Le Biscuit: surge nova Ricardo Eletro e Insinuante?

Para especialistas ouvidos pelo BP Money, processo de fusão se assemelha no objetivo de ganhar market share

A Le Biscuit (LLBI4) e a Casa & Vídeo (CVRJ4) concluíram seu processo de fusão na última sexta-feira (28), aumentando o alcance territorial das marcas, uma vez que uma companhia opera no Sudeste, enquanto a outra está no Nordeste. A expectativa dos mandatários é de que a aquisição deve proporcionar ganhos de sinergia de R$ 150 milhões em cinco anos para as empresas. 

O caso remete ao processo da aquisição da Insinuante pela Ricardo Eletro, ocorrido em março de 2010, que culminou na criação do grupo Máquina de Vendas. Isso porque as companhias viraram uma gigante do varejo, com mais de 1,2 mil lojas, faturamento de R$ 9,5 bilhões e 28 mil funcionários.

Em processo semelhante, a Le Biscuit e a Casa & Vídeo irão formar o CVLB – união das duas primeiras letras de cada rede, segundo informações do “Valor Econômico”. O novo grupo empresarial também passa a ter uma maior capilaridade, com mais lojas, o que chama a atenção para o mesmo caminho da Ricardo Eletro com a Insinuante, segundo a assessora de investimentos na WIT Invest, Mariana Pulegio.

“O processo de fusão ocorreu e agora, juntas, as duas empresas possuem quase 400 lojas espalhadas por 14 estados, também muito similar a capilaridade da Ricardo Eletro com a Insinuante. A Le Biscuit também foi fundada na Bahia como a Insinuante, por isso muitos estão fazendo alusão a essa comparação com a fusão da Ricardo Eletro com a Insinuante”, explicou Mariana.

Ambos os novos grupos visaram o alcance

A Ricardo Eletro, segundo o Estadão, foi fundada pelo empresário Ricardo Nunes, em 1989 em Divinópolis (MG). Em 2010, a Ricardo Eletro se fundiu com a varejista Insinuante e criou o grupo Máquina de Vendas com o objetivo de ganhar market share e penetrar no Nordeste e Sudeste, assim como a Le Biscuit e a Casa & Vídeo desejam.

“No dia 29 de março de 2010, a rede Insinuante sediada na Bahia e a mineira Ricardo Eletro anunciaram a fusão. A estimativa de faturamento anual girava em torno de R$ 4 bilhões, ultrapassando a Magazine Luiza. Essa fusão entre as duas empresas foi uma reação ao avanço do grupo de Abílio Diniz. A ideia seria focar no Sudeste e concentrar para ganhar o mercado em São Paulo e no Rio de Janeiro”, explicou Mariana.

“Na época da fusão com a Insinuante, o acordo foi uma frente para combater o crescimento de Abílio Diniz diante do Grupo Pão de Açúcar, que acabou ganhando a concorrência da compra do Ponto Frio, inclusive, participaram dessa negociação a própria Insinuante e a Magazine Luíza. A ideia na época era consolidar o público do Nordeste, como classe emergente de consumo e aumentar o mix e penetração regional no Sudeste”, completou o especialista em varejo, sócio da B12 Filmes e investidor anjo na Field Pro, Andy Kawamoto.

Entre pontos que se convergem e divergem, Kawamoto explica que a Le Biscuit com a Casa & Vídeo é “um caso de consolidação” para melhorar o mix de produtos, o que se assemelha à fusão da Ricardo Eletro e Insinuante. Contudo, para ele, a Ricardo Eletro fez um movimento diferente de digitalização muito forte, abandonando um pouco a operação no mundo físico. “A Le Biscuit e a Casa & Vídeo já são um pouco mais maduras nesse sentido”, disse o especialista.

“O ganho de sinergia pode se consolidar com a junção dos mercados do Nordeste, onde a Le Biscuit é forte, e Sudeste, em que a Casa & Vídeo possui maior penetração. Em um mercado em que o custo de capital é alto, o pequeno acaba sofrendo mais e esse tipo de movimento ajuda a ganhar market share e se consolidar em regiões específicas”, completou.

