A onda de rejeitos de mineração que destruiu a cidade de Mariana (MG) deixou uma marca no Brasil. Quase 9 anos depois, o acordo assinado entre responsáveis pela tragédia, Vale (VALE3), BHP e Samarco, e o Poder Público lançou sobre o mercado corporativo novos parâmetros de punição à má exploração da natureza.
A pendência de resolução sobre a tragédia de Mariana culminou em um acordo para a reparação de danos, com soma total de R$ 170 bilhões, assinado pelas partes envolvidas na sexta-feira (25).
Esse valor inclui a quantia que já foi gasta com as medidas de reparação que têm sido executadas desde o ocorrido, em 2015, cerca de R$ 38 bilhões.
Na avaliação de Mário Nogueira, sócio de empresarial do NHM Advogados, um acordo em valor tão expressivo com empresas importantes como Vale e BHP – que lideram o segmento – manda um recado importante para todas as empresas, sejam do mesmo mercado ou não.
“As empresas já passam a considerar um potencial de risco de suas atividades levando em conta o quanto foi pago por essas mineradoras. Portanto, o custo de prevenir fica mais interessante que o de remediar”, pontuou Nogueira em resposta ao BP Money.
A visão foi reiterada por Daniela Poli Vlavianos, do escritório Poli Advogados & Associados, que apontou também que o acordo bilionário da Vale por Mariana reafirma o dever das empresas com a adoção de práticas que exigem uma integração do ESG como ferramenta jurídica.
“O acordo reforça que, no contexto jurídico, as indenizações devem cobrir não apenas os danos materiais e morais diretos, mas também os custos de recuperação ambiental, realocação de comunidades e monitoramento a longo prazo, o que cria precedentes para ações futuras envolvendo outras grandes empresas”, afirmou a advogada.
Exemplo da mineradora aplicada a outras empresas?
Os especialistas tem detectado mudanças no cenário, mas observa-se ainda grandes exemplos do contrário. Como no caso do afundamento do solo em bairros de Maceió (AL), causado pelas atividades de mineração da Braskem (BRKM).
Os primeiros sinais desse caso começaram em 2018, com os moradores identificando as primeiras rachaduras em suas casas. Mesmo com o alerta, as atividades da empresa prosseguiram e levaram à evacuação forçada de 60 mil pessoas da cidade em 2023.
O caso da Braskem chegou a esse extremo pois uma de suas minas, localizada na lagoa Mundaú, no Mutange, começou a ruir em dezembro do ano passado. Antes disso, até mesmo um tremor de terra de magnitude 2,5 foi sentido na cidade.
O Serviço Geológico do Brasil, órgão ligado ao governo federal, confirmou que a causa de todos aqueles eventos eram as atividades da empresa com a extração de sal-gema.
Na avaliação de Nogueira, é difícil calcular os prejuízos financeiros que a Braskem pode ter por conta do afundamento. Até então, a empresa já desembolsou R$ 3,9 bilhões em indenizações e serviços de reparação, mas a Defensoria Pública do Estado de Alagoas exige que o valor seja revisto para R$ 5 bilhões.
O caso do acordo de indenização da Vale por Mariana ajuda, explicou Nogueira, a ter parâmetros do que deverá ser indenizado.
“Se o acordo de Mariana utilizou determinados critérios, porque o acordo de Maceió deveria utilizar outros? Claro que os casos não são idênticos, mas a busca de uma base para a avaliação de danos sempre será feita”, apontou.
O advogado também frisou o seguinte ponto: a indenização no Brasil nunca foi feita visando uma punição para que o infrator aprenda com o erro e não o repita, como ocorre nos EUA.
“O Brasil sempre foi mais conservador neste aspecto: a indenização deveria apenas recompor as perdas sofridas. Talvez o caso de Mariana seja o início de uma visão mais punitiva para esses casos”, projetou.
No entanto, Deisy Granado reiterou que na equiparação da indenização da Vale com outros casos de tragédias ambientais causadas por empresas, uma série de fatores são postos na mesa e precisam convergir.
Esses fatores seriam o impacto ambiental e social de grande magnitude, evidências inequívocas de negligência empresarial, bem como, citou a advogada, uma forte mobilização social exigindo reparação adequada.
Observa-se, segundo Granado, uma tendência crescente de aplicação de penalidades mais severas em casos de grandes desastres ambientais.
“Isto seria um reflexo não apenas de maior conscientização sobre a importância da preservação ambiental, mas também de um entendimento sobre a necessidade de estabelecer precedentes que desencorajam práticas corporativas negligentes com o meio ambiente e as comunidades afetadas”, disse.
Tragédia causada pela Vale (VALE3) reforçou a pauta ESG nas empresas
O trabalho com governança ambiental, social e corporativa da Vale está se fortalecendo com o passar dos anos, com a empresa fazendo mais investimentos nessa área, como mostrou o BP Money anteriormente. Mas os demais setores corporativos também têm sentido a pressão dessa projeção.
No setor de exploração de recursos naturais, aumentou a transparência das empresas por meio de relatórios mais detalhados sobre as práticas ESG, exemplificou Deisy Vanessa Novais Granado, advogada do escritório Luchesi Advogados.
O movimento, de acordo com ela, inclui a publicação de metas de redução de emissões, uso de recursos e impactos sociais. Mas os desafios persistem, sobretudo, considerando a diferença de porte das empresas, bem como seu compromisso e capacidade de efetivar as ações.
“Destaca-se que o mercado financeiro tem desempenhado um papel crucial para essa evolução, evidenciado pelo crescimento expressivo na emissão de títulos verdes e pelo desenvolvimento de produtos financeiros vinculados a critérios de sustentabilidade”, apontou.
Nesse quesito, Vlavianos frisou que as tragédias ocorridas em Mariana e Brumadinho por conta das atividades da Vale impulsionam a criação de políticas preventivas auditorias ambientais mais rigorosas e a implementação de práticas ESG concretas e integradas à governança corporativa
“Esse processo tem sido reconhecido como uma salvaguarda jurídica e econômica, diminuindo o risco de grandes passivos e fortalecendo a credibilidade das empresas junto ao mercado”, disse.