Setor de Saúde no foco

Planos de saúde: reajustes abusivos e rescisões preocupam beneficiários

Conforme levantamento divulgado pelo Idec, o setor de planos de saúde atingiu, no ano passado, a liderança no ranking de reclamações

Reajuste dos planos de saúde
Foto: Pixabay

Pagamentos de R$ 9.678,03 em planos de saúde. Essa era, até pouco tempo, a realidade mês após mês de Vânia (nome fictício),89, aposentada e cliente do advogado especialista em direito médico Pedro Cotrim.

Enquanto a ANS (Agência Nacional de Saúde) autorizou, em 2023, um reajuste anual nos planos de saúde individuais e familiares de 9,63%, o reajuste aplicado pela operadora sobre o plano de Vânia foi de 24,76%. Em 2022, o órgão autorizou aumento de até 15,50%, mas o reajuste aplicado foi de 19,40%.

Muito antes, em 2014, a agência autorizou um reajuste de 9,65%, mas a taxa aplicada no plano de saúde da aposentada foi de 17,71%. O mesmo em 2015: 16,31% contra 13,55% permitido pela ANS.

Os abusos foram registrados ao longo dos últimos dez anos, totalizando um aumento de 350%. Após decisão judicial, a aposentada passou a pagar R$ 4.796,23 mensais.

O relato não é uma exceção. Conforme levantamento divulgado pelo Idec (Instituto de Defesa de Consumidores), o setor de planos de saúde atingiu, no ano passado, a liderança no ranking de reclamações de consumidores. Das queixas, 29,7% se referiam aos reajustes, classificados por clientes como “abusivos”.

Na terça-feira (4), a ANS informou que a taxa de reajuste anual deste ano é de 6,91%, abaixo do registrado nos últimos anos, com exceção de 2020, no auge da pandemia de covid-19, mas bem acima da inflação média da economia.

O aumento afeta o orçamento de 8 milhões de beneficiários, o equivalente a 15,6% dos 51 milhões de consumidores de planos de assistência médica no Brasil, segundo dados de março de 2024.

De acordo com Pedro, a justificativa para o aumento está fundamentada sob o aspecto da metodologia aplicada nos cálculos para embasar o reajuste, ou seja, combinação da variação das despesas assistenciais dos planos de saúde com o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo).

“O cálculo é baseado na variação das despesas assistenciais ocorridas em 2023 em comparação com as despesas assistenciais de 2022 dos beneficiários de plano de saúde. A variação das despesas está diretamente associada à variação de custos dos procedimentos e à frequência de utilização dos serviços de saúde”, explicou Cotrim.

Ainda de acordo com o advogado, este índice é válido para os planos de saúde os quais são comercializados por Seguradora Especializada em Saúde, por exemplo, Bradesco Saúde, Sul América, Amil, Hapvida, Unimed. Não estão inclusos nesse reajuste os planos de saúde de autogestão, por exemplo, Cassi, Camed, Casseb.

Através de nota, o diretor de Normas e Habilitação dos Produtos, Alexandre Fioranelli da ANS esclareceu que “os dados utilizados para o reajuste foram verificados pela Secretaria de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, a qual expressou sua concordância com o cálculo, destacando ainda sua adequação à manutenção do equilíbrio econômico-financeiro das operadoras”.

“Importante ressaltar também que essa metodologia é baseada na variação das despesas médicas apuradas nas demonstrações contábeis das operadoras e em um índice de inflação, o que garante previsibilidade e transparência para toda a sociedade”, completou Fioranelli.

O reajuste estabelecido pelo órgão, afirma Pedro, não deve ser ultrapassado, mas há casos de seguradoras que se utilizam de artifícios para tentar burlar este limite, vendendo planos de saúde empresariais, os quais também são conhecidos como falso coletivo, e, teoricamente, não estão limitados ao reajuste da ANS.

“Porém, há um entendimento do judiciário de que os reajustes desses planos de saúde tidos como falso coletivo até 29 vidas devem respeitar o limite da ANS, tendo o beneficiário o direito de ajuizar uma ação requerendo a restituição dos valores pagos e a readequação do valor da mensalidade”, pontuou Cotrim.

Rescisão unilateral de planos de saúde

Outra problemática envolvendo operadoras de planos de saúde são as crescentes reclamações e denúncias de rescisões unilaterais dos contratos. Somente de janeiro a março deste ano, já são 4.873 queixas sobre esse assunto, informou a ANS.

O professor Roberto (nome fictício), no ano passado, se deparou com o plano suspenso durante um atendimento médico. Segundo ele, a operadora atribuiu a um atraso de cinco dias no pagamento.

O motivo, porém, não é válido. De acordo com as regras da ANS, o cancelamento de planos pode acontecer em casos de inadimplência, mas superior a 60 dias.

Antes de suspender o plano, a empresa já havia realizado aumentos “assustadores”, classificou o professor, nos últimos meses. “Minha advogada explicou que a decisão aconteceu após o meu internamento por covid-19, que custou R$ 80 mil. Eu era, para eles, um usuário que gerava prejuízo”.

Roberto levou o caso à Justiça e venceu. A Justiça determina que a empresa deposite, em até 90 dias, o valor da indenização.

Segundo Pedro, a prática abusiva é, muitas vezes, uma manobra para tentar forçar o beneficiário a contratar uma nova apólice com valor maior, “realizando ainda um downgrade se comparado com o contrato antigo”.

Ao BP Money, a ANS esclareceu que ” está atenta ao comportamento do mercado e monitora os vínculos cancelados, seja por desligamento da empresa, transferência de carteira, a pedido do beneficiário ou por inadimplência”.

A agência informou que não dispõe de informações sobre o número de cancelamentos, por se tratar de “uma relação entre contratante e contratado”. Contudo, a reguladora pontuou que possui dados individualizados (por beneficiário de plano de saúde) relacionados a cancelamentos e adesões a planos.

Segundo a ANS, nos últimos 12 meses, o comportamento de adesões e cancelamentos “manteve-se estável, com poucas oscilações, sendo as adesões maiores que os cancelamentos em 11 dos 12 meses analisados”.

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