Precedente perigoso

Vibra (VBBR3) para de pagar CRIs e preocupa mercado imobiliário

A distribuidora interrompeu o pagamento dos aluguéis da sua atual sede no Edifício Lubrax, no RJ, que eram lastro de CRIs

Vibra Energia (VBBR3)
Vibra Energia (VBBR3) / Foto: Divulgação

A Vibra Energia (VBBR3) interrompeu o pagamento dos aluguéis da sua atual sede no Edifício Lubrax, no Rio de Janeiro, em abril deste ano, o que tem gerado preocupação no mercado imobiliário.

Esses aluguéis são o lastro de dois CRIs (Certificados de Recebíveis Imobiliários) emitidos pela Opea Securitizadora e um CRI emitido pela Bari Securitizadora, que ainda estão em fase de pagamento. A inadimplência de abril foi confirmada por ambas em fatos relevantes publicados na última quinta-feira (9).

No total, a Vibra pretende evitar o pagamento de pelo menos R$ 427,8 milhões nos próximos sete anos, devidos aos investidores que compraram esses recebíveis. 

Mais do que o “calote” anunciado, preocupa o fato de que a companhia tenta conseguir, via processo arbitral, o direito a interromper os repasses dos aluguéis.

Ao Estadão E-Investidor, Marcelo Fayh, analista independente de FIIs (fundos imobiliários) disse que “se os argumentos usados pela Vibra para não pagar os CRIs funcionaram, isso vai destruir todo o mercado imobiliário. Fora isso, se tiver sucesso, a empresa que tinha uma estrada ‘asfaltada’ para conseguir crédito para novas operações, agora vai ter uma estrada de pedra”.

Em 14 de abril de 2011, ainda como “BR Distribuidora”, a companhia firmou um contrato de locação atípico, na modalidade “build to suit”, com a Confidere OGB Imobiliária e Incorporadora. Na prática, o documento estabelecia que a Confidere iria construir um edifício “sob medida” (build to suit) para a BR Distribuidora (atual Vibra).

Em troca, a BR Distribuidora deveria pagar um aluguel reajustado pela inflação medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor) por 18 anos a contar da data da entrega do empreendimento, prevista para abril de 2013.

O documento deixava claro a impossibilidade de renegociação das condições estabelecidas, além de que a Vibra tinha plena ciência e concordava com a possibilidade da incorporadora ir a mercado para levantar recursos para a construção do edifício por meio da emissão de CRIs.

Inclusive, as captações a mercado poderiam ser feitas em nome da companhia. O acordo também previa que, em caso de rescisão unilateral, a locatária (Vibra) ficaria obrigada a pagar a totalidade dos aluguéis que seriam devidos até a data de vencimento.

Em 18 de agosto de 2022, onze anos após a assinatura do contrato, a Vibra entrou com um procedimento arbitral na Corte Internacional de Arbitragem para tentar a rescisão ou revisão das condições estabelecidas no acordo.

O imbróglio fez a Fitch Ratings rebaixar a classificação de risco dos CRIs vinculados a aluguéis da Vibra de “AAA”, que reflete uma segurança maior em relação a inadimplência, para “Dsf(bra)”, maior risco de inadimplência.

Na época, os argumentos usados pela Vibra para a movimentação eram a existência de um processo para a penhora do Edifício Lubrax, em função de dívidas contraídas pela incorporadora Confidere.

Contudo, no contrato assinado em 2011, a possibilidade de rescisão sem multa só era prevista em casos muito específicos, como de “desapropriação” (intervenção do Estado sobre uma propriedade), situações que afetassem a posse do imóvel (ou seja, de que a Vibra ficasse impedida de utilizar o edifício), falência ou recuperação judicial da locadora – o que não ocorreu.

O imóvel foi à leilão em fevereiro deste ano, mas já contava com a cláusula de que, seja quem fosse o adquirente, o contrato atípico de aluguel com a Vibra continuaria em vigor. Isto significa que o novo proprietário não poderia ocupar o imóvel até o fim do prazo de locação da Vibra. O aluguel pago pela empresa também continuaria sendo direcionado aos CRIs.

O impacto do caso pode se disseminar por todo o mercado imobiliário. Uma eventual decisão favorável à Vibra abriria precedente para rescisões de outros contratos de locação atípicos, lastros de operações no mercado financeiro.

“Se isso acontecer, é muito danoso pro mercado. Nunca mais ninguém vai financiar esse tipo de operação, porque a empresa pode simplesmente dizer que não vai mais pagar e ‘acabou’. Olha o tamanho do risco”, ressaltou Fayh ao Estadão E-Investidor.