Mercado de crédito privado tem recuperação; entenda crises e perspectivas

Para compreender os riscos e o que esperar do crédito privado no país, o BP Money ouviu três especialistas do mercado

O mercado de crédito privado está mostrando sinais de alívio após enfrentar um período de estresse causado pelos episódios envolvendo as empresas Americanas (AMER3) e Light (LGT3). Uma vez que, situações como esta, resultaram na paralisação das emissões de títulos de dívida pelas empresas e levaram ao aumento das taxas médias (spreads) pagas na negociação desses papéis, a fim de atrair investidores para comprá-los. 

Levando em consideração que no início do ano vimos grandes empresas, como Americanas e Light, entrando em recuperação judicial e mexendo com o mercado. Podemos acreditar que existe um risco do mercado enfrentar mais situações como essa, especialmente num momento em que as instituições financeiras, exatamente em função dessas experiências ruins, estão restringindo o acesso ao crédito, iniciou o líder de Capital Markers, Ricardo Julio Rodil. 

“E esta medida não atinge somente o setor de varejo, como Americanas ou energia, como a Light, mas se espalhou pela economia como um todo”, destaca Rodil. 

Nesse sentido, Rodil afirmou que de acordo com suas análises macroeconômicas de um ano e meio atrás, enxergava o início do fim do aperto monetário neste segundo semestre deste ano, o que parece de fato estar acontecendo. 

“Esta circunstância tende a trazer um certo alívio à proporção de ativos e passivos nas empresas (liquidez)”, completou. 

Para o fundador da Gava Investimentos e analista financeiro, Ricardo Brasil, existe risco de vermos mais empresas entrando em recuperação judicial caso a taxa de juros permaneça em alta. 

“Magazine Luiza (MGLU3) detém uma dívida gigante e Via Varejo (VIIA3) paga mais de R$ 900 milhões por ano só de juros, quase R$ 1 bilhão, são empresas que estão muito endividadas, os número não são bons”, destacou.

“Portanto, se a taxa de juros permanecer alta, eu não duvido de vermos mais quebradeiras no mercado, e não somente as varejistas, mas em inúmeras empresas”, completou Brasil.

Desse modo, Rodil acrescentou que as empresas estão com dificuldades para pagar dívidas já que uma taxa Selic alta acaba ‘enxugando’ a liquidez na economia, levando tanto ao encarecimento do crédito quanto a um decréscimo nas receitas operacionais e um aumento na inadimplência dos seus clientes.   

Posição dos investidores

Em relação às movimentações dos investidores no início do ano, com estresse nas taxas de crédito com Light e Americanas, Rodil afirmou que trata-se de um movimento natural.  Uma vez que, as aplicações de renda variável não admitem histeria. 

“Quero dizer, não é porque um papel ‘derreteu’ que o investidor precisa ‘realizar’ a perda imediatamente. O prejuízo já foi sofrido no patrimônio”, explicou.

Sendo assim, Rodil destacou que a única coisa que deve ser analisada em momentos como esse é a possibilidade de os papéis terem alguma recuperação e em que prazo.  

“Esta análise é elementar para uma tomada de decisões sadia, e isso vale para a inteira cadeia do ‘dominó’; quando o fundo tem um prejuízo, o valor da cota despenca”, afirmou 

Ainda de acordo com Rodil, o investidor deve analisar, de preferência auxiliado por algum consultor, e decidir se vende ou resgata cotas ‘acompanhando’ o prejuízo do fundo ou espera a cota se recuperar. 

“Isto depende de investidor para investidor e da finalidade do investimento.   Se for para financiar a aposentadoria e esta estiver ainda num horizonte longínquo, o investidor terá mais motivos para ser cauteloso”, afirmou Rodil.

Posição das empresas em relação à taxa de juros

A analista política e econômica pela FGV, Carol Curimbaba, destaca por sua vez, que quando uma empresa contrata uma dívida, na grande maioria dos casos, a elevação da taxa básica de juros interfere no custo.

