O Fed anunciou, na tarde desta quarta-feira (27), mais um aumento na sua taxa de juros, desta vez em 0,75 ponto percentual, na tentativa de combater a inflação. Segundo especialistas ouvidos pelo BP Money, a dúvida agora é até onde a autoridade monetária vai, além do tamanho de uma possível recessão e do impacto no Brasil.
Para Bruno Bariotto Pellicano, analista da SVN Gestora de Recursos, o mercado já vem sentindo as seguidas altas do Fed e a autoridade monetária pode aumentar menos os juros do que o esperado por alguns agentes do mercado.
“Em algumas outras aparições do [Jerome] Powell ele colocou que, apesar de ainda não ter entregue essa taxa de juros, boa parte dessa subida de juros já está na curva. O mercado já sente isso. A menos que alguma surpresa de curto prazo aconteça, a gente vê que existe essa volatilidade que piora essa inflação a curto prazo, mas vemos uma série de outros fatores que possa fazer com que o Fed consiga não restringir tanto [a atividade econômica]”, afirmou o analista em entrevista ao BP Money.
Como impacto no cenário doméstico, Pellicano destaca que o diferencial de juros fortalece o dólar e deprecia o real, convertendo em uma maior inflação no Brasil.
“Atualmente temos um diferencial de juros muito forte e, uma vez que o dólar se fortalece e o real deprecia, isso converte em uma maior inflação por aqui. Preço de commodities, em reais, acabam subindo e então temos uma inflação que deve andar um pouco mais. O Banco Central, talvez, não consiga parar de fazer essa política monetária restritiva”, analisou o analista da SVN.
“Quando vemos essa política monetária lá fora tendo que avançar muito no terreno restritivo, com surpresas mais para cima, entendemos que isso irá impactar no real, sendo um sinal verde para o banco central brasileiro continuar restringindo a economia nacional, e aí temos uma atividade econômica mais apertada, refletindo com dados para baixo no mercado doméstico”, completou Pellicano.
Para o economista e professor da ESPM, Leonardo Trevisan, o banco central norte-americano não conseguiu suportar às pressões dos últimos trimestres.
“O Fed ficou sem escolha. Enquanto ele pôde, suportou todas as pressões ao longo dos últimos três trimestres. Mas será suficiente? Os indicativos que o último livro Bege sugerem que as pressões inflacionárias, a desaceleração da atividade, de alguma forma, já aconteceram. Isso não significa que elas desapareceram. O que ele identificou foram ‘pequenos incêndios por toda a parte’, em outras palavras, tem um potencial de difusão da inflação que ainda está visivelmente fora de controle. De alguma forma a pressão inflacionária está bastante presente e o que ficou mais visível é que, efetivamente, o Fed ficou atrás da curva”, explicou o especialista.
A alta volatilidade tem sido a tônica do mercado há meses, à medida que o Fed foi de um aumento de juros de um quarto de ponto percentual em março – o primeiro desde 2017 – para meio ponto em maio e três quartos em junho. Em um certo momento, neste mês, um aumento de um ponto percentual foi considerado o resultado mais provável da reunião desta semana, embora as expectativas tenham sido moderadas desde então.
“Uma vez que a gente tenha todo o mercado europeu atuando menos, esperamos que a economia global dê uma freada. Por outro lado temos uma China que já demonstrou que deve seguir com estímulos, então é um gigante consumidor para o mercado mundial, e temos também a reunião entre Biden e o presidente da China, que pode trazer um pouco de alívio nas tensões que tivemos na época do Trump”, explicou Pellicano.
“Temos na Europa um sinal um pouco amarelo e mais para o vermelho, e na China amarelo mais para o verde. Ou seja, um sinal neutro a gente ficaria mais dependente das questões do mercado interno americano. Devemos ver um pouco menos de volatilidade, uma vez que já investiu em uma entrega relevante no passado”, completou o analista.
