Durante a campanha presidente, Lula prometeu diversos benefícios econômicos para as classes mais empobrecidas, como um aumento real do salário mínimo e isenção de imposto de renda para quem recebe até cinco salários mínimos. Agora eleito, a equipe do petista tenta aprovar a chamada “PEC (proposta de emenda à Constituição) da Transição”, que irá abrir espaço no Orçamento de 2023 e permitirá despesas fora do teto de gastos (regra que limita o crescimento dos gastos públicos).
Dentre as medidas incluídas na PEC estão a manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600 e demais promessas financeiras feitas por Lula, como o aumento real do salário mínimo (de 1,3% a 1,4%). Segundo contas internas da equipe do presidente eleito, o valor estimado para todos esses gastos deve ficar em torno de R$ 200 bilhões.
Segundo analistas consultados pelo BP Money, tal projeto, se acabar com o teto de gastos, tem o potencial de repelir investimentos e causar uma fuga de capital, tornando o Brasil menos atrativo em relação ao resto do mundo.
PEC da Transição pode afastar investimentos externos
De acordo com Beatriz Finochio, cientista política e advogada especializada em direito tributário, se a PEC da Transição for aprovada, consequentemente, um cenário oneroso para os empresários brasileiros será criado, causando demissões e fazendo com que o Brasil vire um país menos atrativo para os investidores.
“A PEC da Transição vai sim repelir investimentos e causar uma fuga de capital. Se ela for aprovada, considerando uma revogação de teto de gastos, uma reforma trabalhista revogada e outras revogações de reformas, que sinalizam uma irresponsabilidade fiscal, e ainda um ambiente socioeconômico menos atraente, já que revogar a reforma trabalhista traz menos flexibilidade nas relações de emprego, o empresário vai acabar demitindo, colaborando para que o Brasil não seja um ambiente econômico atrativo”, explicou.
“Ter uma irresponsabilidade fiscal, um governo que gasta mais do que arrecada não é atraente pra ninguém, ninguém vai querer vir investir no Brasil. Isso causa totalmente um atraso na economia, pois vai ter menos emprego e menos empresas vindo pra cá que geram emprego”, completou.
Para Caio Canez de Castro, especialista em investimentos da GT Capital, a PEC irá representar o fim do teto de gastos, porém é incerto qual será o comportamento dos investidores frente a isso, visto que não é sabido qual será o valor total aprovado.
“Caso aprovada, a PEC certamente romperá o teto de gastos, porém dependerá do valor total aprovado para que a gente possa sentir como o investidor estrangeiro reagirá. De qualquer modo, o investidor estrangeiro tem olhado para o Brasil como o “menos pior” dos países emergentes, o que não tem repelido os investimentos”, afirmou.
Segundo Castro, o projeto irá resultar num menor desenvolvimento privado, visto que o governo Lula precisaria aumentar a arrecadação para cobrir os custos. Logo, alguns impostos como o IPI e o ICMS podem voltar, em sua visão.
“A principal consequência será sentida na manutenção de uma taxa de juros em patamar mais elevado, por mais tempo e o retorno de alguns impostos como ICMS dos combustíveis e IPI. Também veremos um ambiente de negócios mais tenso, com pouca evolução no desenvolvimento privado”, disse.
Como o governo Lula irá bancar a PEC?
Na última semana, Lula tem conversado tanto com Rodrigo Pacheco (PSD), presidente do Senado, quanto com Arthur Lira (PP), presidente da Câmara, sobre a PEC da Transição. O governo petista ainda não definiu formalmente qual será o valor do “pacote”. Além disso, Lula ainda não revelou quais medidas fiscais serão tomadas para financiar o projeto.
Recentemente, por conta da repercussão negativa das lideranças do Congresso, a equipe do presidente eleito avalia a possibilidade de fixar um prazo de quatro anos para deixar o Bolsa Família fora do teto de gastos na PEC da Transição.
Segundo Amauri Saad, sócio da Siqueira Castro Advogados, o governo Lula irá conseguir financiar a PEC através da arrecadação ou através do endividamento público. O analista ainda falou da possibilidade do governo emitir títulos.
“Os recursos virão da arrecadação ou do endividamento público. Há um cenário de crescimento de arrecadação nos últimos anos, que pode ser suficiente para custear o auxílio. O governo também pode emitir títulos, o que é absolutamente comum no mundo todo. Além disso, as reformas tributária e administrativa, se realizadas pelo novo governo, podem também contribuir para a liberação de recursos para políticas públicas de caráter social”, relatou.
Para Finochio, para Lula conseguir bancar a PEC da Transição, ele vai precisar cortar muitos gastos, visto que será preciso de R$ 200 bilhões para bancar o “pacote”.
“A grande verdade é que ele precisaria enxugar o estado. Tem diversos gastos públicos que não tem a menor necessidade. Ou se a gente tivesse menos ministérios e menos cargos prometidos, conseguiríamos sim gastar, o governo conseguiria sem furar o teto de gastos”, explicou.
Como a aprovação da PEC influencia a popularidade de Lula?
Por se tratar de uma PEC, a proposta do petista precisa de ao menos 308 votos na Câmara e 49 no Senado, em dois turnos de votação em cada Casa. O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), já afirmou que apoiará a PEC da transição somente pelo Auxílio Brasil de R$ 600 e o aumento real do salário mínimo.
De acordo com Castro, se Lula conseguir aprovar a PEC da Transição, ele terá um grande apoio popular logo no início do mandato, mostrando força dentro de um congresso predominantemente de centro-direita.
“Caso aprovada a PEC, veremos um governo que começará com forte apoio popular, com compromisso as promessas de campanha e praticamente garantido uma boa avaliação dos seus primeiros 100 dias de governo. Ao mesmo tempo, demonstra que ainda possui um forte capital político e que não deverá ter maiores problemas dificuldades em aprovar suas pautas menos polêmicas, principalmente nas áreas de saúde e educação. Ainda assim, o teto de gastos será o principal fator de tensão entre o governo, o congresso e o mercado”, disse.
Porém, caso Lula não consiga aprovar o projeto, Castro crê que Lula já começará a esbanjar impopularidade entre seus eleitores, demonstrando que terá problemas em aprovar seus projetos pelos próximos quatro anos.
“Se não for aprovada a PEC, o futuro governo Lula já começará a sua gestão com impopularidade dos eleitores, já que essa era uma das únicas promessas efetivas de campanha. Além disso, demonstrará o quão difícil será a governabilidade de Lula frente a um congresso que, mesmo sem os novos eleitos, grande maioria centro-direita, já irá demonstrar que não apoiará uma gestão fiscal irresponsável por parte do novo governo”, disse.
Segundo Finochio, Lula se elegeu prometendo várias medidas populistas, mesmo sem ter apresentado qualquer plano de governo. Se Lula não conseguir aprovar a PEC, terá problemas em sua popularidade.
“Caso a PEC não seja aprovada, ele vai ter um problema porque ele prometeu durante a campanha dele R$ 600 reais de Auxílio Brasil. Então fica complicada a popularidade dele porque, apesar de nunca ter apresentado um plano de governo, ele sempre falou em medidas populistas que exigem mais gastos da máquina pública. Então, obviamente que vai sim comprometer muito, pois o grande trunfo do Lula é que ele é o pai dos pobres”, afirmou.