Um pouco de fé em Deus, um pouco de esperança de que os tempos duros estão ficando para trás e outro tanto de falta de opção. Para Viviane Helena Venâncio, 46, a decisão de abrir, há pouco mais de um mês, uma pequena lanchonete no Parque Peruche, bairro da Casa Verde, zona norte de São Paulo, veio da necessidade de “meter as caras” e apostar na clientela que já vinha atendendo havia quase um ano por meio do delivery.
A virada para se tornar uma pequena empresária veio de um revés, que foi ter sido demitida do emprego de oito anos poucos dias após o início da pandemia. “Eu fazia bolos de pote e coxinhas e vendia no trabalho. Quando fui demitida do serviço, decidi encarar e ver como seria.”
Quem vê a vitrine abastecida de bolos, salgadinhos e bebidas, onde um dia foi a garagem da casa de Viviane, talvez não imagine como foi longo, para ela e para a família, o percurso até ali.
“Fui comprando tudo aos poucos. Primeiro uma chapa, depois a estufa. Passei quase um ano comprando as coisas”, diz. Quando a Vivi Doces e Salgados passou a existir, a regra de controle da pandemia em São Paulo nem mesmo permitia que os negócios abrissem as portas.
“Eu tive muito medo. A gente trabalha muito tempo para conseguir as coisas, mas eu não tinha outra saída. Em 2020, não tinha como fazer outra coisa. Hoje, é tudo que eu tenho. Coloquei na mão de Deus. De um mês para cá, acredito que todo o mundo vai se vacinar [contra a Covid-19] e que as coisas vão melhorar”, diz Viviane, que já recebeu a primeira dose do imunizante.
O otimismo com os próximos meses vem sendo notado pelo consultor de negócios do Sebrae-SP Davi Jerônimo, nos atendimentos que realiza diariamente –são seis todos os dias.
“As pessoas estão começando a se movimentar. A gente percebe que quem estava com projeto engavetado já começa a andar”, afirma.
Na avaliação dele, há uma sensação de que setores muito afetados pelas políticas de restrição à circulação de pessoas, como comércio e serviços, começam a “dar uma respirada”, graças ao aumento na demanda.
Essa é também a percepção do superintendente da distrital Centro da Associação Comercial de São Paulo, Alexandre Ortiz. “Na Liberdade e no Brás, há uma euforia muito grande de que as coisas estão melhorando. Hoje estamos em 60%, 65% [do movimento] em relação ao que era, mas a sensação é de otimismo.”
Ortiz relata o que, para ele, é um indicador do interesse por novos negócios. Um imóvel da Associação Comercial, ocupado por um restaurante até o início da pandemia, foi sondado por duas redes de alimentação. O espaço, porém, já está em reforma e será usado pela própria associação.
“O pessoal ainda está com medo, ainda está sem dinheiro, mas o movimento está voltando. Devagar, mas está. Há muito diferença em relação a dois meses atrás.”
Em maio, o número de novas empresas no estado foi o segundo maior da série histórica da Junta Comercial de São Paulo, iniciada em 1998. Foram 24.585 negócios novos registrados.
A melhora lenta, mas persistente, facilitou a retomada de planos. Para quem adiou abrir as portas em 2020, o momento começa a parecer mais favorável.
Para Ana Paula Santos Ribeiro, 32, ter um espaço físico para a Feira Ofício era um desejo desde o início do projeto –a primeira edição da feira foi realizada em agosto de 2018. Com a interrupção dos eventos, em março de 2020, o plano foi deixado de lado.
Nos primeiros meses sob pandemia, a prioridade para ela e para as outras 30 produtoras que atuavam na feira foi a viabilização de um ecommerce que permitisse a manutenção das vendas.
O prolongamento da crise sanitária, ao mesmo tempo que as atividades foram liberadas, levando à redução das quarentenas voluntárias, colaborou com a retomada dos planos.
“Começamos a sentir a necessidade de chegar ao público de forma direta. O ecommerce funciona, mas as pessoas ainda querem tocar as peças, ter uma ideia do tamanho.”
Com isso em mente, o grupo se juntou e alugou um imóvel na Vila Buarque, região central, próximo à rua onde a feira era realizada. Para viabilizar o negócio, elas fizeram rifas de produtos e assumiram diversas funções na reforma.
O esforço, diz Ana Paula, tem sido recompensador. “Foi um alívio perceber que as pessoas querem mesmo ir até o espaço. De fevereiro para cá, quando pegamos as chaves, é visível como o fluxo de pessoas aumentou pelas ruas.”
Mais gente também tem sido vista nos shoppings e nos restaurantes em funcionamento nesses centros comerciais, diz o presidente da Alshop (Associação Brasileira de Lojistas de Shopping), Nabil Sahyoun.
O horário de funcionamento, que em São Paulo segue reduzido em uma hora, ainda afeta principalmente o fluxo das praças de alimentação, segundo o dirigente, mas ele diz que a percepção entre os lojistas é a de que a demanda de consumo reprimida e a maior confiança com a vacinação têm ajudado no movimento nos empreendimentos.
Na avaliação dele, a tendência para o segundo semestre deve ser de abertura de novas lojas. Por enquanto, somente grifes e marcas grandes têm tido condições de manter investimentos. As expectativas, porém, são positivas.
“Estive no Shopping Cidade Jardim na quinta [30], e eram poucos os restaurantes que não estavam cheios. Em uma quinta-feira, na hora do almoço, é um ótimo indicativo”, diz. O shopping citado pelo presidente da Alshop fica na zona sul de São Paulo e é conhecido por abrigar marcas de luxo e restaurantes estrelados.
O Cidade Jardim é da JHSF. No balanço do primeiro trimestre, o grupo relatou que os shoppings sob sua administração estão com taxa de ocupação de 96,2%.
A JHSF também tem participação em empreendimentos como o Catarina Fashion Outlet, em São Roque (SP), e os shoppings Ponta Negra, em Manaus (AM), e Bela Vista, em Salvador (BA).
Na rede Aliansce Sonae, dona de 27 shopping centers e administradora de outros 12, a taxa de ocupação estava em 95,2% ao fim de março. O encerramento do trimestre coincidiu com a volta das determinações de fechamento do comércio em diversos estados brasileiros. Ainda assim, a rede relatou ter fechado 79 novos contratos com lojas no período, mais do que os 71 do primeiro trimestre de 2020.
Para o presidente do Sindilojas-SP (Sindicato do Comércio Varejista e Lojista do Comércio de São Paulo), Aldo Macri, a abertura de novos negócios é ainda bastante localizada e está longe de ser uma tendência de retomada.
Na avaliação dele, investimentos vêm de grupos grandes com plano de expansão definidos antes da pandemia, e que agora foram retomados, ou de pequenos, que tenham decidido arriscar.
No setor de restaurantes, a percepção é similar. Ainda que existam bares e restaurantes novos abrindo, ainda há, na mesma velocidade, negócios fechando as portas, sem condições de seguir funcionando.
Dados da Junta Comercial de São Paulo mostram que, de janeiro a maio deste ano, o setor de alimentação e alojamento foi responsável foi 8,89% das empresas encerradas. No mesmo período, esse segmento respondeu por apenas 4,4% dos novos negócios.