Assembleia da Berkshire Hathaway (BERK34) é a prova de que Buffett sempre esteve certo

Mais do que discurso, os resultados da companhia provam a visão sobre a resiliência de investimentos na economia real e da visão sobre juros compostos

A cidade de Omaha, no estado do Nebraska, nos Estados Unidos, com quase 500 mil habitantes, fica entre 5% e 10% maior uma vez ao ano. Sede da “Woodstock do capitalismo”, como é conhecida a convenção anual da Berkshire Hathaway (BERK34), dezenas de milhares de investidores desembarcam para ouvir as lições dos oráculos dos investimentos: Warren Buffett e Charles Munger.

Mas em vez de música, maconha e coroas de flores, como no festival de 1969, Omaha dá espaço a uma feira de mercado, que inclui uma sessão de cinco horas de perguntas e respostas com acionistas, onze toneladas de chocolates da marca See’s e um mar de engravatados.

Parte dos 25 mil investidores da companhia que compareceram ao evento daquele sábado (30) precisaram buscar abrigo da chuva sob as marquises da arena que abriga a convenção. Nem o frio da madrugada das grandes planícies dos EUA espantou as pessoas que começaram a chegar antes das três horas da madrugada, vindas de todos os lugares do mundo, para garantir uma boa posição na fila.

A abertura dos portões estava programada só para dali a quatro horas, às sete da manhã, quando os acionistas começaram a se enfileirar para assistir aos seus ídolos de mercado: Warren Buffett e Charlie Munger, os cabeças da Berkshire Hathaway. Um sacrifício pequeno para milhares de pessoas que já tinham atravessado três continentes para estar ali. E o número de presentes só não foi maior neste ano porque muitos acionistas da China não puderam deixar seu país por conta das restrições de controle de viagem, impostas desde os novos surtos de contaminação de coronavírus.
 
Dentro da arena, uma corrida e por vezes disputas por uma cadeira próxima – ou com boa visão – da dupla mais famosa de investidores dos EUA, quiçá do mundo. Três anos desde o último encontro foi tempo suficiente para provar até aos mais incrédulos que Buffett e Munger fazem jus à sua fama. Com um perfil de carteiras mais expostas a empresas da economia real, a companhia que os dois construíram é o atestado do que pregam há 75 anos: ações são investimentos de longo prazo.
 
Em entrevista ao BP Money, Guilherme Zanin, estrategista de investimentos da Avenue, lembra que as ações classe A da Berkshire valorizaram 7% no primeiro trimestre, “superando em muito o S&P 500”, lembra. O índice, que reúne os 500 maiores ativos na bolsa de Nova York, acumulou queda de 13,3% entre janeiro e abril deste ano, atingindo o pior nível desde a década de 1950.

 

Berkshire passa longe do Metaverso e de empresas “disruptivas demais”

A Berkshire Hathaway não está no Metaverso nem pretende investir em bitcoins. Mais do que isso, na verdade: Buffett e Munger se posicionaram fortemente contra as apostas em criptomoedas. O CEO da companhia alegou que não compraria todas as unidades de bitcoin disponíveis no mundo nem por US$ 25. Já o vice-presidente foi ainda mais enfático ao afirmar que “tenta evitar coisas estúpidas, ruins ou que me fazem parecer mal, e o bitcoin faz as três coisas”.

Na feira de eventos da convenção anual da Berkshire Hathaway, um entusiasta de novas tecnologias ficaria extremamente decepcionado. A empresa do Omaha é aficionada pela economia real, com gordas fatias em seguradoras, fabricantes de alimentos como a See’s, corporações imobiliárias, petroleiras e por aí vai. “É uma feira mais tradicional, em contraste com o que vemos muito hoje no mercado com a onda de Metaverso e das criptomoedas”, disse o estrategista da Avenue.

O especialista pondera que, mais do que princípios, trata-se simplesmente de um raciocínio lógico para Munger e Buffett – e sua equipe de gestores: com um caixa de US$ 106 bilhões, há poucas oportunidades de investimentos na nova economia digital para uma gigante como a Berkshire. “Querendo ou não, as oportunidades nesse mercado ainda são muito incipientes para o nível da empresa”, avaliou Zanin.

