KeyCash segue sem pagar salários atrasados a funcionários

Fintech de crédito imobiliário deixou de pagar o primeiro salário no dia 5 de agosto de 2022. Em novembro, segundo ex-funcionários, houve uma demissão em massa, onde alguns receberam os pagamentos, mas outros seguem no aguardo

A fintech de crédito imobiliário, KeyCash, segue sem pagar os salários devidos aos colaboradores. No dia 23 de novembro de 2022, o jornal “Estadão” noticiou que a companhia estava desde o dia 5 de agosto sem honrar com seus compromissos financeiros. Segundo ex-funcionários ouvidos pelo BP Money, dois dias antes da publicação da reportagem, no dia 21, a fintech realizou uma demissão em massa, onde alguns receberam os pagamentos, mas outros ainda seguem no aguardo até a presente data.

“A gente foi pago em torno de 20% no comecinho de dezembro. E eles vieram com uma conversa que até 31 de janeiro a gente iria receber o remanescente. Mas não recebemos e eles deram um novo prazo para dia 3 de fevereiro. Eles também não pagaram e não deram sinal de vida, fingiram que nada está acontecendo. Meu sentimento é de que a gente vai tomar um golpe”, disse uma fonte que preferiu não se identificar.

Essa mesma fonte relatou que está para receber cerca de R$ 36 mil, aproximadamente. Outra fonte anônima que não quis se identificar, informou que a dívida com ela gira em torno de R$ 22 mil. Uma terceira ex-funcionária afirmou que a empresa também deve para ela por volta de R$ 36 mil. Todas as fontes foram demitidas na leva de novembro e receberam, entre os dias 7 e 8 de dezembro, 20% do salário devido, mas aguardam os valores acima restantes, que correspondem a 80% da dívida.

Ainda segundo informações apuradas pelo BP Money, funcionários com cargos mais baixos e, consequentemente, salários menores, foram os que receberam os pagamentos integrais após a rescisão dos contratos, enquanto outros tiveram que negociar informalmente através desse acordo de duas parcelas, sendo a segunda parcela para o dia 31 de janeiro (o que não foi cumprido).

“Para mim, eles pagaram tudo que deviam, foram quatro salários e meio, mais as férias do meu estágio. Esse pagamento foi em dezembro. Me pagaram em valor integral, mas meu salário era baixo, não era um valor muito grande. Pelo o que eu sei, esses quatro salários e meio meus não equivalem a um mês de alguns cargos médios por lá”, informou uma quarta fonte.

Posicionamento da KeyCash

No ano passado, ao Estadão, a empresa confirmou o atraso dos salários, mas disse que seriam “atrasos pontuais”. Contudo, ex-colaboradores afirmaram que quase 100% da empresa ficou sem salário durante os quatro meses e meio até o dia demissão em massa. Ao BP Money, a assessoria informou que a KeyCash “preferia não se posicionar” atualmente.

Em nota, na primeira vez questionada, a companhia disse que o motivo do não pagamento seria um atraso em uma nova rodada de investimentos, que estava em seu cronograma. “Houve um descompasso entre o início e conclusão dessa captação, planejada desde 2021, em função de um cenário macroeconômico mundial desafiador e que atingiu o setor de tecnologia como um todo”, informou a empresa ao Estadão.

Em outubro de 2021, a fintech recebeu um aporte de R$ 185 milhões em uma rodada de investimentos liderada pelo Banco Modalmais (MODL11), que passou a ser sócio da empresa com uma fatia de 11%.

À época, como explicação, a KeyCash informou que esse montante não foi destinado à parte operacional da companhia, ou seja, não foi direcionado para o pagamento de salários e que o investimento aguardado seria outro. Procurado pelo BP Money, o Modalmais afirmou que “como acionista minoritário na KeyCash, o Modal não tem ingerência no dia a dia dos negócios da companhia, os quais seguem sob a responsabilidade dos controladores da KeyCash”. O banco também não confirmou se ainda detém os 11%.

Entre dúvidas e falta de transparência, os ex-funcionários disseram que o CEO nunca foi claro sobre o que estava acontecendo. Para eles, foi passada a informação de que o banco Modalmais teria relação com esse novo investimento.

“Eles avisaram que estavam com uma questão financeira e que esperavam resolver tudo em uma semana com o Modal”, disse uma das fontes. “Muito provavelmente o banco Modalmais não quis fazer o aporte que seria para realizar os pagamentos dos salários, porque depois de R$ 185 milhões não era pra acontecer algo assim, né?”, ressaltou outra fonte.

Começo das dívidas

No dia 5 de agosto, data do pagamento dos funcionários, os ex-colaboradores relatam que fizeram uma reunião com o CEO, Paulo Humberg. Nesse dia, Humberg avisou que o salário iria atrasar e que “não adiantava cobrar o RH”. A partir desse dia, diversas promessas foram feitas pelo CEO sobre a quitação das dívidas ao longo de todos os meses entre agosto e novembro, mas nenhuma foi cumprida até o dia 21 de novembro, quando houve a demissão em massa e alguns funcionários receberam.

