O lucro tem deixado de ser o único objetivo dos investidores, que agora procuram conciliar os ganhos com projetos alinhados aos seus propósitos pessoais.
Na esteira do consumo consciente, cresce a demanda por produtos financeiros que se relacionem de alguma forma com causas sociais e ambientais, por exemplo.
Na hora de escolher uma instituição para abrir conta, muitos consumidores consideram aquelas engajadas em projetos sociais, sustentáveis ou que promovam a diversidade.
Nesse contexto, surgiram instituições que oferecem serviços voltados a grupos específicos, como mulheres, negros e LGBTQIA+, além de fundos de investimentos apenas com empresas envolvidas em práticas de ESG (sigla em inglês para boas práticas ambientais, sociais e de governança).
As chamadas fintechs sociais, embora ainda muito novas no mercado, ganharam espaço em meio ao aumento da reivindicação por inclusão e diversidade.
Essas empresas possuem produtos personalizados e desenhados para atender às necessidades de cada nicho, com o objetivo de reduzir desigualdades e criar identificação com o cliente.
A fintech Conta Black, protagonizada por negros, nasceu em 2018 ao identificar necessidades não atendidas por bancos tradicionais.
“Foi uma resposta ao problema do nosso CEO [diretor-executivo], Sérgio All. Há 15 anos, um homem negro e empreendedor precisou trocar o maquinário de sua agência de publicidade e, com todas as condições de conseguir crédito, teve o pedido de empréstimo negado”, lembra a cofundadora, Fernanda Ribeiro.
A executiva conta que, a partir daí, surgiu a ideia de tentar preencher lacunas encontradas no sistema financeiro para clientes negros, que representam mais da metade da população brasileira. Um dos objetivos é promover a inclusão financeira e digital.
“Ouvimos histórias de pessoas que nem sequer conseguiam abrir a conta. A ideia é promover acesso, digitalização e entender cada vez mais o papel da conta digital não como fim, mas como meio, com produtos e serviços financeiros, customizados, que atendem demandas específicas da população preta e periférica”, diz Ribeiro.
Atualmente a fintech tem 20 mil clientes e oferece conta e cartão de crédito pré-pagos. No curto prazo, a meta é aumentar a base de usuários para 100 mil e passar a oferecer produtos como investimentos e seguros, por exemplo.
Com o lema “de mulheres para mulheres”, a fintech ElasBank também oferece conta digital pré-paga e pretende se tornar um banco digital voltado para o público feminino com foco em educação financeira. Deve funcionar como uma espécie de plataforma com aconselhamento de finanças e oferta de produtos próprios e também de outras instituições financeiras.
Um dos projetos da instituição, que foi criada em 2020, é oferecer o chamado crédito “peer to peer”, em que o cliente empresta recursos diretamente a pessoas ou empresas por intermédio de uma fintech, modalidade regulada pelo Banco Central em 2018.
Por meio do ElasBank, uma investidora poderá financiar projetos de outras mulheres.
“Será um ecossistema para mulheres, com uma série de serviços unidos: conta, pagamento, transferência e planejamento financeiro, tudo de forma automatizada”, afirma Vanise Zimmer, presidente da ElasBank.
Zimmer ressalta que os critérios do sistema financeiro tradicional para as análises de crédito prejudicam as mulheres.
“As condições colocadas para tomar crédito acabam excluindo parte do público feminino. O crédito com imóvel como garantia é um exemplo. Até pouco tempo, bens de casais eram registrados apenas no nome do marido”, diz.
Márcio Orlandi, presidente da fintech Pride Bank, pioneira em produtos financeiros voltados para a comunidade LGBTQIA+, conta que a instituição também surgiu, em 2019, da necessidade de oferecer produtos financeiros personalizados. O objetivo é apoiar projetos de diversidade.
A ideia é repassar 5% do faturamento bruto para ONGs (organizações não governamentais), ao Instituto Pride e a outras iniciativas.
