Na Enjoei (ENJU3), fracasso da compra da Gringa expõe pressão por resultados

Companhia vem apresentando sucessivos resultados negativos e desacelerou ritmo de crescimento, o que levanta dúvidas sobre a sustentabilidade do modelo de negócio

O casamento entre Enjoei (ENJU3) e Gringa acabou antes mesmo de começar. Da parte do brechó online, a aposta se tornou insustentável. Do outro lado, o e-commerce de luxo entendeu que era chegado o momento de encerrar de vez as conversas e “seguir de forma independente”, como a fundadora e ex-atriz global Fiorella Mattheis comunicou nas suas redes sociais.

A Enjoei atravessa um momento crítico. Os papéis da empresa acumulam queda de 78% na bolsa desde o IPO, e as questões sobre o seu futuro no mercado começam a ficar mais fortes.

A conjuntura econômica provocou a debandada dos papéis de small caps, mas o caso da Enjoei soma a insatisfação com os resultados. Para a equipe de analistas de consumo e varejo da Eleven – uma das poucas casas que ainda cobrem a empresa -, a falta de visibilidade sobre a rentabilização do negócio e a desaceleração dos indicadores provocam ainda mais insegurança. 

O mercado estava apreensivo com os resultados da companhia, que vinha entregando prejuízos – e continuou nessa linha. No primeiro trimestre, o caixa ficou negativo em R$ 31 milhões.

“Apesar de ter melhorado o GMV (volume transacionado), indicadores importantes como o crescimento da base de vendedores e o índice de retenção da receita não acompanharam”, avaliam Felipe Demolein e Guilherme Domingues, analistas da Eleven. 

Bruno Komura, analista da Ouro Preto Investimentos, acredita que a base expressiva de crescimento da plataforma durante a pandemia imprime a dificuldade em sustentar o ritmo, mas há questões maiores a serem respondidas.

“Precisamos ainda entender se o modelo de negócio está perto da exaustão ou se ainda há potencial para expandir. A verdade é que está mais difícil acreditar nas projeções da companhia”, disse.

O mercado mandou sinais: a Verde Asset e Sharp Capital, que uma vez estiveram entre os principais acionistas, com cotas superiores a 5%, reduziram suas posições na Enjoei. A Dynamo segue na composição acionária com 5,07%, e a Bessemer Venture Partners, gestora de venture capital que liderou rodada de investimentos de R$ 18 milhões na empresa em 2014, tem 5,57% de participação. 

Na Eleven, a recomendação para o papel é neutra, e a Ouro Preto Investimentos apenas “acompanha de longe” o cenário, porque ainda não vê o horizonte para a Enjoei com bons olhos. Neste sentido, conta Komura, a gestora prefere se voltar para outras small caps, com perspectivas mais claras para o negócio.

Verde e Sharp comunicaram terem passado parte de suas posições como doadores em contratos de aluguel (operação pela qual investidores de longo prazo emprestam seus papéis em carteira mediante cobrança de uma taxa). As ações vêm sendo negociadas em torno dos R$ 2 desde o fim de abril, o que torna esse tipo de oferta mais viável e também ajudaria a diminuir as perdas no mercado. 

O movimento de recomposição acionária, aliás, foi crucial na ruptura da aliança com a Gringa, que marcaria a primeira aquisição da Enjoei pós-IPO. Com as mudanças, a fatia de investidores que discordaram da transação ultrapassou o valor estipulado em uma das cláusulas do contrato: o teto de R$ 1,5 milhão para reembolso do valor patrimonial dos papéis desses acionistas. Assim, a transação se tornou pesada demais num momento já difícil para a plataforma de usados.

Guilherme Champs, CEO do Champs Law, explica que, de maneira geral, essa decisão não obriga o pagamento de multa rescisória – a menos que seja estipulado entre as partes. Mas o especialista explica que “certamente perdas ocorrem nesse tipo de ruptura, principalmente aquelas ligadas ao processo de due diligence, geralmente moroso e custoso nesse tipo de negócio.”

Compra da Gringa dividiu opiniões

O negócio com a Gringa, que previa o pagamento de R$ 14,2 milhões em dinheiro mais 200 mil ações, marcaria a estreia da Enjoei no mundo do luxo. Um nicho em que as margens são mais atraentes, e o custo para atração de novos clientes, menor.

Se tratando de peças de segunda mão, as próprias marcas desse universo se encarregam de gerar o desejo de compra. Às plataformas desse segmento, portanto, cabe o trabalho de curadoria e de outros serviços comuns nos marketplaces: operar a logística e processar pagamentos.

Ambas as partes olhavam para o potencial de redirecionamento do tráfego entre os e-commerces. A Enjoei é a maior plataforma de vendas de peças usadas hoje no Brasil, o que não significa muito, na verdade, já que o mercado nacional é bem diluído. 

