Copa do Mundo pode prejudicar 4º trimestre das varejistas?

Especialistas comentam possíveis efeitos do maior evento esportivo do mundo sobre os resultados de Magazine Luiza, VIA e Americanas

No país do futebol, a Copa do Mundo FIFA sempre costuma agitar os consumidores, que concentram o consumo em itens de varejo alimentar, bebidas e vestuário. Em 2022, entretanto, a Copa está sendo realizada no final do ano, junto (ou quase) a outros eventos que agitam o cenário varejista, como a Black Friday e as festas de final de ano. Especialistas do mercado financeiro, consultados pelo BP Money, destacaram que os resultados das varejistas podem ser incrementados pela Copa do Mundo.

De acordo com Victor Bueno, analista da Nord Research, o final do ano, por si só, já é um cenário onde o mercado espera melhora nos resultados das varejistas. 

“A gente tem um fator de sazonalidade para as varejistas. O mercado já precifica antes o que o resultado deve ser melhor no segundo semestre. A gente tem Natal, final de ano, Black Friday e agora a gente tem a Copa do Mundo, que é algo atípico, no final do ano, e culminou de ser realizada no mesmo mês da Black Friday”, disse Bueno. 

O analista da Nord afirmou que, apesar de muitos investidores se preocuparem por uma possível interferência negativa da Copa dentro das varejistas, a Black Friday, junto a Copa e as festas de final de ano, pode ser um fator de impulsionamento das vendas para essas empresas.

“Já era de conhecimento delas que existiria a Copa do Mundo nesse período e muitas delas anteciparam descontos, fizeram campanha prolongada, campanhas semanais, outras estão fazendo liquidações mensais, o famoso black november. Então muitas varejistas anteciparam o evento, sabendo que tem a questão de uma troca do consumo da população em meio a Copa”, justificou Bueno sobre a possibilidade de melhores resultados de Via, Magalu e Americanas no 4T22. 

A influência de Copas passadas

Em 2018, ano da Copa do Mundo da Rússia, os resultados das varejistas no segundo e no terceiro trimestre (época em que ocorreu a Copa) foram, positivamente, influenciados pelo evento esportivo. 

À época, o Magalu destacou em seu balanço que o resultado no trimestre foi, fortemente, influenciado pelo início da Copa do Mundo de futebol. 

No segundo trimestre de 2018, o Magalu reportou alta de 43% nas vendas totais em comparação com o mesmo período do ano anterior, atingindo R$ 4,6 bilhões. A empresa também teve crescimento de 34% nas vendas em lojas físicas. O Magazina Luiza destacou a alta de 94% no lucro líquido em relação ao segundo trimestre de 2017, para R$ 141 milhões, e redução de 0,9 p.p na margem bruta, com o crescimento do ecommerce, puxado pela Copa do Mundo de 2018.

A empresa reportou, no 2T18, o “aumento significativo na participação do e-commerce e leve redução da margem bruta dos canais em função da excelente performance da categoria de imagem antes e durante a Copa do Mundo”.

Em entrevista exclusiva ao BP Money, em junho deste ano, o diretor executivo de Marketplace do Magazine Luiza, Leandro Soares, afirmou que a empresa se preparou para fazer “uma copa memorável”. A companhia conta, atualmente, com diversas frentes de negócio. Entre ela, a Netshoes, que é o braço de produtos esportivos do grupo. 

A Lojas Americanas também teve um incremento nos números reportados após a Copa de 2018. A companhia divulgou lucro bruto de R$ 1,9 bilhão no primeiro semestre de 2018, o que representou um crescimento de 9,6%, e margem de 39,0% da receita líquida frente aos primeiros seis meses de 2017.

“A variação de -1,2 p.p. da margem bruta, decorre principalmente do sucesso do evento Copa do Mundo, que tem por característica a venda de televisores. Na visão consolidada, o lucro bruto foi de R$ 2,6 bilhões, crescimento de 15,2%, com margem de 33,6% da receita líquida, expansão de 2,1 p.p. em relação ao 1S17 em decorrência do crescimento da operação de marketplace da B2W Digital”, informou a Lojas Americanas na época.

O GMV da Lojas Americanas no primeiro semestre de 2018, que apresenta a receita bruta de vendas e serviços consolidada, somada às vendas realizadas nas plataformas de marketplace da B2W Digital, também apresentou alta. No 1S18, o GMV consolidado alcançou R$ 11,9 bilhões, crescimento de 19,0% em relação ao 1S17.

Em 2018, Lojas Americanas e B2W ainda não tinham realizado a fusão de suas operações, que uniu os ativos físicos da LAME com os digitais da B2W. 

A antiga Via Varejo, hoje VIA, registrou lucro líquido de R$ 20 milhões no segundo trimestre de 2018, revertendo o prejuízo de R$ 85 milhões do segundo trimestre do ano anterior. Em suas demonstrações financeiras, a companhia atribuiu a melhora dos resultados ao crecimento das vendas e do Ebitda. Durante parte do período em que ocorreu a Copa de 2018, o Ebitda da Via Varejo aumentou 124,3% no segundo trimestre, para R$ 332 milhões, frente R$ 148 milhões no ano anterior.

A receita líquida nas lojas físicas da VIA também cresceu no segundo trimestre de 2018. A alta foi de 6,5% frente ao mesmo período de 2017, somando R$ 5,2 bilhões.

Mesmo com a Copa acontecendo no final do ano, para Victor Bueno, da Nord, a expectativa é de uma Black Friday, em 2022, até superior a do ano passado.

