Marketplace: aumento da concorrência encarece corrida, mas brasileiras seguem na liderança

Segundo analistas, penetração no mercado, rede de lojas e elo com as marcas colocam Magalu, Via e Americanas em vantagem na disputa pelo varejo digital, mas rivais estão no encalço

A corrida dos marketplaces no Brasil não é uma disputa óbvia. Apesar de Mercado Livre (MELI34) e Amazon (AMZO34) serem dois titãs do comércio eletrônico no plano internacional, por aqui, encontram resistência para crescer. Magazine Luiza (MGLU3), Americanas (AMER3) e Casas Bahia, da Via (VIIA3) equilibram forças com esses agentes, impedindo que haja uma plataforma hegemônica no varejo digital no País. O resultado é que essas empresas têm se deparado com um mercado mais acirrado, o que encarece a atração de vendedores para os seus e-commerces.
 
Isso porque a briga pelo mercado hoje depende fundamentalmente da construção de um ecossistema rico de sellers (os vendedores terceirizados), porque são eles em boa parte responsáveis pela variedade de ofertas e expansão da rede nas plataformas.

Em 2020, o Mercado Livre (que parou de reportar o número nos relatórios mais recentes ao mercado) divulgou que tinha 3,4 milhões de vendedores na sua plataforma. Naquela época, a Via tinha 6 mil sellers, e o Magazine Luiza, 26 mil. De lá para cá, há sinais de que as peças do jogo se mexeram. No início deste ano, as varejistas brasileiras tinham 138 mil e 180 mil vendedores terceirizados, nesta ordem, saltos de 23 vezes e sete vezes sua base dois anos atrás, respectivamente. Já o ecossistema de sellers da Americanas neste início de ano cresceu 38% contra o mesmo período do ano passado, chegando a 132 mil vendedores hoje.

Como as plataformas costumam cobrar taxas de comissão, não é de se estranhar que a maioria dos vendedores opte por estar presentes em um ou dois marketplaces, no máximo. Seguindo essa lógica, apesar do salto para o digital durante a pandemia, com o aumento da concorrência, muitos sellers devem ter migrado de plataforma. Ao menos o cenário nos permite concluir que o ecossistema de comércio eletrônico está um pouco menos concentrado hoje – se considerarmos a disputa entre as grandes varejistas. 

Ainda assim, esses sellers já são responsáveis por grandes cifras nessas operações, com 50% a 66% do GMV das maiores varejistas. 

Neste primeiro trimestre, as vendas de terceiros na plataforma da Americanas responderam por R$ 6,2 bilhões em GMV, 45% do total on e offline. No Magalu, os sellers bateram R$ 3,6 bilhões entre janeiro e março, e, na Via (Casas Bahia e Ponto), alcançaram R$ 1,16 bilhão. O Mercado Livre não apresenta o recorte do seu volume bruto em vendas por país, mas estima-se que o Brasil corresponda à metade do montante transacionado na plataforma. No período, a companhia alcançou GMV de US$ 7,66 bilhões.

Já a Amazon, entre os gigantes dada a relevância da sua operação global, tem em torno de 5% do mercado no Brasil, segundo estimativas de analistas. A empresa representa mais de 49% do setor de varejo eletrônico nos Estados Unidos, mas ainda não fez uma aposta à altura para avançar dessa forma aqui no País. 

Além da forte concorrência, a complexidade da estrutura fiscal e tributária do nosso mercado são alguns dos fatores que aumentam as dificuldades para fincar os pés nas terras canárias. Mais que isso, o fato de não termos um consumo tão digitalizado – no Brasil, as vendas do e-commerce não chegam a 15% de todo o faturamento do varejo – criou uma espécie de bolha, que agora está murchando, segundo analistas ouvidos pelo BP Money. 

“Há um reajuste no ritmo e velocidade da penetração do digital”, avaliou Danniela Eiger, líder de varejo e de equity research na XP.  A especialista explica que a tendência é que o segmento se estabilize em um patamar maior que o pré-pandemia, mas possivelmente abaixo das expectativas de mercado. “A dinâmica de penetração nos próximos anos deve ser mais gradual do que se esperava.” 

Disputa mais acirrada pelos sellers acende alerta para o aumento de custos

É diante deste acirrado ambiente que as grandes varejistas disputam consumidores e parceiros. Tanto que o Magazine Luiza tem repetido ostensivamente seu mote de “digitalizar o mercado brasileiro”. A empresa enxerga aí uma avenida de crescimento estratégico para ganhar mercado: segundo levantamento da varejista, o País tem 6 milhões de estabelecimentos comerciais, dos quais apenas 300 mil vendem em marketplaces. 
 
Por isso, a companhia de Luiza Helena Trajano vem transformando suas lojas em espécie de “caçadoras de CNPJs”. No fim do ano passado, a companhia lançou uma campanha liderada pela sua fundadora para atrair pequenos e médios varejistas de cidades fora do “cinturão digital” do País. Com o “Caravana Magalu”, a empresa está reforçando a iniciativa, que envolve até mesmo a equipe de loja, para atrair sellers para o seu marketplace. 
 
Para Danniela, a campanha já é um reflexo do aumento da competição por clientes nas plataformas. “No fim do dia, é uma estratégia que tenta ser mais econômica para atrair esses sellers. A disputa hoje não é apenas com as plataformas de e-commerces, mas também com fintechs e outras empresas.”

