As iminentes mudanças climáticas cada vez mais radicais, somado às perspectivas conservadoras em consenso no mercado sobre o crescimento econômico para 2024, levam os analistas a projetar uma onda de adesão às práticas ESG durante o próximo ano. Especialistas consultados pelo BP Money apontam que a tendência deve acontecer tanto por parte dos investidores, que devem aplicar mais em empresas com focos sociais, governamentais e sustentáveis, quanto pelas próprias empresas, que estão cada vez mais propensas a se interessar pelas pautas.
Os números não deixam mentir. Entre 2021 e 2026, é projetado um aumento de 12,9% ao ano nos fundos de investimento globais focados em ESG, passando de US$ 18,4 trilhões para US$ 33,9 trilhões. Esses investimentos representarão aproximadamente 21,5% do total de ativos gerenciados globalmente, conforme dados da consultoria PwC.
Essa tendência de crescimento não é exclusiva do cenário internacional. No Brasil, uma das principais direções corporativas esperadas para o próximo ano é a agenda ESG. É o que aponta outro estudo, desta vez pela EY, com foco no cenário doméstico, que afirma que 99% dos investidores utilizam as divulgações ESG das empresas como parte de suas decisões de investimento.
Além disso, o levantamento também aponta que 78% dos investidores consultados defendem que as empresas devem realizar investimentos voltados para questões ESG que sejam pertinentes aos seus negócios, mesmo que isso resulte em uma redução nos lucros em um horizonte de curto prazo. Dessa maneira, torna-se fundamental antecipar as direções relativas ao assunto para o ano seguinte e estar devidamente capacitado para gerenciar investimentos e questões de ESG em 2024.
Em linha com a pesquisa, a diretora da Potencia Ventures, fundo de investimento para negócios de impacto social fundado e liderado por mulheres, Itali Collini, explica que a crescente adesão das empresas ao ESG se dá a diversos fatores.
“As mudanças climáticas, as pressões dos investidores, mudanças regulatórias e também a pressão dos consumidores, continuam sendo motivos que levam as empresas a adotar práticas ESG. É um conjunto de variáveis, um cenário que pressiona as corporações a pensarem nessa agenda ESG”, disse a especialista em resposta ao BP Money.
“Questão de sobrevivência”
A conscientização ambiental já não é mais uma pauta negociável. O meteorologista e sócio-fundador do Climate Change Channel, Carlos Magno do Nascimento, afirmou que a adoção das empresas pela agenda ESG surge como uma “questão de sobrevivnecia”. Ele explica que as companhias percebem com mais clareza que aquelas que adotam práticas de sustentabilidade e demonstram responsabilidade ambiental tendem a ganhar vantagem competitiva no mercado.
“A conscientização cada vez maior sobre a importância do meio ambiente e o impacto das mudanças climáticas faz com que clientes e parceiros de negócios prefiram empresas que sejam éticas e sustentáveis, comportamento que está diretamente associado aos princípios ESG”, destacou.
O especialista salientou que a questão é conversada tanto pela parte empresarial, quanto pela parte governamental. Os governos e órgãos reguladores estão implementando políticas e regulamentações relacionadas ao clima e às emissões de carbono para reduzir os impactos ambientais. Esse movimento cria pressão para que as empresas busquem reduzir suas emissões de gás carbônico a fim de cumprir obrigações legais e assim evitar o custo de multas e outras penalidades.
Collini completa afirmando que conforme as discussões macros vão acontecendo entre os países, as regulações vão se ajustando para entender como mensurar as emissões de carbono compensação desse gás. “As empresas vão continuar estabelecendo metas ou para uma minimização ou para uma compensação dessas emissões”, disse.
ESG como resiliência empresarial em época de crise
Nascimento explica que as mudanças climáticas trazem riscos financeiros significativos para as empresas que precisam lidar com eventos climáticos extremos, como escassez de recursos naturais, aumento dos custos de energia e flutuações regulatórias. E nestes cenários de incerteza entram as práticas ESG.
“É justamente porque as práticas ESG consideram riscos ambientais, sociais e de governança. Por isso essa estratégia se torna uma estratégia de longo prazo, que pode dar maiores retornos do que a média do mercado”, disse a diretora da Potencia Ventures.
Collini completa ressaltando que as companhias que possuem práticas ESG geralmente são mais resilientes a momentos de crise. Ela cita o memento pandêmico como referência. Neste período, foi visível as perdas no mercado financeiro, porém o conjunto de empresas que tinham práticas ESG, e mensuram ou de alguma maneira tentam mitigar esses riscos, foram as empresas que ficaram nos patamares entre as mais resilientes durante este cenário de retração.
Um estudo de 195 empresas na B3, representando 95% da capitalização de mercado, investigou a relação entre práticas ASG (sigla ESG traduzida ao português) e os retornos anormais das ações. Esses retornos anormais foram calculados em torno de três eventos-chave relacionados à COVID-19 no Brasil. Empresas que aderiam a práticas ASG, especialmente aquelas com governança mais sólida, demonstraram um desempenho superior durante a pandemia, conforme evidenciado pela análise dos eventos e seus impactos nos retornos das ações.
Durante a pandemia, o desempenho superior das empresas não se mostrou associado apenas à governança corporativa isolada. Empresas que adotaram práticas ASG de forma abrangente apresentaram um desempenho superior, enquanto aquelas focadas apenas em melhorar a governança, sem aprimorar seus padrões ambientais e sociais, não registraram maiores retornos anormais durante esse período desafiador.
ESG: Uma estratégia vencedora para investidores
“O investidor ganha resiliência no portfólio de investimento ao decidir alocar parte dos recursos ou todos, em empresas que têm práticas ESG. Além de ganhar essa resiliência, no longo prazo ele pode vir a sobrepor formar em relação aos fundos e outros portfólios que ainda estão nas práticas de investimento anteriores”, avalia a especialista.
Ambos profissionais destacam que as companhias com boas práticas de ESG reconhecem que questões ambientais, como o aquecimento global, têm o potencial de afetar os resultados financeiros das empresas no longo prazo. Isso se fundamenta no reconhecimento crescente de que tais estratégias não só geram impactos positivos no mundo, mas também se traduzem em benefícios financeiros tangíveis para os investidores.
Investir em empresas comprometidas com questões ambientais, sociais e de governança não se trata apenas de responsabilidade social corporativa; é uma estratégia inteligente para os investidores. Empresas que integram efetivamente esses princípios tendem a demonstrar maior resiliência a riscos, são mais propensas a evitar controvérsias e têm maior probabilidade de capitalizar em oportunidades emergentes no mercado.
Além disso, os especialistas pontuam que a adoção de práticas ESG muitas vezes leva a uma gestão mais eficiente dos recursos, redução de custos operacionais e, consequentemente, a uma maior competitividade no mercado. Empresas comprometidas com esses princípios também tendem a atrair talentos qualificados, visto que o engajamento com as questões socioambientais é um atrativo significativo para funcionários e consumidores cada vez mais conscientes.
Dessa forma, a integração bem-sucedida de práticas ESG não apenas fortalece a posição ética e social das empresas, mas também contribui para uma base financeira sólida e sustentável, criando valor a longo prazo para os investidores.