“A gente viu expectativas da CNC (Confederação Nacional do Comércio) positivas de crescimento da Black Friday e temos o fator copa, que muitas empresas estão se aproveitando como fator de impulsionamento para as vendas”, disse Bueno. 

Além disso, o quarto trimestre como um todo, segundo Bueno, deve ser mais positivo para as varejistas.

“O fator Copa acontecendo no quarto trimestre pode impulsionar um crescimento um pouco mais acelerado do que vimos nos últimos anos, não vejo como fator negativo”, disse o analista da Nord. 

“Acredito que a maioria das empresas do varejo, até mesmo de segmentos específicos como vestuário e alimentar, tem uma expectativa bastante positiva com relação ao evento Copa do Mundo, beneficiando as vendas e resultados no trimestre”, complementou.

O analista também reiterou que, no final do ano, o consumidor tende a gastar mais, já que parte da população recebe o 13º salário, por exemplo, e mira o uso desse montante em produtos de consumo discricionário – que são vendidos pelas grandes varejistas que estão na bolsa. 

O outro lado da moeda para as varejistas na Copa do Mundo

Sob outra ótica, a analista Paolla Mello, sócia da GTI, e Lucas Lima, da VG Research, destacam que o consumidor pode acabar colocando o pé no freio nesta reta final do ano, já que muitos aproveitaram a antecipação da black friday e podem direcionar o capital para alimentação e bebidas, beneficiando apenas o setor de varejo alimentar. 

“A palavra certa para o momento atual é incerteza. Isso porque o consumidor que adquiriu uma televisão no segundo ou terceiro trimestre, aproveitando a antecipação da promoção de algumas empresas, talvez já não compre na Black Friday. O poder de compra do consumidor ficou bastante deteriorado, recentemente, e com tantos eventos importantes próximos um do outro, será necessário escolher muito bem para onde serão direcionados os recursos”, disse Lima, da VG Research.

O analista destacou que é possível que ocorra uma mudança no hábito de consumo das pessoas neste final de ano, especificamente, priorizando gastos com alimentação e bebidas para assistir aos jogos da Copa.

“A população pode direcionar seus recursos financeiros para alimentação e bebidas, com o intuito de aproveitar a Copa do Mundo, esquecendo um pouco mais da Black Friday e Natal, tendendo a prejudicar empresas do segmento de bens duráveis e beneficiando empresas do varejo alimentar. Além disso, o fluxo de pessoas nas ruas tende a ser bastante reduzido, principalmente nos jogos do Brasil, afetando diretamente as vendas nas lojas físicas”, disse Lima.

A analista Paolla Mello, da GTI, destaca que, possivelmente, a Black Friday deste ano deve ser um pouco mais magra do que nos anos anteriores, mas não somente por conta do “fator Copa”. 

“Tive conversas com algumas companhias e acho que os números de crescimento estão girando em torno de um dígito médio, então se for pegar a inflação dos últimos 12 meses, não estamos vendo crescimento real, mas não sei se atribuiria a performance mais tímida à Copa, especificamente. Acho que tem um componente um pouco mais macro. As pessoas não estão com tanta sobra de orçamento para gastar em supérfluos, mesmo as pessoas que têm mais poupança”, disse Mello. 

A analista e sócia da GTI ainda destacou o cenário político de incertezas, que tem gerado desconfiança por parte do mercado, com a indefinição quanto a parte fiscal para os próximos anos.

“Acho que o nível de confiança caiu um pouco, com todo esse ruído em torno do que vai acontecer com a parte fiscal do Brasil. Já estávamos com a inflação começando a arrefecer aqui, mas agora o cenário já aponta para uma parte mais irresponsável do próximo governo, e que, possivelmente, vai fazer a gente conviver com uma inflação mais elevada no futuro”, disse Mello.

“Mesmo os consumidores que poderiam alocar parte de sua renda para consumo, acabam postergando as decisões de compra, e isso vai contribuir para uma black um pouco mais tímida em relação ao que estávamos acostumados nos anos anteriores”, reiterou Mello.

Os analistas reforçaram que o momento atual é de cautela para o setor varejista. Sendo assim, o quarto trimestre é um tanto quanto incerto em relação ao sucesso das vendas. Além disso, o cenário macroeconômico prejudica o setor, com a inflação e a taxa de juros ainda elevada, o que deve seguir impactando a demanda.

No cenário otimista, qual deve ser o destaque para o 4T22?

Para os analistas consultados pelo BP Money, mesmo com as incertezas que rondam o setor de varejo, o Magazine Luiza deve ser o grande campeão do quarto trimestre. 

Lima, da VG Research, destaca que o Magalu, desde o começo do ano, começou a vender TVs da marca chinesa Vizzion (com um custo mais barato), com intuito de atender a população de classe mais baixa e já visando a Copa do Mundo – que costuma ser um grande motor de vendas de televisores, historicamente. 

Segundo Bueno, da Nord, o Magalu possui “grandes diferenciais” frente aos concorrentes.

“O Magalu tem várias avenidas de crescimento. Tanto o marketplace quanto ecommerce é bem forte. A empresa é pioneira da digitalização do varejo no nosso País e tem potencial maior do que as outras duas”, afirmou Bueno. 

“Depois vejo Americanas, que vem diversificando suas operações, trouxe um novo CEO recentemente, que pode alavancar os serviços financeiros da empresa – o que pode beneficiar os resultados no longo prazo – e VIA seria a terceira porque, principalmente na questão da gestão, ela tira um pouco da confiança do investidor”, concluiu o analista da Nord.