O Brasil segue sendo palco de um enredo que lembra filmes hollywoodianos. Em meio a preocupações fiscais, um plano de contingência que aparentemente veio mais tarde que o esperado e um tarifaço que coloca o país na mira dos EUA, o cenário já afeta setores produtivos que começaram a reduzir investimentos, e os cofres públicos devem sentir o aperto.
Na percepção de especialistas ouvidos pelo BP Money, o impacto deve ser sentido em breve. O principal fator é a pressão sobre o espaço já limitado do governo para manobras fiscais.
“Como o plano foi anunciado somente depois de as tarifas americanas entrarem em vigor, ele precisou ter um caráter mais amplo, com subsídios e linhas de crédito emergenciais”, comentou Jeff Patzlaff, planejador financeiro e especialista em investimentos.
Segundo o especialista, esse movimento precisa ser extenso justamente para minimizar efeitos que poderiam ter sido parcialmente evitados se o governo tivesse agido antes.
Na prática, as tarifas de 50% dos EUA sobre produtos brasileiros geram novas despesas e antecipam receitas (como o uso de créditos tributários). Ou seja, isso afeta a trajetória do primário e preocupa o mercado nacional, que já questionava a capacidade de cumprimento da meta fiscal de 2025. No Brasil, todo esse imbróglio ocorre em meio a uma Selic de 15% ao ano e menor arrecadação devido à desaceleração da atividade econômica.
Reforçando o pessimismo do quadro, Gustavo Assis, CEO da Asset Bank, aponta outros riscos. Segundo ele, a necessidade de ampliar compras públicas e garantias se os volumes exportados seguirem deprimidos, pode pressionaria o prêmio de risco.
Moeda brasileira pode passar por forte deterioração
Na linha de frente dos primeiros afetados, o real já sente a deterioração. Analistas alertavam, desde o anúncio, que o pacote poderia aliviar parte do choque real no setor, mas com risco de pressão sobre câmbio e custo do dinheiro até haver clareza sobre execução e isenções.
“A combinação de choque comercial, dúvidas sobre a efetividade do plano e o contencioso na OMC mantém o real mais volátil e a curva inclinada nos vértices intermediários”, pontuou Assis.
Esse efeito quase imediato para a moeda do Brasil leva à saída de capital estrangeiro mais sensível ao risco, principalmente os alocados em Bolsa. Até 15 de agosto, a B3 (B3SA3) registrou a retirada de R$ 536,9 milhões. Nesta data, o Ibovespa fechou praticamente estável, com leve queda de 0,01%.
“Como o plano veio sem clareza sobre duração e custo total, o mercado enxergou maior risco fiscal e, com isso, a parte longa da curva de juros abriu ainda mais. Ou seja, no curto prazo, o mercado já precifica juros mais altos”, declarou Patzlaff.
Queda do volume de exportações
Apesar do plano de contingência do governo Lula tentar reduzir custos para empresas exportadoras, especialistas preveem uma queda gradual no volume total de exportações.
“O setor de siderurgia e metalurgia já sente as primeiras reduções de pedidos, assim como calçados e têxteis. No agronegócio, o impacto tende a ser menor no curto prazo, porque muitos contratos já estavam fechados, mas, se as tarifas persistirem, a partir do terceiro trimestre exportadoras de carne bovina e de frango podem sentir redução de margem”, explicou Patzlaff.
A queda maior deve atingir empresas com receitas muito expostas ao dólar vindo dos EUA. Muitas dessas companhias estão listadas em bolsa e carecem de diversificação de mercado, o que gera efeito imediato na precificação.
Por outro lado, Jonas Vieira, diretor de Comércio Exterior do Grupo Invoice, destacou algumas empresas menos impactadas, como a Embraer (EMBR3). Já na parte negativa, segundo ele, a JBS (JBSS32) seguirá em dificuldades.
“O setor cafeeiro também sofrerá bastante, porque o americano consome muito café, e não adianta a China comprar, já que seu consumo é muito inferior ao do mercado americano e brasileiro”, acrescentou Vieira.
Quem sofre mais ou menos com as tarifas
Segundo especialistas, nos Brasil os segmentos mais sensíveis são proteínas, café, frutas, madeira, pesca, siderurgia, papel e celulose e calçados.
Além disso, empresas com forte alavancagem tendem a ser mais impactadas, pois a curva de juros mais pressionada eleva os custos de rolagem da dívida. Por outro lado, setores ligados ao mercado interno e com menor exposição ao dólar, como utilities e varejo de produtos essenciais, podem sentir efeitos menores.
“O momento pede cautela e diversificação. Pode fazer sentido reduzir exposição aos setores diretamente impactados e aumentar a parcela em ativos mais defensivos, como empresas geradoras de caixa com endividamento baixo”, aconselhou Patzlaff aos investidores.