Sonho das empresas de tecnologia na Bolsa acabou? Analistas explicam momento

A alta na taxa de juros, o risco de recessão e a inflação estão por trás do péssimo desempenho no ano

As ações de empresas brasileiras de tecnologia alcançaram seu “boom” nos últimos dois anos. Com a alta demanda por soluções digitais em meio a pandemia, o número de companhias do setor listadas passou de quatro para 16. A pandemia, no entanto, arrefeceu e parece que levou com ela o impulso dos agentes do mercado por essas ações. 

Mas, afinal, vale a pena investir agora nessas empresas? Segundo especialistas ouvidos pelo BP Money, o momento realmente não é positivo para o setor. No entanto, o investidor que quiser carregar um papel pelo longo prazo pode encontrar boas (e baratas) empresas na B3. Confira:

Do luxo ao lixo?

Com a escalada global da pandemia de covid-19, em 2020, muitas atividades econômicas acabaram sendo paralisadas durante meses. Para enfrentar este problema, muitos Bancos Centrais ao redor do globo optaram por reduzirem suas taxas de juros em níveis até negativos, visando estimular suas próprias economias.

Com a queda acentuada da taxa de juros, muitas empresas de tecnologia, não só brasileiras, acabaram recebendo uma grande injeção de investimentos. Com uma tendência à digitalização dos negócios, ocasionada pelo fechamentos dos comércios durante a pandemia, e com os investidores assumindo ações de maior risco por conta dos juros baixos, as ações de tecnologia tiveram altas históricas em 2020 e parte de 2021. 

Com o ótimo desempenho das empresas de tecnologia brasileiras na B3, muitas companhias buscaram abrir sua própria oferta de capital na Bolsa. Antes de 2020, primeiro ano sob a pandemia da covid-19, existiam apenas 4 empresas de tecnologia listadas na Bolsa. Um ano e meio depois, o número passou para 16.

Em fevereiro de 2020, a empresa de hospedagem de sites Locaweb (LWSA3) fez a sua oferta inicial de ações, coincidentemente no mesmo período em que o coronavírus se espalhou pelo mundo. Apesar disso, a empresa conseguiu rentabilizar quase 600% no primeiro ano do seu IPO. 

Seguindo o boom da Locaweb, entre novembro e dezembro de 2020, Méliuz (CASH3), Enjoei (ENJU3) e Neogrid (NGRD3) chegaram à bolsa. Já em 2021, foi a vez de empresas como Intelbras (INTB3), Mobly (MBLY3), Mosaico (MOSI3), Bemobi (BMOB3) e Multilaser (MLAS3) estrearem seus papéis. 

Além das ações, as startups explodiram no País. Segundo relatório da empresa de inovação Distrito, que mapeia o setor de tecnologia, o investimento no mercado de startups cresceu 187% nos primeiros quatro meses de 2021 em relação ao mesmo período do ano passado. O valor dedicado às novas empresas de tecnologia foi de US$ 2,35 bilhões no período, investido em 207 negócios.

Entretanto, no meio de 2021, a magia no mundo das empresas brasileiras de tecnologia desapareceu. Na mesma medida em que os Bancos Centrais abaixavam suas taxas de juros, muitos governos criavam generosos pacotes econômicos a fim de estimular suas próprias economias, aumentando a impressão de dinheiro, gerando um grande crescimento em seus índices inflacionários mundiais. 

Além dos pacotes, os países também distribuíram milhares de auxílios econômicos, visando ajudar cidadãos que não estavam conseguindo enfrentar a pandemia no front econômico. Esta medida também contribuiu para o florescimento de uma inflação generalizada, que começou a crescer no meio de 2021 e atingiu níveis galopantes em 2022. 

Em 2022, as maiores economias do mundo têm registrado índices de inflação recorde. Na Inglaterra, o índice de inflação disparou a 9% em ritmo anual em abril no Reino Unido, um recorde em 40 anos. Nos EUA, a inflação acumulada em 12 meses chegou a 9,1%, nível mais alto desde 1981. Na Alemanha, a inflação anual foi a 7,9%, a maior em quase 50 anos.

No Brasil, a inflação brasileira acumula alta de 11,73% em 12 meses e está entre as mais altas do mundo.

Com um cenário inflacionário mundial, os principais Banco Centrais do mundo optaram por combater suas inflações e desacelerarem suas economias. Para atingir seus objetivos, as principais instituições financeiras mundiais começaram a aumentar suas taxas de juros, mesmo que isso significasse um surgimento de uma recessão global. 

Desde o começo do ano, o Fed (Federal Reserve, o Banco Central norte-americano) vem aumentando sua taxa de juros. Em 15 de junho, o banco elevou sua taxa de juros em 75 pontos-base, para a faixa entre 1,50% e 1,75% ao ano, sendo esta a maior elevação do país desde 1994. 

No Brasil, o governo vem aumentando sua taxa de juros desde 2021. Atualmente a taxa encontra- se em 13,25%.

