O modo como a economia brasileira se mostrou no início de 2024, comparado a como os indicadores chegam nesse momento, pode parecer uma miragem diante dos olhos do mercado financeiro. No câmbio mais precisamente, o real se consagrou como a moeda que mais desvalorizou contra o dólar este ano.
A divisa norte-americana teve um desempenho forte ao longo do ano, com o cenário da taxa de juros nos EUA atraindo ainda mais capital dos investidores ao redor do mundo. Além disso, internamente a desancoragem das expectativas com a inflação e a percepção de piora na questão fiscal também favoreceram o fortalecimento do dólar.
O entendimento de que o câmbio seria mais um indicador com o que se preocupar se intensificou a partir de março, quando a moeda norte-americana voltou a superar os R$ 5,00 depois de quatro meses e não deixou de subir depois disso.
Relembre o histórico do dólar em 2024
Chegando aos R$ 5,00
A conhecida “Super-Quarta”, evento em que os Bancos Centrais do Brasil e dos EUA anunciam as decisões sobre as taxas de juros de seus respectivos países, que ocorreu em março, marcou o começo da trajetória elevada do dólar.
Na época, o ciclo da política monetária no Brasil ainda era de afrouxamento, enquanto nos EUA esperava-se por uma indicação de quando os cortes nas taxas de juros viriam.
O sócio fundador da Septem Capital, Frederico Avril, reforçou que a elevação dos juros nos EUA fortaleceu o dólar e tornou os ativos norte-americanos mais rentáveis e atraentes diante do cenário que se formava para os mercados globais.
“A incerteza gerada por conflitos geopolíticos, como tensões na Ásia e na Europa, reforçou a busca por segurança na moeda norte-americana”, disse Avril.
As discussões sobre os gastos do governo federal estarem descontrolados, com baixas expectativas de cumprimento da meta fiscal, já começavam a rondar as análises dos especialistas.
Pouco depois, em abril, a equipe econômica do Governo Lula anunciou que faria mudanças nas metas fiscais para 2025 e 2026, que previam superávits primários.
Antes das alterações, esperava-se superávit de 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2025 e 1,0% do PIB em 2026. Com a mudança, ficou estabelecida uma meta de déficit zero para o ano que vem e superávit de R$ 33 bilhões para o último ano do governo.
A perda de confiança de que o Poder Executivo estaria comprometido e fazendo o máximo para alcançar as metas fiscais seguiu causando abalos ao dólar ao longo do ano.
Junto a isso, a mudança de rota do BC (Banco Central), que deixou de lado as reduções e começou a decidir pela manutenção da Selic (taxa básica de juros), só deteriorou mais o real.
“Expectativas de baixo crescimento econômico, combinadas com pressões inflacionárias, criaram um ambiente desfavorável para o real”, afirmou Avril.
Com isso, o dólar voltou a superar seus maiores valores nominais de anos anteriores, visto que em junho chegou a R$ 5,50, maior cotação desde janeiro de 2022 e marcou os R$ 5,70 já no mês seguinte.
O recorde de R$ 6,00
Quando o real brasileiro entrou em circulação em 1994, com a realização do Plano Real – iniciado em 1993 – para estabilizar a economia brasileira, não se imaginava que a moeda chegaria a sua pior cotação frente ao dólar, marcando o valor histórico de R$ 6,00.
Esse cenário se concretizou já próximo ao apagar das luzes de 2024, no dia 28 de novembro. A valorização do dólar foi uma resposta ao aguardado pacote de contenção de gastos públicos anunciado pelo governo federal.
O mercado financeiro esperava que medidas concretas para conter o crescimento das despesas e manter a viabilidade do Arcabouço Fiscal fossem anunciadas pelo Executivo e levadas ao Legislativo ainda em outubro.
Porém, após semanas de promessas por parte da equipe econômica, o anúncio oficial feito pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), previa uma economia de R$ 70 bilhões até 2026, o que os agentes do mercado consideraram insuficiente.
Além disso, junto com o pacote fiscal foi anunciada também a isenção do IR (Imposto de Renda) para pessoas físicas que recebem até R$ 5 mil, o que acentuou ainda mais a decepção com o comprometimento da entrega das metas fiscais, visto que o governo estará abrindo mão de receita.
Desde então, o dólar tem renovado diversas vezes seu recorde histórico, já tendo chegado aos R$ 6,30. Inicialmente, a preocupação era de que a economia não seria suficiente, depois, o tempo hábil para que o pacote fiscal fosse aprovado no Congresso desvalorizou ainda mais a moeda e a Bolsa brasileira.
Agora, com as medidas já aprovadas no Congresso Nacional, a cotação do dólar segue na dianteira contra o real, enquanto os agentes econômicos processam a desidratação do pacote e o quanto isso custará aos planos do governo e à economia brasileira.
Enrico Cozzolino, sócio e head de análises da Levante Investimentos, mencionou que a desancoragem das expectativas está levando a moeda às altas ‘descomunais e fora da normalidade” e que é difícil prever até onde o dólar pode ir no ano que vem.
“Não é só pela ótica do dólar que dá pra falar sobre isso, mas quem exporta [as empresa] em teoria vai melhor, quem tem menos dívida em real vai melhor, já quem tem dependência do cenário local vai pior”, afirmou.
Já Frederico Avril, reforçou que as estimativas seguem pessimistas para o dólar, sobretudo se o Fed (Federal Reserve) mantiver uma política monetária contracionista e o Brasil não avançar em reformas significativas.
“Uma melhora no cenário fiscal brasileiro ou sinais de desaceleração da economia americana poderiam aliviar a pressão sobre o câmbio. O ciclo eleitoral no Brasil e os desdobramentos de questões internacionais, como relações comerciais e diplomáticas, também podem influenciar a trajetória da moeda “, salientou o analista.