Para especialista, “sell in May and go away” pode não fazer sentido em 2022

Menor liquidez durante maio e junho traz, historicamente, correção nos ativos da bolsa após o período de férias no hemisfério norte

O mercado financeiro é composto por uma série de ditados antigos que, muitas vezes, podem ser aplicados ainda hoje. O “sell in May and go away” (“venda em maio e se vá”, em tradução livre para o português), entretanto, divide opiniões. Ele se refere a uma máxima de que vender os ativos em maio e recomprar somente no segundo semestre compensa para o investidor. Historicamente, a bolsa norte-americana realmente registra queda durante os meses de maio e junho, mas, em 2022, com o cenário econômico global ainda influenciado pela pandemia de covid-19 e também pela guerra na Ucrânia, a queda que ocorre em maio e junho – na maioria dos anos – pode já ter acontecido, segundo especialista consultado pelo BP Money.

De acordo com Leonardo Morales, sócio e diretor da SVN Gestão, a bolsa norte-americana cai entre maio e junho porque ocorre a queda de liquidez no mercado. “Geralmente, as pessoas entram em férias nesse período, com o verão no hemisfério norte, e saem para viajar, por isso existe a máxima do sell in May and go away”, disse.

O especialista explica que, neste ano, pode ser que a lógica do movimento “sell in May and go away” não se aplique, já que – talvez – o mercado norte-americano já tenha exercido essas vendas nos meses anteriores.

“A Nasdaq caindo mais de 20% e o índice S&P caindo mais de 15% já é uma destruição de riqueza que contrata menos inflação lá pra frente. No mercado norte-americano, 60% das pessoas investem em ações e, se elas perdem dinheiro, estão menos propensas a consumir. Então, de certa forma, o Fed tem acompanhado isso. Ou seja, talvez, a gente tenha visto essa realização nos meses anteriores, e maio e junho talvez tragam uma recuperação”, explicou Morales. 

Com o fenômeno da inflação assolando o mundo inteiro, os Estados Unidos vivem a maior inflação dos seus últimos 40 anos. A taxa está em 8,3%. O agravante da guerra, além dos efeitos da pandemia de covid-19 iniciada em 2020, tem exercido pressão sobre os preços em diversas categorias.

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“A gente está vendo um mercado com mais volatilidade porque temos inflação no mercado norte-americano. É uma geração que não conhece a inflação. São 40 anos sem inflação nos EUA. Os bancos centrais desses países têm dificuldade de lidar com isso”, disse o especialista.

Com a economia dos países em baixo crescimento, o Banco Mundial anunciou, na última terça-feira (7), que o risco de uma estagflação não está descartado. Nos EUA, o Federal Reserve (banco central norte-americano) começou recentemente a aumentar os juros para conter a inflação. Entretanto, segundo Morales, da SVN, o Fed está em uma “sinuca de bico”. 

“Como o Fed tem que agir para combater essa inflação? Ele precisa subir a taxa de juros, e isso é ruim para os mercados de risco, principalmente para a bolsa de valores e para empresas que tinham contratado um crescimento muito robusto para os próximos anos. O Fed está em uma sinuca de bico. Ele sabe que precisa esfriar um pouco a economia, subindo a taxa de juros, mas ele também não quer que os EUA entrem em recessão”, disse Morales. 

Por que os EUA estão com o mercado mais volátil do que o brasileiro? 

O mercado norte-americano tem apresentado uma volatilidade maior do que a do mercado brasileiro. Isso tem ocorrido, segundo Morales, porque o Brasil está muito voltado ao cenário de commodities e empresas de valor, que, com este cenário atual, conseguem se manter mais estáveis do que companhias de outros setores.

“Commodities e bancos são 60% da bolsa brasileira. A gente tem se favorecido, pelo menos no curto prazo, por conta dessa rotação de ativos, saindo de crescimento e indo mais para valor, por isso o Brasil – na contramão do mercado norte-americano – subiu no ano. A moeda brasileira também se valorizou no ano. De certa forma, acho que esse movimento de se beneficiar no curto prazo da rotação de ativos continua”, disse o diretor da SVN Gestão. 

Morales ainda destacou que o Brasil pode passar a sofrer mais caso os juros dos EUA comecem a ficar acima de 4% ou 5% ao ano.

“Se o Fed tiver que apertar a economia de uma maneira muito mais forte, com juros norte-americanos acima de 4% ou 5% ao ano, provavelmente todos os mercados vão sofrer, e o Brasil, como emergente, deve sofrer junto”, disse.

Para se proteger dessa possível queda do mercado interno, é importante ter uma carteira bem diversificada, segundo Morales, inclusive com ativos ligados ao mercado externo.

“É importante a diversificação. Se a gente está falando de uma taxa de juros muito mais alta, isso vai favorecer o dólar, então é importante ter um percentual do patrimônio alocado em empresas que se beneficiam disso. As próprias empresas de commodities se beneficiam de um dólar mais valorizado. A Vale, por exemplo, vende o produto lá fora mais caro. A ideia é, tanto na parte de renda fixa quanto em variável, estar diversificado. Na parte de renda fixa, a gente gosta ainda de alguns papéis que pagam IPCA +5% e +6%, títulos públicos, títulos privados. Dentro de renda variável, a gente gosta de empresas que tenham ‘pricing power’, ou seja, consigam repassar inflação. Nessa esteira estão empresas de utilities, as de energia elétrica e companhias de commodities”, finalizou Morales.