Se você nunca ouviu falar do ‘’mito do fundador’’ pode ter certeza de que esse não é algo novo. A ideia de que um indivíduo, de natureza genial, expõe suas ideias e acaba fundando um empreendimento quase que por sua inteira responsabilidade tem sido motivo de debates ao longo das últimas décadas.
O tempo passa e a pergunta continua a mesma: o mito do fundador realmente se sustenta?
Para sabermos se isso se sustenta ou não, precisamos de um contexto. Ao longo dos anos 80, por exemplo, a Apple começava a ganhar escala, quando John Sculley, o CEO da Pepsi na época, assumiu o comando como CEO da empresa da maçã.
O trabalho de Sculley era limpar a bagunça deixada pelo gênio fundador Steve Jobs e seus projetos fracassados, como o computador Lisa II.
Nesse aspecto ele foi relativamente bem sucedido no início, porém, no início dos anos 90, a Apple voltou a ter problemas.
Em 1997, Steve Jobs vende a Pixar, a empresa que havia fundado durante o período que passou fora da Apple, retornando ao comando da empresa que fundou, o que tirou a companhia de uma quase falência.
Sob o comando de Jobs, a Apple lançaria o iPod e posteriormente o iPhone.
Elizabeth Holmes, a fundadora da Theranos, se vendeu ao longo de mais de uma década como a “nova Steve Jobs”. Da maneira de vestir, aos trejeitos.
Durante muitos anos de investigação, foi comprovado que Holmes fraudava inclusive sua voz, por meio de um modelador sintético. Tudo isso por crer que pessoas com tom mais grave na voz transmitem mais credibilidade.
Sua empresa, que prometia entregar mais de 200 resultados de testes feitos com uma quantia ínfima de sangue, era de fato revolucionária, ou teria sido, se um dia tivesse saído do papel. Não à toa, a companhia levantou mais de US$ 700 milhões (cerca de R$ 3,9 bilhões) de investidores; e essa trajetória levou a empresa a alcançar US$ 9 bilhões (R$ 51,3 bilhões na cotação atual) em valor de mercado, sendo Holmes dona da metade.
Como a pesquisadora da universidade de Macquarie University, Austrália, Andreá Ribeiro explica, a proposta da Theranos pode ser considerada “matematicamente impossível”.
Holmes se tornou uma estrela no Vale do Silício, participando de eventos como os da Fundação Clinton, e estampando capas de revistas. Angariou milhões de nomes como Rupert Murdoch, o bilionário fundador da FOX, além de outros mais ligados ao meio Tech, como Larry Elisson, da Oracle.
A disputa no julgamento de Holmes, que ocorreu em 2022, quase 7 anos após as denúncias, se baseiam em apelar para a ideia de que toda startup enfrenta dificuldades entre suas promessas e as estreias, e que os investidores deveriam estar cientes dos riscos.
Ainda assim, o caso vai além da dificuldade entre a promessa e a prática, com casos de fraude e ausência de transparência.
Holmes foi condenada em 4 das 11 acusações que sofreu. Um destino mais trágico do que outro fundador, também envolvido em fraude corporativa: Adam Neumann. Ele fundou a WeWork, uma rede de escritórios compartilhados. Apenas com um certo “carisma”, o empresário levantou US$ 9 bilhões (R$ 51,3 bilhões) junto a investidores, e viu sua imobiliária tech ser avaliada em US$ 47 bilhões (R$ 267,9 bilhões).