Mercado erótico se expande com mulheres e descobertas do isolamento

Feel, Dona Coelha e pantynova acompanharam movimento e se consolidam no setor

Durante a pandemia de covid-19, os números do setor erótico e sexual aumentaram de forma sustentável. Em 2020, o valor estimado de vendas neste mercado foi de R$ 2 bilhões no Brasil, segundo levantamento da Abeme (Associação Brasileira das Empresas do Mercado Erótico e Sensual). Ainda, uma pesquisa da Loja Integrada (LI), plataforma para criação de lojas virtuais, apontou aumento de 146,53% em 2021 na demanda de clientes das sex shops registradas no sistema da plataforma, na comparação com o ano imediatamente anterior. 

Os números das pesquisas reforçam o que o mercado sente nos últimos anos. Em operação desde o final de 2020, em plena pandemia, a Feel,  femtech que desenvolve produtos naturais e veganos para o mercado de sexual wellness, soma um crescimento superior a 70%, com um volume de produção que aumentou quatro vezes desde janeiro do ano passado. 

“Hoje, temos um crescimento muito sustentável, de mais de 20% ao mês”, conta Marina Ratton, cofundadora da startup que recentemente se unificou à Lilit, fabricante de vibradores fundada por Marília Ponte. 

O crescimento fez com que a Feel fosse selecionada para o programa de inovação da GB Venture do Grupo Boticário, além de registar passagem pelo programa de aceleração da B2Mamy Aceleradora powered by Google for Startups.

O sexshop online Dona Coelha também vivenciou um aumento no número de vendas A alta de 475% em 2021, ante o mesmo período do ano anterior, ocorre graças ao aumento no consumo de conteúdo educacional pela internet – principalmente sobre sexo -, e da necessidade de vivenciar coisas novas e a oportunidade de se conhecer sexualmente, segundo os fundadores Natali Gutierrez e Renan de Paula. 

De acordo com Natali, as clientes da Dona Coelha, que vieram durante a pandemia, tinham dois perfis: o primeiro era de solteiras, que moravam sozinhas, e perceberam que era o momento ideal de olhar para a vulva e conhecer esse lado. O outro foi de casais que queriam fazer alguma coisa diferente. “Foi o momento das pessoas se permitirem a se conectar com a sexualidade”, explica Natali, CEO da Dona Coelha. 

Ainda, intensificar as relações, para o bem ou para o mal, também esteve em pauta. “Tivemos um grande número de divórcios durante a pandemia, mas foi também o momento de tentar coisas novas, como uma forma de apimentar as relações”, conta o sócio e cofundador, Renan.

Já Heloisa Etelvina e Izabela Starling, co-fundadoras do e-commerce pantynova, observaram esse aumento ainda antes da época de isolamento social. Para elas, isso foi muito impulsionado por movimentos feministas. 

“A partir dessa movimentação, as mulheres começaram a comentar sobre sexualidade e a entender a importância de buscar o próprio prazer”, diz Heloisa.

Assim, nos últimos três anos, a pantynova cresceu, em média, quase 400% e precisou buscar uma nova sede, além de ampliar o time, composto majoritariamente por mulheres e pessoas LGBTQIA+. 

“Esse crescimento acelerado fez com que a pantynova fosse a única empresa do segmento selecionada para participar do Scale-Up Consumer Goods Endeavor, por exemplo”, comenta Izabela.

Ainda assim, o crescimento do setor visto na pandemia e nos últimos anos não deve parar por aí. Segundo a consultoria Allied Market Research, a expectativa é que o mercado erótico cresça 5% ao ano até 2027. 

Observando gaps no mercado erótico

Marina Ratton cresceu com pais empreendedores, mas não cogitava seguir no meio, justamente porque sabia das dificuldades de empreender na prática. Foi trabalhando com tecnologia farmacêutica que ela percebeu diversos gargalos quando o assunto era a saúde feminina. 

“Ela não estava sendo tratada do modo que deveria, com a abordagem certa, ouvindo de fato as necessidades da paciente. Eu fiquei com esse incômodo e percebi que se não fizesse isso, iria me arrepender muito”, conta Marina. Foi assim que ela fundou a Feel.

Para Marina, apesar da indústria e do consumo do brasileiro estar se voltando cada vez mais para produtos naturais, os itens para a intimidade feminina ainda continuavam tóxicos e desatualizados.

