Protagonismo ameaçado?

Energia renova sede por aportes no Brasil, mas vê futuro obscuro

Com os retrocessos em novas leis ligadas á energia e ao licencimento ambiental, analistas avaliam os riscos de retira de aportes ao setor no Brasil

Foto: Energia / CanvaPro
Foto: Energia / CanvaPro

Eternizado na história pelos versos do hino nacional, a riqueza ambiental é inegavelmente o que dá ao Brasil maior protagonismo internacional, inclusive quando se trata de negócios e investimentos. No entanto, mesmo com todo potencial para ser o maior polo de energia renovável do mundo, os meandros políticos ameaçam esse desenvolvimento. 

Recentemente, em visita oficial à China, o presidente Lula e a comitiva brasileira conseguiram bilhões em investimentos para o Brasil. Logo nos primeiros dias, foram anunciados R$ 27 bilhões em aportes para diversos setores econômicos, sendo a indústria energética uma das mais beneficiadas.

A empresa CGN destinou R$ 3 bilhões para a geração de energia renovável no Piauí, a Envision investiu R$ 5 bilhões para a criação do 1º polo industrial neutro em carbono da América Latina e mais U$ 1 bilhão na produção de SAF (combustível renovável para aviação), e na criação de um Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em energia renovável, junto com a Windey Technology e a Senai-Cimatec.

Apesar dessa visibilidade, que pode levar o Brasil à liderança da agenda de transição energética, a pressão do Congresso Nacional vai na direção oposta a esse desenvolvimento e tem ameaçado, inclusive, a credibilidade do País no segmento após a aprovação dos PLs (Projetos de Lei) das eólicas offshore e de enfraquecimento do licenciamento ambiental. 

Na análise de Jhonatas Deodato, especialista em investimentos e planejador financeiro, os caminhos contraditórios tomados pelo governo e pelo Congresso podem gerar insegurança jurídica, retrocessos ambientais e minar a confiança do mercado internacional

“De um lado, o país fecha acordos bilionários com a China, promete neutralidade de carbono e se coloca como protagonista global na transição energética. Do outro, permite que avancem no Congresso projetos que flexibilizam regras ambientais e geram insegurança jurídica tanto para investidores quanto para comunidades locais”, disse.

O especialista reforçou que, no caso da PL das eólicas offshore, não há diretrizes claras sobre licenciamento e uso do mar territorial, enquanto o PL do licenciamento ambiental abre espaço para retrocessos que o mercado internacional condena.

Nessa linha, a condenação, na verdade, já está ocorrendo, pois logo após a aprovação do PL do licenciamento ambiental, o governo brasileiro recebeu uma carta da ONU (Organização das Nações Unidas) com críticas ao projeto.

A entidade expressou preocupação com os “direitos à vida e à saúde, e os direitos dos povos indígenas e das comunidades quilombolas”.

“A falta de coordenação entre o Executivo e o Legislativo transmite uma imagem de desorganização e falta de comprometimento com a agenda ESG. Isso pode desacelerar ou até comprometer a chegada de novos investimentos, se o Brasil não mostrar firmeza regulatória e consistência em sua política ambiental”, disse.

Novas leis são oportunidades?

Todavia, alguns especialistas vão de encontro à essa percepção de ameaça. Para Rodrigo Sluminsky, sócio da área de Sustentabilidade Corporativa do escritório Silva Gaede Advogados, o caso das eólicas offshore pode, eventualmente, trazer divisa para o futuro, mas, por conta do processo de licenciamento específico, o projeto não deve ser suficiente para minar a entrada de investimentos ao setor.

Já no caso do recente PL do licenciamento ambiental, Sluminsky reforçou que, além das empresas de energia renovável conhecerem bem as vias para concessão de licenças, o papel dos órgãos de fiscalização se fortaleceu nos últimos 10 a 12 anos.

“Há a intervenção de SEMIBIO, o IFAM e outros órgãos setoriais e nacionais, como o IBAMA e eventualmente a FUNAI e o FAN. Eles já sabem como atuar, o que pode acontecer, eventualmente, é que o procedimento novo exija um time para estudá-lo. Não acho que isso seja um tema que vá afetar diretamente a ótica do investimento estrangeiro pelo time da China”, afirmou.