Komura, da Ouro Preto Investimentos, acredita que fez mais sentido a transação não ter se concretizado, já que o processo de integração é trabalhoso e complexo. “São operações que exigem estruturas robustas, o que não achamos que é o caso da Enjoei”, disse o analista. Ele explica que a rotatividade de pessoal na empresa é considerável, o que poderia prejudicar a fusão. Além disso, o ambiente parece estar se deteriorando conforme a pressão sobre a empresa aumenta.

Na carta aos acionistas divulgada em janeiro, a Verde Asset apontou que enxergava a Enjoei em estágio de maturidade inicial, o que significava que a empresa tinha pela frente um mercado grande e pouco explorado. A companhia trabalharia com uma boa proposta de valor e ampla margem para o crescimento da marca. “Essa combinação nos deixa bastante animados com as perspectivas de expansão da companhia”, disse a gestora no documento. 

O que mudou nesses menos de quatro meses? O tom de urgência no mercado.

Com a piora brusca de condições para investimentos, acionistas estão menos tolerantes na avaliação de seus ativos. É até difícil encontrar hoje analistas no mercado para comentar o cenário da Enjoei. A equipe da Eleven é uma das poucas ainda na cobertura. A verdade é que o e-commerce de peças usadas saiu do radar dos investidores. 

Enjoei defende plano de negócios e prevê lucro em até três anos

A Enjoei prevê atingir o lucro operacional em dois a três anos. Até lá, defende com unhas e dentes seu plano de negócios, no qual projeta um crescimento na ordem de quase 50% ao ano até 2025, conforme reforçou o co-fundador e CEO da companhia, Tiê Lima, em entrevista ao “Trade Map”. Ele explicou que o número se baseia na evolução do e-commerce no País acompanhado da penetração do segmento de moda nesse mundo digital. 

Inserida no ambiente do varejo discricionário, essa evolução pode não ser tão regular e constante assim. Apesar de ter crescido na pandemia, o orçamento para compra de roupas, calçados, produtos de beleza e acessórios costuma responder à alta da inflação. Prova disso é que o ritmo de expansão da base de vendedores caiu 16% na base anual e de vendedores, 10%. No primeiro trimestre deste ano, a companhia tinha 998 mil compradores ativos e mais de 1 milhão de vendedores ativos.

A Enjoei ainda tem o desafio de elevar o tíquete de compra, que ajudaria a melhorar o índice de retenção de receita na plataforma, que ficou em R$ 54,2 milhões entre janeiro e março deste ano. O resultado representa um take rate (margem sobre o volume transacionado) de 20% no período, queda de 4,9 pontos percentuais na base anual.

Só que a empresa não abre mão de crescer a sua base, o que inclui manutenção dos gastos em marketing e para aquisição de novos usuários e da política de subsídios a novos vendedores, criando um impasse com investidores. Para Demolein e Domingues, se revisadas, essas políticas poderiam ajudar a melhorar as margens operacionais. 

No início do ano, a empresa já havia reajustado a comissão de 13% para 18% sobre as vendas na plataforma. O esforço não foi suficiente para convencer o mercado.

“A empresa aposta nessas medidas para atrair vendedores, como taxa de comissão zerada na primeira venda, mas esse investimento não se refletiu em crescimento expressivo da base – o ritmo até desacelerou”, avaliaram os especialistas da Eleven.

Investidores estão preocupados demais com os riscos para se deixar levar pelo horizonte de expansão do negócio. O foco em assumir custos está voltado ao retorno do ativo: com a alta volatilidade nas bolsas e no cenário macro, quanto mais sólidos os caminhos, melhor. No caso da Enjoei, essa perspectiva ainda é pouco palpável. 

Há de se considerar que os negócios atrelados à economia circular são uma novidade no ambiente financeiro. O tema foi discutido na abertura de capital da Enjoei, mas, com o estresse no mercado, ficou de lado. Para analistas, essas empresas enfrentam o desafio de terem um resultado não necessariamente vinculado ao Ebitda. Neste caso, acumula-se ainda a desaceleração do comércio eletrônico, com a retomada do comércio físico. 

Para onde vai a Enjoei? Com uma fatia de 10% da audiência de marketplaces de moda online, o que a coloca como o terceiro maior desse segmento no País, a empresa poderia passar a ser alvo de aquisição, como aconteceu com a Mosaico, comprado em outubro do ano passado pelo Banco Pan.

Para os analistas consultados pelo BP Money, no entanto, este não deve ser o caso da Enjoei – ao menos não no curto prazo. Além da complexidade do cenário no varejo, que atinge as empresas como um todo, no segmento de vestuários, quase todas as companhias com grandes operações possuem uma frente de brechó ou revenda. 

“Acreditamos que a Enjoei (ENJU3) vá crescer organicamente e que o negócio se sustente por meio de parcerias”, apontaram os analistas da Eleven. No médio e longo prazo, no entanto, considerando os movimentos do mercado internacional, mais maduro que o brasileiro, os especialistas admitem que há possibilidades de esse tipo de operação acontecer. Tudo depende da forma que a Enjoei vai responder à pressão daqui para frente.