Com o primeiro compromisso internacional do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), na Argentina, o mercado já recebeu novidades (preliminares) de cunho econômico. Lula assinou, junto a Alberto Fernández, presidente da Argentina, um documento sobre o desenvolvimento de uma moeda regional (“Sur”) para uso comercial entre os dois países. Na visão do mercado, esse tipo de moeda entregaria resultados desiguais, privilegiando a Argentina e prejudicando o Brasil.
O professor de Macroeconomia no Ibmec, Ricardo Hammoud, em entrevista ao BP Money, afirmou que a ideia de uma moeda comum entre Brasil e Argentina é “insana” e destacou que a situação econômica dos países é muito diferente, atualmente, o que causaria um desequilíbrio na economia doméstica.
“A inflação mensal da Argentina é igual a inflação anual do Brasil. A Argentina é um país que não tem nenhum tipo de segurança institucional, já deram calotes várias vezes, tem juros elevadíssimos, ninguém quer comprar títulos em moeda argentina, então a ideia da moeda comum é insana”, disse Hammoud.
Uma moeda comum entre Brasil e Argentina poderia criar o segundo maior bloco de moeda única do mundo, mas o especialista do Ibmec explicou que, diferente do Euro, que teve um longo planejamento entre os países participantes e acabou dando certo para as economias do bloco, o “Sur” poderia trazer um efeito contrário ao Brasil.
Hammoud explicou que antes (e durante) a criação do Euro, o bloco europeu realizou um importante processo de ajuste e equilíbrio fiscal e monetário entre os países participantes – o que levaria um bom tempo para acontecer com Brasil e Argentina.
“Hoje, com uma nova moeda, o real perderia valor automaticamente, a inflação do Brasil aumentaria, o custo da dívida do Brasil aumentaria, os juros teriam que aumentar e o Brasil não teria nada a ganhar com isso. A moeda iria atrelar as economias”, disse Hammoud.
A única forma dessa moeda comum funcionar, segundo o especialista, seria com uma inflação mais próxima entre Brasil e Argentina, além da taxa de juros mais equilibrada e os bancos centrais seguindo a mesma linha de raciocínio, o que está longe de acontecer hoje.
Em relação a uma moeda virtual comum, que é o que deve ocorrer (mesmo sem previsão), Hammoud destacou que esse é mais um “indicativo de cooperação” – de cunho político entre os países – do que algo significativo.
“Talvez essa moeda virtual diminuiria alguns custos de transação, mas a gente precisa ver quais são os custos de criar essa moeda. Se teria algum tipo de custo para o Brasil de atrelar a sua moeda, mesmo que seja virtualmente, a uma moeda tão desvalorizada e desprestigiada como é o peso argentino”, disse o economista e professor do Ibmec.
Para o estrategista-chefe da Empiricus Investimentos, Francisco Levy, caminhar para uma moeda única, como o bloco europeu, seria “uma besteira sem tamanho”.
“Não tem condição de países endividados e emergentes sustentarem um bloco. O Brasil teria que sustentar os países problemáticos, como foi a Irlanda e a Grécia no passado, na Europa, que Alemanha e França tiveram que dar fôlego para os BCs e suprir os sistemas financeiros dos países mais fracos”, exemplificou Levy.
Para o Brasil, segundo Levy, essa mesma situação de manter outros países seria muito “custosa”.
O especialista da Empiricus defende, no entanto, que ter uma moeda única para efeitos de comércio bilateral (como é o caso da moeda digital) poderia ser benéfico ao Brasil.
“A volatilidade dessa moeda seria menor do que contra o dólar. Óbvio que todo comércio exterior sempre vai estar lastreado nas precificações do dólar, mas seria uma tentativa de criar uma referência de preço regional”, destacou Levy.
Diminuir dependência do dólar seria um dos pontos positivos na criação do “Sur”
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), comentou, nesta segunda-feira (23), a possibilidade de um mecanismo para viabilizar transações comerciais com a Argentina. A ideia seria diminuir a dependência do dólar.
Para o economista e professor Marcelo Ferreira, a redução da dependência do dólar seria o principal ponto para a criação de uma moeda comum.
“Em relação às mudanças, a redução da dependência do dólar para a Argentina seria até mais importante do que para o Brasil, porque a economia argentina já é tão frágil que o dólar quase virou uma moeda oficial lá, junto com o peso e até mesmo o real, então reduzir a dependência de uma moeda muito mais forte é uma medida importante para a Argentina, e também seria para o Brasil”, disse Ferreira.
Em coletiva, em Buenos Aires, também nesta segunda, o presidente Lula disse que se dependesse dele, o Brasil teria comércio exterior “sempre na moeda de outros países para não ficar dependendo do dólar”.
“Por que não tentar criar moeda comum entre os países do Mercosul? Por que não tentar criar uma entre os países do Brics?”, indagou Lula.
Em relação ao prós e contras, o especialista Marcelo Ferreira afirmou que a Argentina, na situação atual, só teria vantagens.
A inflação da Argentina fechou o mês de dezembro com alta 5,1% (perto da inflação anual brasileira) na comparação com novembro. No acumulado de 2022, a inflação argentina foi de 94,8%.
Segundo os especialistas consultados pelo BP Money, a Argentina enfrenta um alto déficit em contas públicas e seu quadro fiscal não é dos melhores.
O economista Marcelo Ferreira explicou que existe um alto risco do Brasil integrar a economia a uma outra que tem uma inflação de quase 100% ao ano.
“Existe um sério risco de integrar uma economia com seríssimos problemas fiscais e socioeconômicos de várias décadas e estaríamos integrando isso ao nosso País, à nossa economia, que já tem os seus próprios problemas, e que são graves, não tanto quanto os da Argentina, mas são graves também”, disse Ferreira.
“Vejo essa moeda como uma operação que tem uma perspectiva reduzida de êxito e riscos altíssimos, principalmente para o Brasil. Para a Argentina é um tudo ou nada, uma tentativa de tentar melhorar a situação lá, mas o Brasil tem muito mais a perder do que a Argentina, nesse caso”, concluiu o especialista.