“[Durante esses meses], a gente ficou trabalhando normal, tudo normal, ninguém nem pensou em diminuir o ritmo, inclusive estávamos trabalhando bastante […] Logo depois dessa primeira reunião, eles falaram que enquanto não resolviam essa pendência dos pagamentos, eles entendiam que ir para o escritório era um gasto, e que não precisava ir ninguém […] Eles [KeyCash] passaram a não ter dinheiro para nada, inclusive eu não sei nem se eles tem, hoje, dinheiro para pagar o aluguél do imóvel, que é em um lugar caro de São Paulo”, disse uma das fontes anônimas.

De acordo com os relatos, ao questionarem seus supervisores sobre previsões de pagamento, as respostas eram sempre “não sei”. Os colaboradores também recebiam uma espécie de vale-alimentação chamado ‘cartão flash’, onde, segundo eles, o pagamento foi cumprido, mas depois também começou a atrasar. Atualmente, desde o atraso na parcela do dia 31 de janeiro, os funcionários comentam sobre a comunicação estar cada vez mais difícil com a KeyCash.

“Perdemos todos os acessos na empresa e a única forma de contato era com a funcionária do RH, que fiquei sabendo que está saindo da empresa. Dessa forma, não tem com quem falar lá […] E eles enrolaram quatro meses dizendo que ninguém seria demitido e a empresa está jogada às traças, devolveram até o imóvel se bobear. O desdobramento será no tribunal no fim das contas!”, relatou outra das fontes.

Demissões na KeyCash

Até julho, a fintech contava com cerca de 100 colaboradores. Após o primeiro não pagamento, ex-funcionários relataram que se iniciaram demissões e cerca de 30% do quadro foi cortado. À época, o “Estadão” informou que a KeyCash havia confirmado as demissões, mas havia dito que seriam “demissões pontuais”. No dia 21 de novembro, conforme apurado pelo BP Money, houve uma demissão em massa onde cerca de 40 pessoas foram desligadas.

“Não estou mais na empresa, fui ‘demitida’ (se é que se pode dizer isso de uma empresa que não estava pagando). Aguardei uma resolução até quase o fim de novembro e então, o CTO da empresa me chamou em uma call e me disse: ‘Obrigada pelo seu trabalho, você estava se destacando, mas infelizmente, com a situação que estamos passando, optamos por te desligar. E isso levou dois minutos! Questionei sobre o pagamento dos salários atrasados e a mesma resposta de sempre ‘não tem prazo, mas vamos acertar pelo seu trabalho até a data de hoje’”, disse uma das fontes que ainda não foi paga por completo.

Ao BP Money, os ex-funcionários informaram que, até o seu conhecimento, todos trabalhavam em regime de Pessoa Jurídica (PJ). Também foi relatado que, entre todos os meses (agosto a novembro) algumas pessoas pediram para se desligar ou os contratos se encerraram neste meio tempo.

Indignação dos funcionários e endividamento

“Quando eu entrei, eu lembro de perguntar para um dos meus pares se a startup era financeiramente saudável, porque eu tinha muitos planos de crescimento na minha área. Eu queria sentir a situação para ver se eu poderia seguir inovando para a empresa. E a pessoa me respondeu que eles haviam recebido um aporte de cerca de R$ 185 milhões e que dinheiro tinha”, disse a terceira fonte. 

Com a piora na situação, as fontes comentam que começaram a se endividar. Segundo elas, muitas pessoas precisaram pedir ajuda a familiares e pegar empréstimos em bancos. O Estadão, à época, relatou que “teve funcionário que vendeu o carro”. Ao BP Money, os relatos também envolvem dificuldades financeiras.

“Se eu passei necessidades básicas? Não, mas não por mérito da empresa. Eu tinha uma reserva financeira e utilizei quase na totalidade para pagar minhas contas e os impostos da minha empresa (porque ser PJ incorre em gastos tributários). Mas foi um período muito difícil e se eu não tivesse suporte financeiro de um familiar, teria me enroscado financeiramente sim (como muitos colegas acabaram enroscados)”, comentou uma das fontes.

Ao consultar a plataforma de avaliações de empresas e busca por vagas, Glassdoor, é possível encontrar posicionamentos de ex-funcionários que acusam a empresa sobre o não pagamento dos salários, além da falta de transparência de informações e “falsas promessas” de quitação das dívidas. Na avaliação geral, a empresa recebeu 2,7 pontos.

História

Criada em 2017, a KeyCash surgiu com a proposta de oferecer crédito através da estratégia de dar a possibilidade dos clientes usarem seus imóveis como garantia para empréstimos a juros menores (home equity). Ela surgiu de um aporte de US$ 10 milhões e, em consulta ao CNPJ atualmente, é possível verificar o capital social de R$ 38.654.456,89.

A fintech foi criada por Paulo Humberg, além dos empresários Clarissa Vieira (ex-EY), Alessandro Silva (ex-Grupo Zap), Caio Deutsch (ex-EY) e Eduardo Tinari (ex-Grupo Zap). Ao ser contatada pela reportagem, Clarissa Vieira afirmou estar se desligando da empresa.

Humberg é um nome conhecido no mercado, já que é considerado um dos pioneiros da internet brasileira, além de ter fundado a ShopTime, em 1994, e o marketplace Lokau.com, em 1999. Em entrevista ao podcast Do Zero ao Topo, ele afirmou na época de construção da KeyCash: “A minha aposta é que a KeyCash vai ser meu maior negócio até hoje, porque é um mercado que tem trilhões de reais na mesa”.