Da mesma forma, a CEO e fundadora da iGreen, empresa especializada em soluções energéticas, Amanda Durante, acredita que as movimentações políticas em torno do setor de energia são, na verdade, oportunidades de mercado e amadurecimento da área.

“O Brasil está em um momento decisivo: temos uma matriz elétrica predominantemente limpa e um dos maiores potenciais de energias renováveis do mundo, e os investidores internacionais reconhecem isso. A aprovação da Lei das Eólicas offshore ( com alguns vetos) e o aprimoramento da Lei de Licenciamento Ambiental são ações que buscam aprimoramentos”, avaliou.

A perspectiva é de que o Brasil deve buscar o equilíbrio entre proteção ambiental, segurança jurídica e viabilidade econômica. 

“Em vez de minar a credibilidade, essas discussões mostram ao mundo que estamos engajados em construir regras robustas e modernas, alinhadas às melhores práticas internacionais. O investidor global valoriza países que evoluem com transparência e responsabilidade”, disse a CEO.

Esses temas estão em constantes discussões quando se trata alinhas novos negócios e esforços pela conservação ambiental e enfretamento da crise climática. Nessa esteira, apesar do Brasil ter registrado queda no desmatamento em todos os seus biomas em 2024, o aquecimento do debate ainda gera questionamentos sobre “se a preservação ambiental afeta o desenvolvimento do País”.

Os ativos de energia no mercado

Outro ponto de atenção para os investimentos em energia diante dos impasses no Congresso está no mercado acionário, onde a volatilidade e as inconstâncias são as características regentes. Nesse ambiente, os setores de energia, utilities e agronegócio funcionam como pilares para segurar os ganhos em momentos de crise.

Pelo potencial já demonstrado no setor energético, uma outra categoria de ativos começou a chamar mais atenção dos investidores nos últimos tempos: os FIIs (Fundos de Investimentos Imobiliários) de energia.

Com a alta eficiência tributária aliada à distribuição mensal de dividendos, esses ativos se tornaram ainda mais relevantes no mercado. Normalmente, os FIIs costumam atrair investidores justamente por conta do primeiro fator citado, e, nesse caso, a isenção de imposto de renda sobre os dividendos, em contraste com a carga expressiva que as empresas listadas na Bolsa enfrentam, destaca ainda mais o ativo.

Na avaliação de Sidney Lima, analista da Ouro Preto Investimentos, mesmo diante das controvérsias com os projetos de leis que têm mexido com o setor, a geração de energia renovável segue sendo promissora e transmitindo segurança aos investidores, sobretudo considerando os juros altos no Brasil.

“Os FIIs de energia devem continuar atraindo interesse por oferecer contratos longos e fluxo de caixa previsível. Porém, o investidor deve ficar atento ao risco regulatório, que pode afetar o setor e impactar retornos futuros”, alertou Lima.

Esses riscos foram salientados também por Gianluca Di Mattina, analista da Hike Capital. Segundo ele, os FIIs de energia têm “mais riscos do que se costuma admitir”.

“Esses fundos ainda são pouco líquidos, altamente sensíveis a mudanças regulatórias e dependem de um cenário muito específico para entregar retornos consistentes. Com a fragilidade no setor e o aumento da percepção de risco institucional, esses ativos podem sofrer no médio prazo, especialmente se investidores estrangeiros se retraírem”, explicou.

Pensando a longo prazo, com uma maior estabilidade do ambiente, seja no lado econômico ou no lado ambiental, o setor pode ver uma recuperação, mais não há garantias de valorização dos fundos, que ainda tem desafios de baixa transparência, precificação dos ativos e volatilidade no mercado secundário, segundo Mattina. 

Apesar dessas considerações, a avaliação de Amanda Durante aponta que os FIIs de energia podem ser uma “excelente porta de entrada” para a participação dos brasileiros no processo de transformação energética.

“Mesmo com os desafios regulatórios, o setor elétrico brasileiro tem apresentado resiliência e capacidade de adaptação. No médio e longo prazo, esperamos que os fundos continuem crescendo, principalmente porque a demanda por energia limpa é estrutural, não conjuntural”, enfatizou.

Por fim, para que esse tipo de fundo siga oferecendo uma boa opção de aportes alinhados às iniciativas ESG no mercado financeiro,  a CEO da iGreen defendeu que a geração distribuída de diferentes fontes, como a energia solar, o biogás, as minieólicas, a biomassas e a hídrica, seja a base estratégica para os negócios.