A dona do Google (GOOGL34), Alphabet Inc, e a Microsoft abriram a temporada de resultados das big techs, como são conhecidas as cinco gigantes de tecnologia no mundo. E a reação do mercado prova que os investidores esgotaram sua paciência com o setor.
Após a apresentação, a queda de BDRs da Alphabet bateu quase 5% e as ações da companhia listadas no exterior operaram em baixa de 3% na quarta-feira (27). Com um lucro de US$ 16,4 bilhões no primeiro trimestre, retração de 8% na base anual, o conglomerado foi responsável por azedar o humor do mercado no começo desta semana.
A Alphabet desagradou porque, além de números abaixo das projeções, a receita de publicidade do YouTube veio bem abaixo do consenso. Como uma das principais operações do grupo, é um mau sinal. No período, as vendas de anúncios na plataforma de vídeos somaram US$ 6,87 bilhões contra os US$ 7,51 bilhões esperados. Mesmo crescendo 14% ante o mesmo período do ano passado, o número está 8% aquém da expectativa.
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O Youtube foi um forte vetor de crescimento da companhia nos últimos dois anos, e a sua desaceleração acontece no momento de forte crescimento do TikTok, o que levantou questionamentos entre os investidores. Em reporte ao mercado, a Avenue Intelligence lembra que a plataforma do conglomerado chinês ByteDance vem ganhando participação entre jovens de 18 a 24 anos, segundo pesquisa da consultoria Cowen.
Para acalmar os ânimos, o CEO da empresa norte-americana, Sundar Pichai, disse na teleconferência com o mercado que o Shorts, braço do YouTube criado para brigar diretamente com o TikTok, soma 30 bilhões de visualizações diárias. O número representa o dobro da quantidade de visualizações contabilizadas no trimestre anterior e quatro vezes mais do que em todo o ano passado, mas não é suficiente para desentortar narizes no mercado.
Para medir a profundidade desse buraco, é importante considerar o que a operação de venda de anúncio representa para a empresa: em 2021, 69% da receita da Alphabet veio da compra de publicidade nas suas plataformas, especialmente Google e YouTube. A frustração com os números da plataforma coloca um ponto de interrogação enorme sobre o que a Meta (ex-Facebook) reportará os números do seu primeiro trimestre no fim do dia desta quarta-feira (27).
Quinta maior empresa de tecnologia dos Estados Unidos, a Meta teve 97,5% da sua receita em 2021 (US$ 117,9 bilhões) atrelada à venda de publicidade em suas plataformas. Neste caso, a performance do Instagram ainda deve ser bem afetada pelo avanço do TikTok no Ocidente. Não à toa, a onda de desconfiança no mercado atingiu em cheio as ações da empresa de Mark Zuckerberg, que operaram em queda de 6% antes da apresentação de resultados.
Mesmo com os números acima das previsões do mercado, especialmente considerando o crescimento da base de usuários neste primeiro trimestre – algo repentino após os frustrantes números do período anterior – o lucro da empresa recuou 21% na base anual.
Na análise pré-abertura do mercado da quarta-feira (27), Matheus Spiess, analista da Empiricus, lembrou que essas empresas de tecnologia representam para a economia dos EUA o mesmo que as commodities e os bancos representam para o Brasil. O especialista recobrou a decepção com a Netflix, que também entra no rol da techs.
“Ficamos ansiosos com os resultados que estão por vir, com Apple e Amazon pela frente”, disse Spiess. Ele aponta como esses nomes de peso, que antes pareciam mais resilientes, vinham segurando a performance da Nasdaq. Após a divulgação dos resultados da Alphabet, a bolsa norte-americana fechou o dia em queda de 3,95%. Embora tenha se recuperada levemente (1%) no dia seguinte, no acumulado do mês, o tombo é de 12%, batendo o menor patamar desde 2020.
No dia seguinte, o Itaú BBA optou por retirar a Meta Platform da sua carteira BDR e colocou em seu lugar o United Health Group. As outras ações permaneceram, com papéis da Coca-Cola, Microsoft, Procter & Gamble e Chevron.
Cobrança regulatória sobre uso de dados exige mudança de estratégia
A alta dependência da receita das big techs dos anúncios digitais gera questionamentos sobre a sustentabilidade do negócio no médio e longo prazo. Com a escalada da regulamentação no setor e o aumento da pressão de usuários por transparência sobre o uso de seus dados, essas empresas estão sendo obrigadas a rever suas políticas de privacidade.
A indústria deve migrar de um modelo de coleta e análise de dados a nível individual para outro em que os usuários são agrupados em clusters, por semelhança de comportamento, apontam os especialistas Maria Antonia Viuge e Roberto Vinhaes em artigo publicado no “InfoMoney”. Esta estratégia elimina o caráter pessoal do dado, o que o torna uma informação sensível. Na prática, “haverá uma perda de eficiência na conversão de campanhas publicitárias, com repercussões negativas sobre os preços de anúncios”, disseram no texto.
