Chinesa DeepSeek desafia EUA

EUA X China: estamos presenciando uma ‘Guerra Fria’ da IA?

O lançamento de uma IA da DeepSeek colocou em jogo o monopólio norte-americano sobre o setor e provocou um temor generalizado nas ações de tecnologia

Foto: reprodução
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Durante quase dois anos os EUA demonstraram uma certa dominância nas tecnologias de IA (inteligência artificial) no cenário global, mas, como em qualquer outro espaço comercial, o monopólio revela um potencial produto ainda pouco explorado à espera de novas descobertas. E esse momento chegou.

Que a China também é conhecida pelo forte domínio e investimento na tecnologia – e que o país orinetal ja se posicionava como um excelente player no ramo – também não é novidade.

No entanto, o lançamento de uma IA da DeepSeek colocou em jogo o monopólio norte-americano sobre o setor e provocou um temor generalizado nas ações de tecnologia em Wall Street.

E com razão: a startup chinesa desenvolveu uma plataforma de IA que rivaliza com as melhores disponíveis no mercado, oferecendo desempenho similar por uma fração do custo e com um consumo de energia consideravelmente mais baixo.

De repente diante dos nossos olhos instaura-se uma competição, de mais alto nível, com implicações globais para o futuro da tecnologia e da economia. Estaríamos presenciando o início de uma “Guerra Fria” pela busca de qual nação teria o domínio sobre a tecnologia mais refinada e potente? 

O rali impulsionado pela liderança dos EUA em inteligência artificial deu lugar a um debate sobre a real viabilidade dos bilhões investidos no setor. A dúvida é se esses recursos serão capazes de gerar lucros suficientes para justificar as avaliações elevadas das ações das empresas de tecnologia. Hoje, esse grupo de empresas representa 30% do índice S&P 500, a maior participação registrada até agora.

EUA e China em uma nova ‘Corrida Espacial’?

A ideia de uma “Guerra Fria” entre os EUA e a China no campo da IA é, para muitos analistas, ouvidos pelo BP Money,  uma realidade crescente

 “Tanto os EUA quanto a China veem a liderança em IA como essencial para a supremacia geopolítica e econômica. A IA é vista como um campo onde a inovação pode trazer vantagens em diversos setores, incluindo defesa, economia e influência global”, avaliou Jhonata Emerick, CEO da Datarisk.

“Mais do que uma “Guerra Fria”, a competição entre EUA e China no setor de inteligência artificial (IA) se assemelha à corrida espacial da década de 1960, quando EUA e União Soviética disputavam a supremacia tecnológica e científica para chegar à Lua”afirmou Vitor Yeung – Advogado do Ciari Moreira.

Esse cenário de rivalidade não é novo, e pode ser comparado à corrida espacial das décadas de 1950 e 1960, quando as potências disputavam a conquista da Lua. 

Para Emerick, essa competição no campo da IA pode ser considerada como o novo “campo de batalha tecnológico” entre as duas potências.

Daniel Marques, presidente da AB2L (Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs), também considera que a disputa entre EUA e China na IA reflete a busca por uma hegemonia global. 

“Não é novidade a disputa entre EUA e China pela hegemonia político-econômica global, esse é o principal fator que impulsiona a disputa pela IA. Mais do que uma ‘Guerra Fria’, diria que seria a nova busca pelo ouro, a ‘corrida para o oeste’ ou compararia com a ‘Corrida Espacial’. A IA é uma das tecnologias motoras da 4ª Revolução Industrial e quem liderá-la, provavelmente, irá liderar o mundo.”

Cláudio Junior, CEO e fundador da Riverdata, analisa a rivalidade sob a ótica geopolítica e observa que essa disputa é um reflexo de vários fatores. 

“Há uma combinação de fatores que corroboram para concluirmos que há disputa entre os dois países, como a busca por liderança global, acusações de espionagem e embargos comerciais. Tudo indica que de fato há uma guerra fria tecnológica rolando”, afirmou.

Na semana passada, a chinesa DeepSeek revelou um modelo de IA mais acessível, o que provocou uma reação negativa em Wall Street.

A gigante dos semicondutores Nvidia sofreu uma queda expressiva de 16,97%. Esse declínio resultou em uma perda de US$ 589 bilhões na capitalização de mercado da empresa, a maior redução em um único dia na história do mercado financeiro, fazendo com que o valor da Nvidia caísse para US$ 2,9 trilhões.

“Após o lançamento do DeepSeek, bem no timing em que o projeto ‘Stargate’, de US$ 500 bilhões, foi anunciado, isso ficou bem evidente. Porém, para além das observações entre os interesses dos países, gosto de trazer a visão do Yann LeCun, cientista-chefe de IA da Meta, que diz que fenômenos como o DeepSeek são frutos de um movimento onde os modelos de código aberto estão ganhando força. Não é a IA da China ultrapassando a IA dos EUA, mas os modelos de código aberto ultrapassando os de modelo proprietário”, compeltou a análise

Audreyn Justus – Diretor de Marketing e Compliance ainda completa lembrando que nos últimos anos o cibercrime tem sido usado para que países travem guerras silenciosas entre si. Ele cita grupos polarizados que atacam infraestrutura, sistemas e roubam informações.

“Quem desenvolver modelos de IA com maior poder poderá criar novos tipos de ameaças, práticas de espionagem e armas de guerra completamente desconhecidos. Ou seja, países inteiros poderão ficar desprotegidos”.

Impacto na inovação global

A disputa entre as duas potências impacta diretamente a inovação global, e, como observa Cláudio Junior, ela tem consequências especialmente no que diz respeito ao custo computacional. 

