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Como o teto do petróleo afeta a Rússia?

Países da UE e os EUA decidiram estipular um teto de US$ 60 para o preço do barril de petróleo da Rússia

Desde que invadiu a Ucrânia, em fevereiro deste ano, a Rússia tem sido alvo de constantes sanções econômicas durante o ano de 2022. Neste final de ano, países da UE e os EUA decidiram estipular um teto de US$ 60 para o preço do barril de petróleo russo, impondo mais um golpe duríssimo para a nação governada por Vladimir Putin.

De acordo com analistas consultados pelo BP Money, essa sanção imposta pelo Ocidente pode fazer com que a Rússia busque novos parceiros comerciais, a fim de fugir dessas retaliações. 

China e Índia poderão se tornar os principais parceiros de Putin

Logo após invadir o território ucraniano, a Rússia ultrapassou a Arábia Saudita e se tornou o principal fornecedor de petróleo para a China. De acordo com relatos da imprensa europeia, Putin teria oferecido descontos ao país asiático em seus preços de petróleo e gás. Além disso, o maior país do mundo também firmou uma forte parceria com a Índia. Antes da guerra, o país representava apenas 1% das exportações de petróleo russa. Em 2022, esse número subiu para mais de 15%.

De acordo com Vitelio Brustolin, professor do Instituto de Estudos Estratégicos da UFF, a Rússia já vinha direcionando seu mercado petrolífero para outras nações antes das sanções dos países ocidentais.

“A Rússia vem afirmando que sob esse teto, a Europa ficará sem o seu petróleo. Essa medida tem o objetivo de enfraquecer a economia russa e o seu financiamento da guerra na Ucrânia. Ela atinge 90% das importações europeias de petróleo vindas da Rússia e é aplicada à importação por via marítima para os 27 estados membros da União Europeia, juntamente com Estados Unidos, Canadá, Austrália e Reino Unido”, contextualizou.

“Antes da aprovação do teto, a Rússia já vinha direcionando a sua produção a outros mercados. Este é o segundo mês consecutivo, por exemplo, que a Rússia é a maior fornecedora de petróleo da Índia. Atualmente, as exportações de petróleo russo para a Índia são 38% maiores do que para a Europa. Ao mesmo tempo, a China segue sendo a maior importadora do petróleo russo, com volumes superiores a 1 milhão de barris por mês”, explicou Brustolin.

Luís Menezes, sócio da área de Petróleo e Gás da SiqueiraCastro Advogados, afirma que a Rússia não será tão afetada pelo teto do preço do barril, pois ela já havia se aliado com outras nações nos últimos meses. No entanto, essas sanções continuam sendo prejudiciais para o país comandado por Putin, pois elas têm capacidade de limitar a entrega do petróleo russo aos seus atuais principais compradores.

“Ainda quando se encontrava em debate o preço teto entre os países europeus, a Rússia já tinha se posicionado que não forneceria o petróleo aos países que implementarem o limite. Fato é que os principais consumidores do petróleo russo não são atualmente do Ocidente, portanto o desafio agora é saber até que ponto a decisão do teto poderá limitar a entrega do petróleo russo aos seus atuais principais compradores, pois é grande parte da frota marítima de entrega acaba tendo sede dentro da Comunidade Europeia”, explicou. 

Quais países poderão se fortalecer com essas sanções?

De acordo com Fabio Fares, especialista em análise macro da Quantzed, países participantes da OPEC (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), como Irã, Nigéria e Angola não irão se beneficiar diretamente com as sanções russas. O analista explica que, como as economias dessas nações são dependentes da exportação de commodities, elas dependem de uma economia mundial funcionando 100%, algo que não vem ocorrendo durante a guerra na Ucrânia.

“Eu não acho que a OPEC irá se beneficiar com o que está acontecendo com o preço do barril do petróleo russo, pois é muito mais um um jogo de oferta e demanda e de interesses. Eles são cem por cento dependentes de commodities para ter receita. Então não vão se beneficiar com as sanções contra a Rússia, mas sim com a reabertura da economia, com as coisas voltando ao normal e a demanda aumentando”, argumentou.