“Eu e a minha sócia percebemos que o maior problema que os coletivos e ONGs enfrentavam era conseguir dinheiro, então pensamos em uma forma de recursos da comunidade voltarem para a comunidade”, diz Orlandi.
A empresa oferece conta e cartão de crédito pré-pagos, aluguel de maquininha de pagamentos para empresas e, desde o dia 25 de outubro, passou a oferecer seguros e planos de saúde em parceria com a Sulamérica.
“Essa foi uma prioridade porque vimos que muitos tinham dificuldades em se consultar pelo constrangimento, com medo de serem maltratados, especialmente pessoas transgênero. Ter um plano e uma equipe preparada faz toda a diferença”, diz.
Segundo o executivo, a comunidade LGBTQIA+ tem mais de 20 milhões de pessoas e movimenta R$ 150 bilhões por ano.
“Todos os produtos bancários podem ser repensados e personalizados”, afirma. Um dos planos de Orlandi é criar um fundo de investimento com empresas alinhadas à bandeira.
Nas fintechs, não estão entre os clientes apenas o público-alvo, mas também apoiadores dos projetos. “Na Conta Black, 74% dos usuários são pretos e pardos. Há pessoas que têm conta em outro banco, por exemplo, mas querem apoiar a causa”, diz Ribeiro.
Orlandi afirma que o Pride Bank também conta com aliados da comunidade LGBTQIA+. “Muitos querem colocar recursos no projeto porque acreditam que possam fazer a diferença”, afirma.
O Impact Bank oferece serviços financeiros, como conta digital, cartão de crédito e linhas de capital de giro. O foco está em empreendedores sociais, negócios inclusivos e organizações filantrópicas. A instituição também atende pessoa física.
Para o cofundador, Gabriel Ribenboim, o interesse nesse tipo de iniciativa aumentou na pandemia.
“Ficou mais evidente que a escolha de um único indivíduo tem impacto coletivo, bem como a urgência da iniciativa privada na incorporação de soluções para problemas sociais e ambientais no sentido de acelerar as mudanças necessárias”, afirma.
“Quando fundamos o Impact Bank, já sabíamos que essa era uma dor sentida por muitos, os que financiam e os que trabalham para acelerar mudanças positivas no nosso país. Algo no setor financeiro precisava ser feito para atender especificamente a necessidade desse propósito”, diz Ian Lazoski, também cofundador.
Para o presidente da ABFintechs (Associação Brasileira de Fintechs), Diego Perez, a tendência é que cada vez mais clientes bancários se preocupem com a forma de se consumir produtos financeiros.
“É um caminho sem volta e está muito conectado com as novas gerações, que buscam propósito nas ações, identificação e experiências positivas, não só o acúmulo de capital e bens”, diz.
“Em poucos anos esse público será a parte dominante da população economicamente ativa e as instituições que não se adaptarem ficarão para trás”, afirma Perez.
Segundo ele, as fintechs já nascem com esse DNA. “É cada vez mais comum o engajamento em problemas de impacto ambiental, inclusão social e empoderamento de grupos subrepresentados.”
Pensando em investidores com propósito, a gestora Warren criou os fundos Green (que seleciona empresas com histórico de boas práticas ambientais) e Equals (que aplica em companhias que promovem igualdade de gênero).
O fundo Equals tinha 2.130 cotistas em março de 2020 e hoje tem 13.670. O Green tinha 11.132 investidores e passou para 17.652.
“Ambos estão à frente do Ibovespa em pontos, então o retorno é muito bom”, diz o gestor de investimentos da Warren, Igor Cavaca.
Cavaca destaca que a pandemia fomentou discussões sobre impactos ambientais e sociais no país. “No ano passado esse debate cresceu. A nova geração tem se preocupado com o que ela consome. É um processo de aprendizagem, do modo de viver em sociedade”, afirma Cavaca.