Dona do Pão de Açúcar investe no digital enquanto avalia sair da América Latina

"Não digo que é impossível, mas é difícil se desfazer de algo que vai tão bem", afirma o sócio da consultoria Performa Partners.

O anúncio feito nesta terça-feira (6) pelo Casino, o maior varejista alimentar da Europa, de alavancar sua estratégia digital por meio de uma parceria com a consultoria Accenture e o Google Cloud, dá indícios de quais são as prioridades do grupo francês. A empresa pretende aumentar o uso de inteligência artificial e o leque de ferramentas digitais que permitam traçar com mais precisão o perfil do consumidor e antecipar comportamentos de consumo.

A parceria com Accenture e Google vai atender especialmente a RelevanC, subsidiária do Casino especializada em soluções de marketing de dados, que atende outros varejistas. Criada em 2017, a RelevanC ainda é um negócio pequeno -cerca de 55 milhões de euros (R$ 331 milhões)- para o tamanho do grupo, que fatura ao ano cerca de 32 bilhões de euros (R$ 192,6 bilhões). No entanto, indica para onde o gigante francês está olhando, no momento em que analisa se vale a pena deixar suas operações na América Latina, onde controla o Grupo Pão de Açúcar (GPA).

“Esta aliança com dois grandes players de tecnologia marca mais um passo importante na implantação da estratégia digital do grupo. Isso nos permitirá acelerar duas prioridades: melhorar continuamente nosso atendimento ao cliente por meio de inovações tecnológicas, como aplicativos de IA [inteligência artificial], e acelerar o crescimento e a criação de valor de nossas atividades tecnológicas em dados e software”, disse Jean-Charles Naouri, presidente do grupo Casino, em comunicado divulgado nesta terça (6).

Questionado pelo jornal Folha de S.Paulo, o grupo disse que “o anúncio é uma parceria comercial, sem qualquer vínculo de capital” ou impacto sobre a operação do GPA. A respeito da possível saída da empresa do Brasil, o Casino informou que “não há nenhum processo de venda da participação” do grupo na varejista brasileira, que por sua vez controla o Éxito, o maior varejista da Colômbia.

Notícias veiculadas pela imprensa há duas semanas dão conta que o Casino contratou o banco BR Partners para avaliar a venda de sua fatia no GPA, hoje em 41,2%. Porém, antes de se desfazer do GPA, o segundo maior varejista alimentar do Brasil (só atrás do Carrefour), o Casino teria a intenção de abrir mão da Cnova, braço de comércio eletrônico do grupo, e promover a cisão do Éxito, para depois vendê-lo.

O objetivo seria diminuir o tamanho do seu endividamento. Em 2020, a dívida líquida do grupo francês fechou em 4,634 bilhões de euros (cerca de R$ 28 bilhões). O nível de endividamento ficou em 1,7 vez o seu Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização). Isso significa que é preciso de 1,7 vez a geração de caixa da empresa para pagar a sua dívida líquida.

No ano passado, a Rallye, controladora do Casino, recebeu aprovação da Justiça para o seu plano de salvaguarda, uma espécie de recuperação judicial. “Eles estavam enfrentando um problema crítico de alavancagem financeira”, diz o sócio fundador da Nord Research, Ricardo Schweitzer. “Agora o Casino parece procurar liquidez. Faz sentido vender Cnova e Éxito para não abrir mão logo de cara do GPA, a galinha dos ovos de ouro”.

Fontes ouvidas pela Folha acreditam que o grupo francês tende a se desfazer de todos os seus ativos na América Latina, o que abriria espaço, inclusive, para a volta de Abilio Diniz para o comando do Pão de Açúcar, empresa fundada pela sua família em 1948.

Procurada, a assessoria da Península Participações, holding de investimentos da família Diniz, disse que “não comenta especulações de mercado”. A Península é uma das acionistas do Carrefour Brasil e Carrefour global.

Um executivo que trabalhou diretamente com Diniz no Pão de Açúcar afirma que o empresário gostaria de voltar. Para esse executivo, no entanto, há dúvidas se a família cooperaria. Ele avalia ainda que Jean-Charles já teve bastante trabalho na América Latina, para equilibrar as operações de GPA e Éxito, e agora estaria disposto a colher os frutos deste investimento, para voltar suas atenções à Europa, um mercado menos problemático que o brasileiro ou o colombiano.

Ele diz ainda que, considerando o momento atual do grupo, a venda de ativos seria uma questão de bom senso, uma vez que permitiria ao Casino reforçar sua posição na França e, em especial, nos negócios digitais. Tanto Assaí quanto o GPA são ativos altamente preciosos para os franceses, que vão buscar a melhor opção para levantar capital, afirma.

Galeria Ida ao supermercado requer cuidados especiais Em tempos de pandemia de coronavírus, tem que haver prevenção. “O Casino precisa de caixa”, diz Daniela Eiger, analista da XP Investimentos. A cisão do braço de atacarejo do grupo, o Assaí, em 1º de março, foi uma boa saída nesta direção, porque “destravou valor”, diz ela. Quem tinha cem ações do GPA antes da cisão, passou a ter cem ações do GPA e cem ações do Assaí depois da separação. Desde o dia 2 de março até o último dia 30 de junho, as ações do Pão de Açúcar (PCAR3) valorizaram 64,38%, enquanto as do Assaí (ASAI3) avançaram 19,05%.

“Acho que, para o Casino, seria interessante manter a operação do Assaí, que se tornou muito maior em volume de vendas do que o Pão de Açúcar”, diz Daniela. O Assaí ganhou relevância muito maior durante a pandemia, lembra: o formato foi além do “transformador” de alimentos, público inicial da bandeira, como dogueiros e confeiteiras, e passou a atender a classe média, com compras de reposição a um custo menor.

Já o consultor em varejo Alberto Serrentino, da Varese Retail, destaca a representatividade do Pão de Açúcar no cenário nacional. “O GPA é pioneiro no digital, com uma plataforma robusta, que ganhou maior estrutura após a pandemia”, afirma. Na opinião de Serrentino, as lojas do Pão de Açúcar são uma “fortaleza”.

“Mesmo com a competição do varejo especializado, como lojas de vinhos e mercearias, ninguém tem uma base de ativos como as lojas do Pão de Açúcar na cidade de São Paulo, com alta penetração entre as classes média alta e alta”, afirma.

Segundo Serrentino, o Casino é uma empresa com um nível de alavancagem alto, que já teve que fazer algumas desmobilizações de ativos no mundo para tentar diminuir este patamar. Em 2020, por exemplo, o Casino vendeu a varejista de descontos Leader Price por 717 milhões de euros (R$ 4,374 bilhões) para a alemã Aldi.

 

Em 2019, o GPA vendeu 36,27% do capital da Via Varejo, dona das redes Casas Bahia e Ponto Frio. Hoje chamada apenas de Via, a empresa precisou fazer uma reestruturação e amortizou um prejuízo milionário da Cnova no Brasil, causado por desvios da própria equipe à época.

Para André Pimentel, sócio da consultoria Performa Partners, no entanto, a saída do Casino da América Latina seria a última cartada do grupo francês. “Não digo que é impossível, mas é difícil se desfazer de algo que vai tão bem”, afirma o executivo, ex-consultor da Galeazzi & Associados, que no passado promoveu uma reestruturação no GPA.

“Mas, de qualquer forma, Jean-Charles é um financista, muito racional nos negócios. Se houver uma oferta fantástica, ele vai vender”.

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