Ainda segundo ele, as operações podem ganhar sinergia com uma gestão mais unificada, apesar do comportamento de consumo ser bem específico em cada região. “O mais interessante, é que o novo grupo denominado CVLB, pode correr por fora para ganhar uma fatia de mercado de operações que estão sofrendo um pouco mais hoje no físico, como a própria Casas Bahia. Um movimento interessante que vale acompanhar de perto”, finalizou.

Entenda o que aconteceu com a Ricardo Eletro

Após chegar em seu auge, em 2014, faturando R$ 9,5 bilhões com 1,2 mil lojas e 28 mil funcionários, os planos começaram a desandar. Em 2015, os problemas financeiros começaram, coincidindo com o período de recessão econômica do Brasil. Três anos depois, em 2018, a companhia pediu recuperação extrajudicial devido aos bilhões de reais tomados em empréstimos com bancos e fornecedores.

As dívidas da companhia chegaram a R$ 4 bilhões, além de mais R$ 1 bilhão em impostos. Em 2019, Nunes deixou a empresa para virar coach internacional, vendendo sua participação para o empresário Pedro Bianchi, então sócio do fundo Starboard – que largou seu cargo para focar na Máquina de Vendas.

Na pandemia, o cenário piorou, e Bianchi decidiu fechar todas as lojas físicas de acordo com o Estadão. Restou à Maquina de Vendas apenas com o e-commerce criado em 2009, mas que não vingou e tem déficit de produtos disponíveis, com várias categorias sem nenhum item à venda – como eletrodomésticos, que era o produto principal da companhia.

No dia 9 de junho de 2022, a Justiça de São Paulo decretou a falência da Máquina de Vendas. O juiz do processo de falência definiu que o grupo não teria mais viabilidade econômica e que houve um esvaziamento patrimonial da operação, especialmente depois do fechamento das lojas durante o período de pandemia.

Entre 2021 e 2022, a companhia passou por uma reestruturação e, de 28 mil funcionários no auge, reduziu sua operação para 40 pessoas. Também mudou o sistema usado no seu e-commerce, na esperança de que as vendas online representassem o início da retomada da empresa. A ideia era, inclusive, retomar a operação de lojas físicas em 2023. Para Bianchi, segundo o Estadão, os planos continuam mesmo com a decisão de falência decretada pelo juiz

A Le Biscuit pode seguir para o mesmo fim?

Para os especialistas Mariana e Kawamoto, a pandemia, somado a má gestão foram os fatores-chaves para a falência da Ricardo Eletro. Contudo, a situação da Le Biscuit não mostra indicativos semelhantes de falta de estratégia e crise gerencial, além de estar em outro momento sócio-político, já no fim da pandemia.

“A Ricardo Eletro enfrentou um momento bem delicado na pandemia, o que de fato o cenário não ajudou. Foi definido que o grupo não teria mais viabilidade econômica depois do fechamento das lojas exatamente durante o período de pandemia. Não acredito que seja um mal sinal para a Le Biscuit pois o cenário é diferente, e o momento em que eles estão enfrentando a fusão é outro momento”, enfatizou Mariana.

“[A fusão com a Insinuante] não foi essa a causa da falência. Isso é produto de anos e anos de uma gestão seguindo uma cultura organizacional que, em determinado período, pode não conversar mais com o momento de consumo. O fato da companhia já estar passando por dificuldades financeiras que vieram à tona mais tarde, já mostra que os sintomas foram ignorados lá dentro”, completou Kawamoto.

Apesar do cenário desafiador, segundo Kawamoto, para o varejo brasileiro, com o crédito mais restrito e o nível de inadimplência ainda elevados, ele ainda posiciona sua visão na gestão da empresa. Para ele, a chave da sobrevivência no mercado, principalmente quando há um número tão grande de operações e dificuldade de conseguir gerir geografias distintas, com um mix de produtos grande e enorme quantidade de pessoas, é a cultura.

“Quando isso se alinha, os ventos podem ajudar a acelerar esse ganho de market share. Vale lembrar que o varejo no Brasil ainda é muito pulverizado, principalmente nas classes mais baixas, onde a Le Biscuit atua muito bem. Além de bem posicionada no mundo físico, pode ganhar uma fatia importante e disputada do varejo digital. Para isso, é fundamental o ganho de sinergia de mix”, finalizou.