Alphabet, Apple, Amazon e a Meta foram envolvidos em investigações no Congresso dos Estados Unidos sobre uso indevido de dados colhidos pelas plataformas. A onda de techlash, como o jornal “The Economist” definiu o aumento de um sentimento negativo generalizado em relação às gigantes de tecnologia, veio a reboque do escândalo da Cambridge Analytica, que envolveu o uso de informações pessoais de 87 milhões de usuários do Facebook para influenciar eleições em diversos países no mundo.
Embora negue a associação, depois do processo, Zuckerberg reposicionou sua companhia. Hoje Meta, em referência ao novo foco do negócio no Metaverso, embora esta frente ainda represente 2,5% do faturamento do grupo, conforme dados do primeiro trimestre. O executivo prepara para 9 de maio a inauguração da primeira loja física da Meta, no campus Burlingame, onde fica a sede na Califórnia. O espaço de 1.500 metros quadrados funcionará como uma vitrine para os produtos com tecnologias imersivas, úteis para interação no novo ambiente virtual, como óculos de realidade aumentada e outros dispositivos.
Neste mês, a empresa anunciou que pretende cobrar taxas de 47,5% para transações realizadas nos mundos virtuais das suas plataformas. As vendas na Meta Quest Store, loja de jogos e apps, terão taxas de 30%. Já os produtos digitais comercializados no Horizon, um de seus universos, pagam 17,5% ao conglomerado. As tarifas estão bem acima do praticado no mercado.
Mas a novela com os dados ainda não foi superada. Pelo contrário, ganhou novos contornos recentemente. Um documento interno vazado por funcionários da equipe de engenharia de privacidade da Meta mostra que a empresa não tem ideia de como gerenciar os dados dos usuários daqui para frente. Os profissionais indicam que há riscos de a companhia “ser pega em contradição” pelos reguladores ao assumir compromissos que não poderá cumprir.
Alphabet se inspira em Microsoft para virar o jogo no Congresso dos EUA
A dona do Google, por sua vez, seguiu outro caminho. Segundo apuração da “Bloomberg”, a Alphabet está apostando no diálogo com congressistas norte-americanos – o famoso lobby -, a exemplo do que fez a Microsoft, que saiu ilesa dos últimos escândalos. “As novas leis pensadas para regular o poder de mercado da tecnologia não afetam muito os negócios da Microsoft, embora seja a segunda empresa mais valiosa dos EUA”, relata a matéria.
A nova missão da equipe de relações governamentais da Alphabet é estudar o que a Microsoft tem feito e o porquê seu trabalho funciona tão bem. Uma fonte ouvida pela reportagem aponta que há um abismo entre as abordagens das gigantes de tecnologia que surgiram no século 21 e as que já atuam há mais tempo no mercado. “É a diferença entre conversar com alguém com respostas automáticas e uma pessoa que está ouvindo o que você tem a dizer”, disse à “Bloomberg”.
Os investimentos reportados pela Alphabet destinados a atividades de lobby caíram 44% entre 2018 e 2019, saindo de US$ 21,2 milhões para US$ 11,8 milhões. Mas o Google está sob investigação no Departamento de Justiça dos EUA por possível conduta antitruste e batalha contra duas propostas em trâmite no Congresso que podem forçá-lo a mudar seus serviços de busca e a loja de aplicativos. A pressão, especialmente considerando a dependência da operação da coleta de dados, pode ter levado a companhia a rever sua política de relacionamento.
Por ora, a única vantagem que o Google conta em favor da sua popularidade nas terras do Tio Sam é o fato de “não ser o Facebook”, conforme apontam os congressistas e fontes ouvidas pela “Bloomberg”. Nenhuma das empresas quis comentar o caso à agência de notícias.
Conta para o Google e para a Meta chega junto com crise global
Diante da crescente desconfiança do mercado sobre o negócio das big techs, a Alphabet já antecipou medidas. A companhia anunciou na terça-feira a abertura do programa de recompra dos próprios ativos na bolsa. O conselho de administração da big tech aprovou destinar nada menos que US$ 70 bilhões para a compra das ações. A saída é um remédio para atenuar a queda do preço de suas ações no mercado.
Meta e Google, da Alphabet, diferenciam-se de seus pares no setor – como a própria Microsoft, que agradou na apresentação do seu primeiro trimestre – por dependerem quase exclusivamente da venda de anúncios. Com a retomada das atividades sociais e, principalmente, com o aumento da concorrência e a crescente pressão dos órgãos reguladores, a sua lua de mel com o mercado está perto do fim. Mais ainda: em um cenário macroeconômico adverso, a paciência de investidores está sempre beirando o limite. É que a conta chegou para o setor e é hora de entregar resultados à altura das expectativas.