Mercado

JCP: fim da dedução tributária penalizará empresas e consumidores

Projeto de Lei pretende vedar utilização do benefício tributários sobre os juros sobre capital próprio

Instituído em dezembro de 1995, os juros sobre capital próprio (JCP) são proventos pagos pelas empresas aos acionistas como forma de remunerar o capital investido. Um dos destaques desta ferramenta, é a possibilidade de que empresas deduzam os valores pagos da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), o que resulta em economia tributária para a companhia. No entanto, a partir de 1º janeiro de 2024, este sistema poderá deixar de existir.

Com o objetivo de aumentar a arrecadação para o próximo ano, o Poder Executivo encaminhou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei (PL) que acaba com essa possibilidade de dedução. Em resumo, a utilização da sistemática dos JCP não será proibida, apenas será vedada a utilização do benefício tributário que existe hoje. Na prática, contudo, as empresas serão pressionadas ao terem sua carga tributária elevada em relação à atual.

As empresas que por costume utilizam esse instrumento de dedução serão as mais prejudicadas. Ao exemplo da Ambev (ABEV3), que poderá ter um prejuízo bilionário caso não mude sua estrutura de capital. Conforme apontou o BTG Pactual (BPAC11) em julho, o impacto negativo nos lucros de 2024 da cervejaria pode chegar a 23%.

Segundo o governo, os JCP foram criados para compensar os acionistas pelo fim da correção monetária sobre o balanço das empresas, e também para elevar os investimentos dos sócios. Mas, após quase 30 anos, não existem mais evidências de que essa ferramenta contribua para aumentar os investimentos.

Para Ricardo Jorge, especialista em mercado de capitais e sócio da Quantzed, este PL faz “muito sentido” pela ótica do governo porque as fontes de arrecadação são limitadas e ainda existe um grande “rombo” a ser coberto. Mas, pela ótica das empresas, ele não vê sentido: “é horroroso, penaliza as empresas por algo que já havia sido concedido em outros governos. E, obviamente, isso vai impactar no resultado da companhia, que provavelmente irá repassar esse reajuste aos preços ao consumidor”.

Em busca de atingir a arrecadação necessária para o ano que vem, o Ministério da Fazenda já enviou ao Congresso três medidas para taxar a alta renda. Elas, combinadas, têm potencial de arrecadação de R$ 30 bilhões. É o caso da Medida Provisória que institui o come-cotas também para os fundos de investimento fechados, representando R$ 13,3 bilhões, em 2024, o projeto de lei que trata das offshores, em R$ 7,05 bilhões, e o fim da dedutibilidade dos JCP, que sozinho pode significar a arrecadação de R$ 10 bilhões.

Setores mais impactados

Apesar dos planos do governo, para João Lucas Tonello, analista da Benndorf Research, a revogação da dedutibilidade dos JCP não necessariamente significará o aumento da arrecadação. “Isso porque a incidência de IRPJ e CSLL depende do resultado das empresas, que por sua vez depende de diversos fatores. Ainda que a carga tributária em tese aumente, a arrecadação pode ser menor do que o esperado se as alterações da legislação tributária pleiteadas pelo governo federal impactarem negativamente o resultado das empresas.”

Ele ressaltou que haverá grande impacto no setor farmacêutico, como na Rede Blau (BLAU3), por não ter benefício de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Estima também impactos fortes na Hypera (HYPE3) no ano de 2024, quando poderá perder até 15% do seu lucro líquido. Assim como impacto de 10% negativo no lucro líquido da RD (RADL3).

“De outros ramos também vemos impactos negativos em POMO4, RENT3 e MYPK3. Temos também visão negativa no setor de telecomunicações pois são os principais beneficio fiscal dos JCP. Assim, teremos impactos negativos no LL (lucro liquido) de 18,5% em Vivo e 13% em TIMS3. Mas os impactos práticos de resultado aparecerão no ano de 2024, não sendo imediatos”, destacou.

Por setor, ele ainda lista impactos em saneamento, bancos, saúde, varejo e bens de capital. Sendo em lista final: BBDC4, BPAC11, GUAR3, HYPE3, RDOR3, SAPR11, VIVIT3 E TIMS3.

Foco volta aos dividendos, mas com ressalvas

Ao deixar de contar com a possibilidade de remunerar os seus sócios através do pagamento de juros sobre capital próprio (JCP), as empresas evitam uma tributação da ordem de 34%, conta Arnaldo Marques, coordenador acadêmico do MBA de Gestão Financeira e Econômica de Tributos da FGV. Dessa forma, o repasse de proventos deve voltar à forma tradicional de dividendos.

“Mas de quebra, o governo ainda pretende tributar a distribuição de dividendos. Então ele consegue inviabilizar a utilização dos JCP e adicionalmente passa a tributar dividendo”, destaca.

De acordo com Marques, ainda que Executivo reduza a carga tributária das empresas, pode não haver compensação em relação a tributação de dividendos. “Desde a época do governo Bolsonaro que se fala em voltar tributar dividendos no Brasil, então essa dobradinha entre tributação de dividendos e o fim da vantagem de utilização dos JCP certamente vai impactar o mercado e propiciar um aumento de carga tributária”, conclui.

Lula defende tributação sobre os mais ricos

Em seu programa “Conversa com o Presidente” desta terça-feira (5), Lula voltou a defender a tributação sobre a distribuição de lucros e dividendos como forma de “equilíbrio social” na cobrança de impostos.

“O Estado não cria dinheiro, ele arrecada dinheiro daquilo que as pessoas trabalham, através dos impostos. O que fazemos é devolver da forma mais justa possível para o conjunto da sociedade. Quando falamos que o pobre paga proporcionalmente mais Imposto de Renda do que o rico, é verdade”, disse.

“O pobre não tem como escolher. O pobre recebeu a folha de pagamento, desconta lá o Imposto de Renda dele. O trabalhador recebe participação no lucro, desconta o Imposto de Renda. O rico recebe salário como dividendo e como lucro e não paga (imposto). Essa é uma discussão séria que estamos fazendo séria, porque não podemos penalizar o trabalhador. O que precisamos é cobrar aquilo que é lucro”, afirmou.

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