Juros e inflação derretem companhias

Com a escalada dos juros e da inflação, as ações das empresas brasileiras de tecnologia derreteram em 2022. Por exemplo, a Totvs (TOTS3), empresa brasileira de software, acumula queda de 13,42%, a Locaweb derreteu mais de 50%, e a Meliuz, startup de cashback, caiu mais de 55%. 

“Os principais motivos para a queda das ações da tecnologia são a virada do cenário macro, a deterioração do mercado externo, com possibilidade de recessão nos EUA, e o aumento de riscos fiscais no Brasil”, explicou Bruno Komura, analista da Ouro Preto Investimentos. 

“Empresas de tecnologia são muito sensíveis ao aumento da taxa de juros, considerando o comprometimento financeiro através da tomada de crédito”, completou Sidney Lima, analista da Top Gain. 

Além dos papéis das empresas de tecnologia, as startups brasileiras estão passando por um momento de crise. QuintoAndar, Favo, Kavak, Ebanx e Loft foram alguns exemplos de empresas que fizeram demissões em massa neste ano. 

Com a perspectiva de um crescimento na taxa de juros cada vez mais acentuado, muitos investidores brasileiros têm optado cada vez mais por títulos de renda fixa, com muitos bancos oferecendo títulos com CDI (Certificados de Depósito Interbancário) acima de 100%, com um rendimento perto da taxa Selic.

Segundo dados da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), durante os seis primeiros meses de 2022, os fundos atrelados à renda fixa tiveram uma captação maior que os resgates em R$ 88,8 bilhões. 

No contexto atual, as bolsas vêm perdendo atratividade, porém com as ações tech sofrendo mais. Com a alta de juros, podendo gerar uma recessão mundial, há uma desaceleração econômica, com a população demandando menos os serviços prestados pelas empresas de tecnologia, prejudicando o crescimento das empresas tech nos próximos anos. 

“Com o aperto monetário nas economias, que acaba diminuindo a liquidez, os investidores acabam sendo mais seletivos na hora de escolher as ações. Há uma aversão ao medo. Eles acabam achando que as ações de tecnologia não geram caixa”, afirmou Komura. 

“Empresas de tecnologia são ações de crescimento, portanto são ações que têm um crescimento projetado no futuro. Para continuar crescendo essas empresas precisam de financiamento de recursos, que acabaram ficando caros com a crise econômica”, completou Komura.  

Com os investidores esperando uma recessão, gerada pelo aumento dos juros, Lima acredita que as ações das empresas de tecnologia brasileiras possam ser prejudicadas ainda mais. 

“Várias empresas podem adiar duas demandas com desenvolvimento tecnológico, focando nas prioridades de perpetuidade no negócio principal. Assim essas empresas de tecnologia ficariam de escanteio, por não se tratar de uma demanda de prioridade para as empresas no geral, considerando que essas empresas de tecnologia geralmente possuem a sua receita através da prestação de serviço”, afirmou. 

Sérgio Berruezo, analista de Research da Ativa Investimentos, também compartilha da mesma opinião que Lima. “As ações de tecnologia brasileiras podem ser prejudicadas, pois uma recessão tem um impacto direto na curva de juros e nos preços das ações”. 

Vale a pena?

Apesar dos desempenhos ruins no ano de 2022, os analistas consultados pelo BP Money acreditam que existem maneiras das empresas de tecnologia do Brasil se protegerem da crise econômica brasileira. 

“Temos percebido um movimento forte dessas empresas focando na redução de despesa fixa, seja com pessoal à paralisação de novos projetos”, ressaltou Lima. 

“Eu acredito que provando o bom trabalho e que o modelo de negócio é consistente, que consegue gerar caixa, é a melhor forma para se proteger”, disse Komura. 

Apesar de crer que as empresas de tech brasileiras possam se proteger da crise, Lima afirma ter receio de investir nesse tipo de ação. 

“O endividamento acabou comprometendo a perpetuidade de uma série de negócios, ainda considero arriscado o investimento nesse setor, considerando a provável perspectiva de continuidade da escalada de taxas no mercado internacional”, relatou.

Em contrapartida, apesar de ressalvas, Sérgio Berruezo acredita que é importante investir em ações de empresas brasileiras de tecnologia. 

“São ótimos investimentos, apesar de cada empresa ser diferente. A LocaWeb, por exemplo, tem uma estratégia ligada ao e-commerce. Apesar de participar pouco do PIB (Produto Interno Bruto), atualmente as coisas estão sendo mais consumidas no e-commerce. A previsão é que todos os segmentos vão penetrar no e-commerce”, afirmou.

“Empresas que focam na digitalização da pequena e média empresa, que são pouco digitalizadas, também tem uma boa expectativa de crescimento no futuro. Cada vez mais os consumidores precisarão consumir por meios digitais, logo as empresas precisam se organizar para isso. Tudo isso tem um impacto nessas empresas a longo prazo”, completou Berruezo.

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