Com o aumento dos gastos, a briga vem ficando entre os grandes: Magazine Luiza, Americanas, Via e Mercado Livre. Além de movimentarem as grandes cifras do e-commerce no País, foram os que conseguiram se consolidar de forma relevante no varejo digital. 

Americanas e Via também já colocaram seus planos no papel e indicam ao mercado que um dos caminhos que devem seguir para ganhar market share no varejo é acelerar a atração dos vendedores terceirizados. Mas tamanho fôlego para a disputa, dado o aumento dos custos nas operações, acende um alerta no mercado: “pelo menos neste primeiro semestre, ainda há uma dinâmica desafiadora para essas empresas com o cenário macroeconômico, por isso temos recomendação neutra para todas”, apontou a líder de varejo da XP.

As varejistas queimaram bastante caixa no primeiro trimestre, um reflexo deste cenário, o que desagradou investidores. Os planos de expansão seguem robustos em todas as companhias, mas o que deve sustentar o crescimento é a diversificação de canais, que deve ajudar na geração de caixa, considerando a retomada das atividades presenciais. 

Neste sentido, Mercado Livre, apesar de gigante, fica para trás. “A empresa ainda não conseguiu construir um elo de atributos emocionais com o consumidor da mesma forma que as outras varejistas já têm, pela tradição no mercado”, avaliou Eduardo Tomiya, CEO da consultoria TM20 Branding. 

O especialista avalia que, contra Magalu, Americanas e Via, o marketplace argentino tem uma proposta de valor mais baseada na eficiência operacional e na funcionalidade da plataforma. “Só que a marca não consegue ter o nível de granularidade que as magazines”, explicou, em referência à presença de marca no território nacional. 

Tomiya defende que a combinação das experiências de loja física com o digital é cada vez mais importante. “A regra deste jogo é o omnichannel, e a maioria já entendeu o recado”. 

Ele lembra que a Amazon começou a investir em experiências em lojas próprias nos EUA porque entendeu que nem mesmo lá poderia depender exclusivamente do e-commerce. E mesmo o Mercado Livre já tem mais de 3 mil agências físicas no País para fazer o recebimento e despacho de produtos.

Ainda assim, as duas estão em séria desvantagem aqui no Brasil: sem a experiência de loja, Amazon e Mercado Livre precisam fechar uma lacuna se quiserem proteger sua fatia contra os avanços das rivais no setor. Para Tomiya, isso deve ser resolvido em breve. 

O Mercado Livre anunciou no início deste ano que alocaria R$ 17 bilhões em investimentos no Brasil em 2022 para reforçar a estrutura da sua fintech (o Mercado Pago) e aumentar a eficiência das entregas no seu marketplace. No ano passado, os aportes das varejistas brasileiras não superaram R$ 2 bilhões em CAPEX (as despesas de capital).

Retomada das vendas físicas não representa ameaça ao digital, avaliam especialistas

Mas a desaceleração do digital não significa sua retração, lembram os analistas. Para o CEO da consultoria TM20 Branding, os fundamentos do e-commerce são perenes. A questão na frente de operações físicas está muito mais ligada a um diferencial no mercado brasileiro. Danniela lembra que as lojas são relevantes até mesmo como pontos de apoio para a operação logística, servindo como pequenos centros de distribuição, e ajudam a reduzir os esforços para aquisição de clientes.
 
Neste sentido, a companhia de Jeff Bezos estaria em uma situação mais delicada, por não ter a mesma penetração no território que a rival argentina. Mesmo sem a operação em lojas próprias, Mercado Livre conta com uma operação logística incomparável. “Existe um Brasil em que a Amazon ainda não consegue e provavelmente não deve conseguir chegar”, disse Tomiya. Para ele, o diferencial da empresa norte-americana aqui poderia vir de experiências inovadoras, por meio de iniciativas no Metaverso, por exemplo, uma fronteira ainda pouco explorada pelas concorrentes. 

Uma possível aquisição da malha do Correios, que segue na agenda de privatizações do governo Bolsonaro, é quase carta fora do baralho para as varejistas, na avaliação de Tomiya. “Os grandes investimentos em logística já foram feitos. Não consigo imaginar nenhuma assumindo uma malha dessas hoje, porque significaria se responsabilizar por serviços fora do foco do negócio, como entrega de cartas”, disse. 

Seria mais lógico, portanto, que concorrentes do próprio setor, como UPS ou Fedex, assumissem a operação. “Mesmo a Amazon, por exemplo, construiu a malha própria nos EUA sem comprar uma grande empresa de transporte. Todas as varejistas querem ter domínio sobre a estrutura logística e dificilmente abrem mão disso”, avaliou o CEO da TM20 Branding. 
 
Mas o peso da operação física não diminui a relevância de Amazon e, principalmente, Mercado Livre entre os marketplaces no Brasil. Para Tomiya, Magazine Luiza, Via e Americanas devem continuar com as rivais sob o radar. Apesar de as brasileiras terem evoluído bem na corrida com fortes investimentos em omnicanalidade, não estão em posições confortáveis. E não levaria muito tempo para que uma dessas gigantes fechasse a lacuna no mercado.