“Esse setor ficou desassistido, e talvez isso tenha acontecido porque quem sente isso na pele não está na posição de mudar. Isso não é uma guerra, não deve ser, mas é muito difícil um homem entender o que é ter uma relação sexual com dor, porque a mulher sente isso quando não está lubrificada”, explica Marina. Foi com esse olhar, para a saúde da mulher, que a Feel passou a fabricar lubrificantes naturais.

Além disso, Marina reitera que a femtech está completamente inserida no mercado de sexual wellness, que visa distanciar o sexo e a masturbação de tabus, os aproximando da saúde e do bem-estar. Ela explica que, fisiologicamente, isso tudo está muito interligado no caso da mulher. 

“Na nossa sociedade, o sexo ainda é algo muito separado da saúde, mas para pessoas com vagina isso tem que ser muito integrado. Uma mulher que sente prazer contrai mais os músculos da região pélvica, e por consequência, ela vai ter essa região mais saudável e mais segura para o envelhecimento e até para não ter escape de urina, por exemplo”, conta Marina. Por isso, os lubrificantes da Feel não são apenas para a hora do sexo, e visam, de fato, ajudar na saúde da mulher.

Já o olhar de Natali Gutierrez e Renan de Paula, da Dona Coelha, para o setor de sexualidade foi um pouco diferente, e até mais íntimo. Após comprar produtos eróticos para testar a dois, o casal – de até então namorados – começou a escrever suas experiências em um blog. Assim nasceu uma comunidade e a necessidade de empreender. 

“Comecei a vender os produtos de porta em porta, na faculdade, para as amigas. O volume de pedidos foi aumentando, e então abrimos um e-commerce”, relembra Natali.

Foi na compra de produtos eróticos que Renan entendeu que a experiência do consumidor era ruim nesse setor, tanto em lojas físicas como em sites de sex shops. 

“Era muita objetificação da mulher. O prazer da mulher e até o prazer do casal era algo bem escondido. Como cliente, esse tipo de comunicação não fazia sentido pra gente”, conta Renan. 

Agora, a Dona Coelha não é apenas uma revendedora, como tem a própria linha de sextoys. A ideia veio também observando um gargalo do mercado, este relacionado a preços: ou o produto era muito caro, mas de ótima qualidade, ou barato e descartável. Assim, a sextech investiu R$ 2 milhões, apostando em acessórios sexuais acessíveis e de boa qualidade. 

“A gente entendeu essa abertura no mercado, e então lançamos a nossa linha própria, em 2019, com dez produtos”, conta Natali.

Os desafios de um setor rodeado de preconceitos

“Ser mulher e trabalhar com sexualidade é o grande desafio”, opina Natali, que já vivenciou diversas situações, no mínimo constrangedoras, como CEO da Dona Coelha. 

“Mas a dificuldade de se portar como negócio sério também estava presente. Hoje, o mercado está aumentando porque o bem-estar sexual está em pauta, mas se olhar 12 anos atrás, era muito mais difícil”, relembra.

Marina concorda e vai além. Empreendendo em um setor ainda mais específico, de lubrificantes e produtos íntimos naturais, a dificuldade começa no operacional. 

“Até encontrar a fábrica para desenvolver o nosso lubrificante foi muito desafiador. Mesmo com toda uma pesquisa, com protótipo, explicando o que a gente queria, eles ofereciam outra coisa, porque, para eles, era o que ‘a mulher gostava mais’”, conta. 

Mas não para por aí, conseguir captação também foi um processo complicado para a Feel. “Não era fácil ter que sentar com os investidores, homens, e dar uma aula sobre as necessidades sexuais e fisiológicas da mulher antes de apresentar os nossos números”, explica Marina. Mesmo assim, 90% dos investidores da femtech são mulheres. 

Renan, da Dona Coelha, também vê o problema com outros olhos. “Existe uma série de restrições nas redes que faz com que nosso conteúdo fique reservado a uma bolha, ou com que a nossa conta caia. O Tiktok, por exemplo, não aceita sextoys nos vídeos, e nossa conta foi suspensa por isso, mesmo sendo um conteúdo de educação sexual”, conta. 

Segundo ele, essas barreiras fazem com que muitos fundos de investimento olhem com certo temor para esse tipo de segmento. “Eles imaginam que é um setor muito restrito, ou não muito sustentável a longo prazo, o que a gente discorda”, finaliza Renan. 

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