Na moda das dívidas? Marisa (AMAR3) vê macro deteriorar negócio

Varejista de moda viu suas ações caírem mais de 20% no dia do anúncio de uma renegociação de dívidas

A Marisa (AMAR3) anunciou, há cerca de uma semana, a saída de alguns de seus principais executivos, além do processo de organização de sua estrutura de capital. O anúncio fez as ações caírem fortemente, atingindo pela primeira vez um valor abaixo de R$ 1. O cenário macro, segundo especialistas, é um dos principais “triggers” para o momento de dívidas das empresas ligadas ao setor de varejo. 

A contratação da BR Partners para assessorar a companhia na renegociação de suas dívidas, que chegam a R$ 600 milhões, assustou o mercado. As ações da Marisa fecharam o dia 8 de fevereiro em queda de 22,64%, a R$ 0,82. 

De acordo com Paola Mello, analista e sócia da GTI, o cenário macro tem um grande peso sobre as dívidas de Americanas e da Marisa. Segundo Mello, a elevação abrupta do custo de capital realmente fez com que as empresas tivessem que lidar com despesas financeiras bem mais pesadas nos últimos anos. 

“A gente sabe que o varejo, tradicionalmente, trabalha com margens bem apertadas, então fica difícil acomodar isso de uma hora pra outra. A margem de muitas empresas não comportam um custo financeiro tão pesado e, por outro lado, a gente tem a deterioração do macro, que impacta a variável de giro que é muito importante no varejo também, então isso deixou o setor todo em um momento muito delicado”, explicou Mello.

A especialista reforçou que, no caso da Marisa, existem ainda as questões próprias da varejista, que já vinha sofrendo há alguns anos no balanço. O fato da Marisa estar voltada ao público da classe C, segundo Mello, deixa a situação da companhia ainda mais delicada, já que é um perfil de cliente que tende a ser mais prejudicado quando o cenário macro piora. 

“Antigamente, ofertar um produto financeiro era um grande diferencial, especialmente para cliente de mais baixa renda, menor poder aquisitivo, porque esse parcelamento dava o que em inglês a gente chama de ‘affordability’, mas mais recentemente, com a entrada dos chineses no Brasil, esse produto financeiro parou de ser um diferencial, porque quando você vai lá numa empresa com uma Shein, uma Shopee, os produtos são muito baratos, então qualquer um consegue pagar”, pontuou Mello, destacando a atuação das empresas chinesas de varejo e o impacto no Brasil.

O fato da Marisa ter dificuldade para gerar caixa deixa a empresa em uma situação ainda mais complicada para voltar ao terreno de rentabilidade positiva. Segundo Mello, o braço financeiro da Marisa salvou o negócio por muito tempo, mas a deterioração do cenário macro fez a inadimplência subir e, com isso, as operações da empresa encontraram entraves pelo caminho.

“Reestruturar uma dívida depois de um problema como o da Americanas não é nada trivial, né? Os bancos credores estão super reticentes com varejistas, já sabendo das dificuldades do ponto de vista macro e também com medo, porque o caso da Americanas foi uma coisa mais específica. Existiu a omissão de R$ 20 bilhões em dívidas no balanço, e aí o credor se pergunta, ‘poxa, se ele omitia quem mais omitia?’”, afirmou Mello.

O analista da VG Research, Lucas Lima, foi sucinto ao dizer que o modelo de negócio da varejista é bastante “desafiador”. “Um setor muito competitivo e sem tanta diferenciação de produtos, implica em uma margem extremamente apertada e dificuldade para gerar lucro. A gestão do capital de giro é desafiadora e a Marisa, por exemplo, vem queimando caixa nos últimos trimestres”, disse Lima.

“Com juro real do Brasil em 8% ao ano, a economia está sofrendo bastante e o mercado de crédito está indo junto”, complementou o analista da VG Research. 

Lima reiterou que o ‘caso Marisa’ é um processo delicado de turnaround (processo de reformulação e retomada de uma empresa), visto que seu público alvo é o que mais sofre com inflação e juros elevados, assim como pontuou Mello. 

“As varejistas de moda que atendem o público de baixa renda e estão alavancadas devem continuar sofrendo com juros elevados, o que impacta diretamente a linha de despesa financeira”, afirmou Lima.

Como a Selic impacta as varejistas? 

A analista da Empiricus Research, Larissa Quaresma, explicou que a alta da Selic expande a despesa financeira de forma substancial para as varejistas. 

“É comum que o custo da dívida das empresas esteja atrelado ao CDI, que é praticamente a mesma coisa da Selic. Com a Selic saindo de 2% para 14% ao ano, é como se a linha de despesa financeira se multiplicasse por 7 para as empresas. Para quem tem um balanço mais alavancado ou trabalha com um caixa mais apertado, o juro mais alto acaba deixando a empresa ‘descoberta’ no cumprimento das obrigações”, explicou Quaresma. 

Além disso, a companhia também sofre o impacto da Selic na ponta dos clientes, que são, em sua maioria, da classe C, e também estão em um momento de contenção, já que o poder de compra diminuiu, dado a alta da inflação e dos juros nos anos anteriores. Tudo isso, atrelado ao encarecimento do crédito, gera inadimplência e, consequentemente, afeta o resultado final da varejista. 

A especialista ainda pontuou que a Marisa deve sofrer com a rolagem de sua dívida, dado que o cenário para as varejistas, além de estar desfavorável, ganhou um “downgrade” com o caso da Americanas e os bancos credores.

“Apesar da ação estar na mínima histórica, cotada a cerca de 80 centavos, olhamos com receio. A companhia tem uma dívida bruta de R$ 788 milhões, sendo que R$ 314 milhões vencem no curto prazo. Dado que a operação queima caixa, a companhia precisa rolar essa dívida com urgência para sobreviver, missão para a qual a Marisa contratou a BR Partners. Entretanto, dado o apetite mais restrito do sistema financeiro para 2023, especialmente após o episódio Americanas, achamos arriscado apostar em uma rolagem ‘tranquila’”, disse Quaresma. 

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