“Desenvolver um modelo de IA é extremamente custoso, e, caso você opte por hospedar um já existente em seus servidores ou até consumir via API, continua sendo bastante custoso. Fazer a IA ‘pensar’, ou seja, realizar inferências, também exige bastante poder computacional, e hoje a forma mais eficiente de solucionar este problema é utilizando GPUs”, explica. 

Para o CEO, com o aumento das opções e a competitividade no mercado, as empresas mais inovadoras, como startups e scale-ups, poderão reduzir custos e criar negócios mais rentáveis. 

“Acredito que o DeepSeek será o ponto de virada e um alerta vermelho para os Estados Unidos no quesito inovação. Isso já vem acontecendo em outras áreas, como na fabricação de carros elétricos, na qual a China é a líder atual, além da produção e inovação em baterias e tecnologias de armazenamento de energia”, avalia André Lay, Head de Consultoria da Logithink.

Junior completa o colega afimando que a rivalidade entre as potências acaba impactando positivamente as empresas de IA, pois traz mais opções de escolha, abrindo novas oportunidades. 

“Com mais opções de escolha, abrem-se mais oportunidades de negócios sustentáveis e rentáveis e com mais possibilidades de redução de custo computacional.”

Esse movimento também afeta setores como educação e finanças, que podem se beneficiar da redução de custos na implementação de IA.

Junior ainda aponta que soluções como IoT (Internet das Coisas) poderão ser aprimoradas com esses avanços, trazendo maior acessibilidade a tecnologias inovadoras em diferentes áreas.

Como o Brasil pode surfar na onda?

Marques também destaca a importância de o Brasil aproveitar sua posição no cenário global. Ele acredita que o país pode ser um líder na inovação em IA, mas para isso, precisa fazer mais em termos de pesquisa, incentivo e apoio a startups.

“Estamos mais preocupados em regular a IA de outros países do que em impulsionar e liderar a mudança”, diz ele. Em um cenário de crescente polarização entre as potências, o Brasil tem o potencial de seguir um caminho semelhante ao de empresas como a DeepSeek, lançando soluções de IA com custo mais baixo e alta eficiência.

“O Brasil tem condições de lançar mais de 160 startups como a DeepSeek por ano até 2029!” afirma Junior, reforçando a necessidade de um apoio maior às empresas brasileiras.

Ele também ressalta que, para o Brasil se destacar no cenário global, é necessário investir no desenvolvimento de modelos de IA adaptados às particularidades do país, aproveitando sua diversidade cultural e seu território continental.

“Com extensões continentais e uma história diversa, ter modelos de IA feitos nos moldes brasileiros tem potencial de impactar o País, a América Latina e o Mundo.”

Na busca pela dinâmica do mercado global de tecnologia

Para Cláudio Junior, a grande vantagem da DeepSeek está em sua eficiência de capital. “DeepSeek é sobre eficiência de capital. Ele possui capacidades similares aos principais concorrentes e traz resultados semelhantes, mas seu grande ‘trunfo’ é que ele foi bem mais barato até então, representando aproximadamente 6% do total que a OpenAI usou, por exemplo.”

Com um investimento de US$ 5,6 milhões contra US$ 100 milhões, a DeepSeek mostra que é possível desenvolver soluções de IA com um custo muito mais baixo, o que vai mudar a forma como os investidores avaliam as soluções de IA. 

“Uma nova régua de preços certamente será instalada. Investimentos expressivos para data centers e GPUs serão questionados com maior grau de crítica por parte dos investidores. O resultado será um mercado mais cauteloso e maduro para lidar com soluções de dados, como IA.”

Esse movimento não está restrito apenas à China. Cláudio Junior menciona que até a Alibaba, gigante chinesa, está entrando na disputa, com o anúncio do Qwen 2.5-Max, que, segundo a empresa, seria superior ao DeepSeek.

Isso demonstra que o mercado está se autorregulando para trazer novas faixas de preço e tornar os LLMs (modelos de linguagem de grande escala) mais acessíveis, o que coloca a IA em uma posição cada vez mais parecida com uma commodity.

Riscos geopolíticos

Para André Lay o papel do Brasil na regulação deve ser o de encontrar um meio-termo estratégico, “buscando o que for mais vantajoso para o país”.

O especialista explica que com a polarização, um conjunto de sanções e embargos começará a surgir, e esse será um dos maiores desafios: tomar decisões que tragam os melhores benefícios para o Brasil.

“No entanto, vejo que o mercado de tecnologia brasileiro poderá aproveitar essa concorrência. Acredito muito no potencial dos profissionais de tecnologia do país, que têm a capacidade de inovar, fazer diferente e otimizar recursos ao máximo, garantindo alta performance”, disse.

A polarização entre os EUA e a China no campo da IA tem implicações geopolíticas significativas. A fragmentação dos padrões tecnológicos pode resultar em diferentes esferas de influência, o que pode desacelerar a inovação e aumentar os custos globalmente. 

Porém, essa disputa também representa uma oportunidade para o Brasil. Cláudio Junior vê no Brasil um caminho de neutralidade estratégica: “Talvez enfrentemos pressões para nos alinharmos a um bloco, porém, vejo que o melhor caminho que podemos adotar é o da neutralidade, diversificando parcerias e investindo nas nossas próprias inovações. Capacitar nossos profissionais, fortalecer nossa infraestrutura e participar de fóruns internacionais visando garantir autonomia e competitividade no cenário global.”

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