O mercado já chegou a comparar com desdém o desempenho da Berkshire com o do fundo de índice ARKK (ARK Innovation ETF), fundado pela investidora Cathie Wood e focado principalmente em papéis de companhias de inovação disruptiva, como a Tesla, do empresário Elon Musk. Com “performances extraordinárias”, lembrou Zanin, bem acima das de Buffet, inclusive, a ARKK plantou dúvidas no mercado sobre os “dinossauros dos investimentos” e suas visões sobre investimentos. 

Estariam Buffett, Munger e sua escola de gestores ultrapassados? O tempo parece ter provado que não. A ARKK vem caindo sucessivamente nos últimos dois anos. Só em 2022, a cotação do fundo de Cathie já acumula queda de quase 60%. “Empresas que vendem sonhos e promessas mas não apresentaram resultados robustos estão apanhando do mercado agora”, disse Zanin. 

 

Mudança de tom no mercado dos EUA enaltece a visão de investimentos de Buffett

Com o aumento da aversão a riscos e a mudança de tom no setor financeiro, o mercado voltou a enaltecer a cultura da Berkshire. A ponto de o CEO ter sido ovacionado neste ano ao garantir que os volumes de capital em caixa seriam destinados apenas para comprar empresas de valor real. Sobre o saldo da convenção, Bruce Barbosa, sócio-fundador da Nord Research, é categórico: “melhor do que o que eles falaram foi o que fizeram”. Ele se refere aos resultados de performance e aos US$ 51 bilhões que a empresa usou para adquirir ativos no primeiro trimestre, especialmente os ligados a commodities.

A gestora de Buffett aumentou sua participação na Chevron para US$ 25,9 bilhões, dada a alta de mais de 30% dos papéis, e comprou US$ 7 bilhões em ações da Occidental Petroleum. Na contramão do novo mercado, Munger defendeu que o petróleo deve continuar sendo uma fonte de energia relevante para o mundo por muitos anos, “até 2200”, apostou o vice-presidente da Berkshire.

É difícil acertar o que deve acontecer em um prazo tão longo quanto daqui a quase 200 anos, mas ao menos no curto e médio prazo, o investidor sabe do que fala – e tem dados que corroboram para isso. Uma pessoa próxima a Zanin, de dentro da Chevron, apontou ao estrategista da Avenue que o CAPEX (as despesas de capital) da companhia se manteve estável em março e deve seguir assim no ano, “o que significa que a oferta de petróleo deve se manter em baixa”, afirmou.

A postura da Berkshire é de uma companhia conservadora em costumes. E, neste sentido, não houve nenhuma surpresa na assembleia do sábado (30). Barbosa, da Nord Research, lembra que Buffett é conhecido por ser um investidor “mão de vaca”, quer dizer, que surfa mesmo no mercado em baixa e, a exemplo do que se viu no encontro, critica a alta de investimentos e a negociação especulativa. 

Por isso mesmo, a plataforma de investimentos Robinhood não foi poupada da língua ferina dos gestores da Berkshire. Com um modelo sem taxa de corretagem, a empresa ficou conhecida por inundar o mercado financeiro dos EUA com investidores. Só que a desaceleração comercial e queda das bolsas norte-americanas fizeram a avaliação da corretora cair de quase US$ 60 bilhões em agosto passado para US$ 8,5 bilhões no fim de abril. “Um negócio nojento, que agora está desaparecendo. Deus está ficando justo”, declarou Munger.

Barbosa recorda que o mercado não vinha dando tanto crédito à Berkshire e, na verdade, fez sempre o contrário do que os oráculos de Omaha pregavam. “As carteiras andaram muito compradas em tecnologia e pouco em commodities e bancos”, lembrou Zanin, “exatamente o contrário do que fazia a gestora de Buffett”. Agora, muitas acompanham (ou até em muito superam) o ritmo de queda do S&P 500, já que as big techs correspondiam a quase 25% do valor de mercado das empresas listadas no índice. 