Nesta linha, Carol destacou que predominantemente, as grandes empresas contratam dívidas com a remuneração ajustada em CDI + um spread. 

“Assim, quando a taxa básica de juros aumenta, além de aumentar seu custo da dívida já contratada, ela deixa os investidores/bancos menos propensos a fazerem novas dívidas, pois podem querer aplicar em títulos mais seguros que pagam menores taxas, porém com menores riscos”, explicou a analista.

Crédito privado no Brasil

Na visão de Rodil, o crédito privado no Brasil está deteriorado, e este efeito é sentido tanto do lado das instituições quanto dos tomadores de crédito, no lado empresarial dos tomadores, vê-se mais empresas tentando outras soluções, como capital próprio, por exemplo. 

“No que concerne a pessoas físicas, tem-se observado um fenômeno peculiar neste primeiro semestre de 2023: a procura de crédito por pessoas físicas caiu mais de 10%”, afirmou.   

“Minha impressão é que se trata de um conjunto de fatores: taxa Selic ainda nas alturas; perspectiva de melhora no segundo semestre, o que tenderá a baratear o crédito; ambiente econômico aparentemente favorável ao crescimento, o que pode redundar em melhores oportunidades de ganhos salariais; tendência de baixa da inflação”, explicou Rodil. 

Por outro lado, Rodil citou o programa Desenrola, que por ora, no seu ponto de vista, é uma incógnita, mas pode agir neste cenário. “Há chances de que, uma vez com o nome ‘limpo’, as famílias possam se ver encorajadas a tomar mais crédito, o que pode levar a ‘começar tudo outra vez’”, afirmou.

Em contrapartida, na visão do Ricardo Brasil, o crédito privado no País não está deteriorando, pelo contrário, o especialista acredita que o Brasil está sendo muito bem visto no exterior, enquanto o mundo inteiro está elevando a taxa de juros, o Brasil tem uma tendência de ter cortes de juros. 

“A inflação melhorou muito, obviamente veremos um pico de inflação, vai depender um pouco do arcabouço fiscal. Mas no geral, não vejo o crédito no Brasil se deteriorando, eu vejo o Brasil sendo olhado de fora como um dos queridinhos”, acrescentou Ricardo Brasil. 

Perspectiva da taxa Selic

Para a Carol Curimbaba, o cenário de hoje é mais indicativo de redução de taxa do que de aumento, não apenas pela pressão do governo, que acabou gerando maior consciência da população, mas especialmente pelas ações de austeridade que o governo percebeu que teria que fazer para que finalizasse responsabilidade fiscal para que o BC se motivasse na redução, explicou. 

“Hoje temos uma das maiores taxas reais de juros do mundo, que chegou a este nível para controlar a inflação, portanto, essa redução deve ser feita de forma lenta e gradual”, afirmou.

“O último informativo do Copom não foi claro em apontar a redução, mas também o aumento. a expectativa é que na próxima reunião de agosto já haja uma ligeira queda”, acrescentou a analista política. 

Alocação de médio e longo prazo em títulos de renda fixa

Em suma, o Ricardo Rodil destacou que mesmo sabendo que existem modelos econômicos (mais e menos complexos) em uso pelos fundos de investimentos e por alguns investidores para determinar estas condutas, eu venho recomendando uma gradual fuga da renda fixa, caminhando para a renda variável.   

“Os fundos multimercados estão numa boa posição nesse sentido pois apresentam boa flexibilidade para essas alterações na composição das suas carteiras. Apesar de que a renda fixa apresenta ainda perspectivas atraentes, pessoalmente iria me inclinando para aumentar a proporção de renda variável, pois, se optarmos por esse movimento quando a renda variável estiver ‘bombando’, o preço de entrada será maior”, finalizou.

Para a analista política, o investimento em renda fixa deve ter liquidez curta, de preferência diária, desta forma aplicar no longo prazo com liquidez diária, não tem problema. 

“Mas aplicar em renda fixa, com taxa pré-fixada, dado o cenário volátil da nossa história, sem liquidez, pode ser uma estratégia muito arriscada”, completou Carol Curimbaba.