Os protestos na China contra as rígidas restrições da Covid-19 se intensificaram no último final de semana e derrubaram os contratos futuros de minério de ferro em Cingapura nos últimos pregões. Mas esse impacto pode refletir nas ações da Vale (VALE3)?
De acordo com Roberto Dumas, estrategista-chefe do Voiter, a queda da commodity pode gerar volatilidade no preço das ações da mineradora.
“Os protestos acabam mexendo no preço do minério de ferro porque a China sempre teve, em momentos de estresse, uma política expansionista visando justamente o mercado de ativos imobiliários e infraestrutura. É um dos países que mais investe no mundo, e grande parte disso é infraestrutura. Se está em lockdown e não consegue produzir e construir, isso acaba batendo no minério de ferro”, explicou Roberto Dumas, estrategista-chefe do Voiter,
Segundo o especialista, a Vale exporta, principalmente, para a China e, por isso, as ações devem enfrentar uma volatilidade acima da média na B3.
“Como ela é mineradora e exporta grande parte da sua produção ao mercado externo, principalmente a China, acaba impactando nos preços das ações da Vale, pois se ocorre muita volatilidade no preço do minério de ferro, também ficará volátil o preço das ações da Vale”, explicou o estrategista-chefe do Voiter ao BP Money.
Apesar da queda do minério de ferro no início da semana, que caiu mais de 3% na segunda-feira (28), a companhia brasileira encerrou o pregão deo dia com alta de 0,91%. Na sessão de terça (29), a empresa disparou 4,19% com os rumores de que a política de “covid zero” na China pode chegar ao fim.
“Dependendo do fluxo de caixa, é óbvio que a importação de minério de ferro continua crescendo, mas bem aquém em relação aos outros anos. Se está em lockdown, aquilo que se projetou há dois anos o que seria o fluxo de caixa da Vale, destinado à China, ele tende a ser menor”, completou Dumas.
Na sessão, o minério de ferro de referência para dezembro na Bolsa de Cingapura caiu 1,3%, para 97,90 dólares a tonelada, depois de recuar até 3,2% no início do pregão. “Eventualmente, lá na frente, com a flexibilização do lockdown, a China vai voltar. Vão investir pesadamente em ativos mobiliários e em infraestrutura, o que deve beneficiar o minério de ferro lá na frente”, projetou Dumas.
Governo da China está em uma “sinuca de bico”, diz especialista
Nos protestos que se intensificaram no final de semana, o que se viu foram alguns protestantes fazendo raras manifestações pedindo a renúncia do presidente Xi Jinping, reeleito em outubro para um terceiro mandato de cinco anos. No entanto, uma forte operação da polícia nas principais cidades da China, incluindo Pequim e Xangai, parece ter contido novos protestos nos dias que se seguiram.
Para Dumas, o governo está em uma “sinuca de bico” entre abrir o lockdown ou conter os protestos.
“O número de infecções está subindo 40 mil por dia, e não era isso que o Xi Jinping esperava. Se ele abrir o lockdown e não tiver a vacinação, principalmente às ocidentais que ele se recusa a comprar, isso pode ter um aumento no caso de mortes que, segundo a China, não bateu mais de seis mil mortes, algo que eu desconfio, mas se piorar, a população vai sentir que passaram três anos inoquamente em lockdown”, explicou.
“Se ele não abrir, a economia chinesa acaba tendo um crescimento muito menor. Leve-se em consideração que até as flores de lótus do Palácio Imperial já sabem que a China não vai crescer 5,5% esse ano. Não passará 2%. O crescimento da China vai passar 2020 com 2%, 2021 com 8,1%, 2022 com algo entre 2,5% e 3%, e 2023 a mesma coisa. Ele está em uma sinuca de bico. É um problema gravíssimo que ele terá que decidir”, completou Dumas.
Pesquisador do Núcleo de Prospecção e Inteligência Internacional da FGV (FGV NPII), Leonardo Paz afirmou que o governo já vem sentindo a pressão dos protestos, e que as duras políticas impostas acabaram afetando a cadeia logística, resultando em um desabastecimento.
“As pessoas acabaram ficando sem comida, mesmo pelo serviço de entrega. Isso obviamente revoltou as pessoas em relação a essas políticas mais duras. Protestos nessa magnitude são muito raros na China, temos visto a polícia atuando para conter os protestos, mas já começamos a acompanhar um relaxamento do governo quanto a algumas medidas de tolerância zero. O partido começa a imaginar que manter esse rigor nas políticas de ‘covid-zero’ só aumentarão os protestos e fica difícil mensurar para onde pode ir”, salientou Paz.
Autoridades de segurança pública da China planejam reforçar a repressão ao que chamaram de “forças hostis”, uma série de protestos da população. Nesta terça-feira (29), policiais lotaram pontos onde ocorreram protestos nos últimos dias.
“O partido já começou a suavizar algumas medidas. Ele está reagindo duramente com os protestos atuais e deve desestimular ainda mais protestos futuros. De certa maneira, já sinalizou que irá aliviar algumas medidas. O partido está muito sólido em volta do seu líder, então pequenos protestos assim não serão suficientes para colocar partido e Xi Jinping em risco”, avaliou o pesquisador.
Após novos protestos na cidade de Guangzhou, no Sul do país, as autoridades do país anunciaram a interrupção de algumas medidas de restrição de circulação de pessoas na região. Segundo agências de notícias locais e internacionais, foi determinado o levantamento dos bloqueios em cerca de metade dos distritos da cidade, com mais áreas sendo consideradas de baixo risco. Também foi anunciado o fim dos testes de PCR em massa.
A China continental relatou na terça-feira 36.015 novos casos de covid-19, sendo 4.236 com sintomas, conforme dados da Comissão Nacional de Saúde na quarta-feira (30). Os número estão baixo dos registrados durante o final de semana, que superam os 40 mil casos diários.