 

Berkshire aposta em tecnologia, mas de empresas com modelos de negócios estruturados

Não é como se a Berkshire fosse completamente avessa à tecnologia. Muito pelo contrário. A gestora tem 11% de participação na HP e 9,5% de fatia na Activision Blizzard, a produtora responsável pelo game “Call of Duty, enquanto 52% das carteiras de Buffett estão investidas no setor de tecnologia. “Mais de 45% da carteira dele está alocada só na Apple”, apontou Zanin. Então não é o setor um problema, mas o modelo de negócio de empresas que atuam nele. Os que ainda não têm muitas respostas ou cujas operações não são sólidas – literalmente – acabam passando longe das apostas da companhia. 

Ambos os especialistas ouvidos pelo BP Money acreditam que a Berkshire deve fazer investimentos mais significativos nos próximos trimestres. Dois fatores apontam para isso: a desaceleração do programa de recompra de ações e a queda dos mercados, o que cria mais oportunidades para investimentos da companhia. Por isso mesmo, a tendência é que os aportes se concentrem nos EUA, indica Zanin, sobre as reiteradas falas da dupla de executivos no evento. 

“Havia um sentimento de patriotismo, a defesa de que o mercado norte-americano era o melhor para se investir”, disse o estrategista da Avenue. Este é um perfil da composição de carteiras na Berkshire, na verdade, à exceção de pouquíssimas empresas, como o próprio Nubank, que apesar de ser uma fintech brasileira, está listado na Nasdaq. 

Neste ponto, aliás, Munger e Buffett tendem a divergir. Enquanto o vice-presidente da Berkshire tem capital alocado e investe fortemente em empresas de países orientais, como o grupo chinês Alibaba, o CEO prefere se concentrar no mercado dos EUA. “O único consenso aí é o BYD (fabricante de automóveis elétricos chinesa), que inclusive foi uma das maiores valorizações na carteira do Buffett”.

 

Fama de Buffett é um problema para o futuro da Berkshire

Discordando ou em acordo, Buffett e Munger são as estrelas da Berkshire. Figuras ilustres do mercado de capitais, é a dupla que faz os investidores saírem todos os anos do outro lado do mundo para “desbravar” o interior do meio-oeste dos EUA. E por conta deles, a sucessão foi um tema central na última convenção. A equipe da Avenue ficou surpresa com as duras críticas aos gerentes de portfólio indicados para assumir as cadeiras dos chefes da companhia, com 91 e 98 anos, respectivamente.

O mercado se preocupa com uma debandada dos investidores no caso de afastamento da dupla de Omaha, caso algo venha a acontecer. Muitos gestores da Berkshire têm performances bem acima das de Buffett e Munger, o que eles mesmos fazem questão de ressaltar, mas nada disso é suficiente para convencer os acionistas. “Claro que existe um receio de uma possível mudança de perfil na gestão dos investimentos, mas não adianta: nenhum dos outros tem o mesmo carisma”, disse Zanin.

Símbolo da visão do investimento de longo prazo e, principalmente, da importância dos juros compostos, a fama de Buffett faz sombra sobre o império que ele mesmo construiu. Há mais de 75 anos no mercado financeiro, ao lado de Munger, o investidor não opera norteado por performance – e já apanhou muito por isso -, mas com a visão de que investimentos sólidos trazem resultados consistentes.

Até mesmo especialistas se questionam se a Berkshire conseguirá um dia superar a imagem de seus criadores. Da jovem investidora de 12 anos que já foi a cinco assembleias para assistir a Buffett falar até o acionista que investe com a gestora desde 1986 – com os a equipe da Avenue topou em Omaha naquele sábado -, todos eles se perguntam sobre a continuidade da companhia quando a dupla não puder mais liderar.

No primeiro momento, caso haja troca de capitão, muitos tripulantes devem abandonar o barco. E ninguém sabe ao certo o que pode acontecer no segundo ato da Berkshire Hathaway. Este é o fardo que a companhia carrega por ser liderada por titãs do mercado financeiro. 

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