Os EUA enfrentam a maior inflação em mais de 40 anos, alimentada tanto por uma economia aquecida quanto por problemas de oferta ligados à pandemia e à guerra na Ucrânia. Ao mesmo tempo, o ciclo de alta de juros atual, iniciado em março, levou a apostas de que o país acabará entrando em recessão para que a inflação seja contida, e o PMI composto de julho reforçou essa visão.
“Ficou tudo nas costas do Covid, mas na verdade é o lockdown na China e, é claro, a guerra comercial feita desde 2017, pois o grande controle da inflação dos EUA é a avalanche de produtos chineses. Se tinha um controle de oferta, mas isso vem diminuindo. A pandemia teve seu preço, mas é indiscutível que a guerra da Ucrânia é o ponto central desse processo”, salientou Trevisan, economista da ESPM.
Citando Larry Fink, fundador da Blackrock – maior gestora de fundos do mundo, Trevisan afirma que o mundo inteiro deve se preocupar com o preço dos alimentos, já que, com a guerra, os preços dos fertilizantes subiram mais cerca de 120%.
“Os fatores estão aí. Olhamos para o cenário e notamos que é muito difícil que a suficiência dessas medidas seja o bastante para conter o ciclo inflacionário com essas pressões. Aqui e ali já estamos constatando busca de trabalho, mas o livro Bege mostra que ainda não chegamos no ponto sensível no preço da comida e no preço do aluguel. Os sonhos de que tudo irá funcionar ainda está presente na sociedade americana e isso sempre foi um alimentador de inflação desde que o mundo é mundo”, apontou Trevisan.
Recessão global deve ocorrer com Fed
O fantasma da recessão global continua assustando o mercado financeiro e o risco desse medo se confirmar parece inevitável. Para Trevisan, o cenário atual não é mais de “se” nem de “quando”, mas de “quanto irá demorar”.
“Se a teoria funcionar, não há dúvida nenhuma de que teremos uma fortíssima recessão. É bastante presente a possibilidade de termos um ciclo recessivo e, sinceramente, não estou mais preocupado com o ‘se’ e ‘quando’, mas sim com o ‘quanto’. É notório que o próximo ano teremos tempos de ‘vacas magras’. O quanto elas serão magras é que está a discussão e quando conseguiremos que elas voltem a engordar. Temos ciclos recessivos de até seis trimestres, e em economias mais frágeis, como a brasileira, podem chegar a oito”, pontuou o economista.
Ainda de acordo com Trevisan, o mundo vem passando pela famosa tempestade perfeita. Essa expressão se refere a uma situação extrema, na qual um evento, em geral não favorável, é drasticamente agravado pela ocorrência de uma rara combinação de circunstâncias.
“Quando se olha para esse quadro, parece notório que estamos lidando com todos aqueles ingredientes da tempestade perfeita. Não faltou nada, nem uma guerra. Tivemos pandemia, uma forte injeção de moeda, eleições duvidosas para segurar radicalismos e agora a guerra da Ucrânia, que é o que é. É bom destacar que Ucrânia e Rússia juntos são responsáveis por 30% das commodities do mundo, de todos os tipos. Quanto tempo vai levar para tirarmos a água do porão durante essa tempestade perfeita?”, refletiu o professor da ESPM.
Já Pellicano não crê em um cenário tão profundo de recessão e vê um mercado mais aquecido com os níveis de empregos nos EUA. O número de pedidos de auxílio-desemprego na semana encerrada em 16 de julho subiu para 251 mil, maior nível em oito meses.
“Os níveis de empregos para a gente ainda são muito bons. Tivemos pedidos iniciais de seguro-desemprego surpreendendo para cima, e a gente veio de um momento de inflação de salários por conta de ter mais vagas de emprego do que de pessoas disponíveis de mercado. Existe uma inércia por conta disso que segure um pouco esse mercado. Por lá, esse mercado ainda está mais aquecido”, ressaltou o analista.
“Poderia se ter decisões para baixo, mas acredito que não mergulharia tão profundamente nesse cenário de recessão como alguns colocam. Tem gente que coloca muito para baixo, outras já dizem que os preços estão de acordo. Particularmente acho que não seria tão profundo como muitos estão colocando”, concluiu Pellicano.