor imobiliário, por exemplo, sofre diretamente com o aumento do custo de financiamentos, o que reduz a demanda por imóveis.
O setor de tecnologia também enfrenta desafios em ambientes de juros altos, já que empresas dependem de investimentos de longo prazo para inovação.
“O aumento da taxa de desconto reduz o valor presente dos fluxos de caixa futuros dessas empresas, tornando-as menos atrativas para investidores que buscam segurança,” explica Chinchila.
No varejo, a restrição de crédito é outro fator que impacta o consumo, reduzindo as receitas das empresas desse setor. Nobile complementa que, em momentos de alta inflação e juros elevados, o consumo tende a cair, afetando drasticamente o varejo. “O custo de capital mais alto leva à retração do consumo, impactando diretamente as empresas desse segmento.”
Estratégias para avaliar um IPO
Diante desse cenário desafiador, os especialistas sugerem que os investidores adotem uma série de estratégias para minimizar os riscos ao participar de IPOs. Chinchila recomenda uma análise fundamentalista detalhada, que envolva o estudo do fluxo de caixa, do endividamento e do potencial de crescimento da empresa.
“É fundamental também comparar a empresa com seus concorrentes para entender sua posição no mercado,” orienta.
Nobile enfatiza que os investidores devem avaliar com cuidado o momento do mercado e a governança da empresa. “No Brasil, IPOs costumam ocorrer em janelas de tempo muito curtas, dificultando uma avaliação adequada do histórico financeiro e da estrutura de governança da empresa,” alerta.
Além disso, ele sugere que o investidor considere o setor em que a empresa atua e sua exposição a ciclos econômicos adversos, como momentos de juros elevados.
Chinchila conclui destacando a importância de entender o modelo de negócio da empresa e como variáveis econômicas, como taxas de juros, podem impactá-lo. “Compreender a estratégia da empresa para lidar com juros altos é crucial para avaliar sua capacidade de superar ciclos econômicos e entregar resultados.”