Segundo Brustolin, países ocidentais já estão recorrendo a outras nações, como Irã e Venezuela, para substituir o petróleo russo. Com isso, o professor argumenta que o cenário geopolítico estará sujeito a alterações, visto que tais nações sofrem com severas sanções há anos.

“Neste momento, a Rússia irá continuar vendendo petróleo para a China e a Índia, inclusive fora do teto de preços. Países como Irã e Venezuela, no entanto, já vêm sendo acionados como alternativas ao petróleo russo. Isso traz implicações geopolíticas de ordens diversas, pois esses dois países sofrem sanções há anos”, disse.

Colaborando com a tese de Brustolin, no final de novembro, antes do teto imposto à Rússia, os EUA já emitiram uma autorização permitindo que a Chevron Corporation retomasse as operações limitadas de extração de petróleo da Venezuela, aliviando as sanções do país sul-americano.

O teto do preço do petróleo pode quebrar a Rússia?

Em vigor desde 5 de dezembro, o embargo da União Europeia ao petróleo russo abarca 90% das importações europeias de petróleo vindas do país, segundo dados da plataforma “Vortexa”. A sanção ainda impôs que todos os países da UE, com exceção da Hungria, só poderiam comprar a commodity se ela chegasse ao continente por meio de gasodutos.

Andriy Yermak, chefe do gabinete da presidência ucraniana, chegou a afirmar que a economia da Rússia seria “destruída” pelo teto.

Fares, no entanto, não acredita que tais retaliações sejam capazes de acabar com a economia russa. De acordo com o analista, o teto para o preço do petróleo russo imposto pela UE foi insuficiente, visto que o custo de produção do barril russo se encontra entre US$ 30 e US$ 40, logo algo ainda rentável para o maior país do mundo, que precisa desesperadamente de dinheiro para financiar a guerra contra a Ucrânia.

“Essas sanções que foram colocadas com o preço do barril do petróleo a US$ 60 dólares são só teatro. Quando a gente olha como estão sendo negociados os barris de petróleo da Rússia, eles já estão sendo negociados perto desse preço, indo de US$ 58 a US$ 60. E o custo de produção da Rússia está entre US$ 30 e US$ 40 por barril. Então isso continua dando incentivo para Moscou continuar vendendo petróleo, mesmo que esteja com esse limite de US$ 60, pois o país precisa muito de dinheiro”, explicou 

De acordo com Fares, a Europa deveria ter sido mais dura caso quisesse prejudicar a Rússia, estipulando um teto na casa dos US$ 50.

“Se apertarem mais e baixarem para, por exemplo, cinquenta dólares, que era o que esperavam, aí sim poderemos ver uma Rússia muito mais agressiva. A gente sabe que a Rússia não tem acesso a financiamento e está financeiramente com vários problemas. Tanto que há vários boatos e rumores e teorias da conspiração de que a China está ajudando muito a Rússia”, completou.

Na visão de Brustolin, é difícil prever se a Rússia irá quebrar com as sanções europeias, visto que o país e as nações da UE ainda possuem um forte traço de interdependência.

“Ao contrário da retórica de guerra, a Rússia não é um país isolado ou preterido pela ordem mundial. Pelo contrário: a Europa ficou tão dependente do gás e petróleo russos que mesmo agora, em meio à guerra na Ucrânia, não consegue isolar a Rússia. Iniciativas como o Nord Stream 1 e 2, gasodutos para transporte de gás natural através do Mar Báltico, são uma demonstração da interdependência entre a Rússia e a Europa”, relatou.

O professor ainda relembrou que o país liderado por Putin preparou um montante bilionário para a guerra na Ucrânia, fazendo com que o país não quebrasse no curto e médio prazo.

“A Rússia preparou uma reserva de US$ 600 bilhões para a guerra na Ucrânia. Essa reserva e a valorização do petróleo e do gás natural permitem que o país não quebre no curto e no médio prazos, apesar das sanções”, disse.