Hurb: de possível IPO para uma crise; o que aconteceu?

Em meio a renúncia do CEO, João Ricardo Mendes, a plataforma de viagens enfrenta problemas para quitar seus pacotes comprados na pandemia, segundo especialistas

De planos para IPO (oferta pública de ações), para uma crise sem precedentes na agência de viagens online Hurb (antigo Hotel Urbano). Nos últimos dias, a empresa vem sendo um dos assuntos mais comentados da internet pelo até então CEO e fundador da empresa, João Ricardo Mendes, renunciar ao cargo após aparecer em um vídeo xingando um cliente que reclamava do serviço.

Segundo especialistas ouvidos pelo BP Money, além da crise de governança, o Hurb se encontra em uma situação onde “as contas não fecham”. Isso porque, durante a pandemia, a empresa começou a vender pacotes a longo prazo por preços muito baixos, o que foi bom para manter o caixa na época da Covid-19 – diferente dos concorrentes que sofriam com a redução drástica das receitas – mas que trouxe prejuízos futuros.

“O Hurb passou relativamente bem pelo início da pandemia, o que pode ser explicado pela sua capacidade de venda de pacotes a um prazo muito longo a valores baixos. Mas, hoje, a empresa tem que arcar com as obrigações contraídas naquele tempo e, ao que tudo indica, houve algum erro de planejamento que causou a atual crise que se desenha”, explicou o especialista em renda variável na WIT Invest, Cezar Antonio Gonçalves Filho.

A não entrega de pacotes de viagem resultou em uma notificação da Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor), órgão do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que determinou, na segunda-feira (24), a abertura de processo administrativo contra a empresa Hurb por desrespeito aos direitos dos consumidores. A plataforma tem até esta sexta-feira (28) para se explicar.

“Além da notificação, a empresa já enfrenta uma série de processos judiciais relacionados a atrasos e cancelamentos de viagens”, explicou a advogada empresarial, sócia fundadora do IZS Advocacia, Isabela Zimermam Scalli.

Antes da crise se instaurar, 2023 poderia ser o ano que, segundo o site Brazil Journal, o Hurb começaria o plano para abrir capital. Na época, a companhia nomeou Pedro Thompson como co-CEO e informou que ele seria o encarregado de estruturar a empresa para o IPO. “O Thompson traz uma bagagem de mercado que a gente não tem: ele já lidou com takeovers, IPOs e sabe falar com o mercado. Ele vai organizar a governança, nos ajudar a lançar novos produtos e traçar uma estratégia de crescimento por M&A”, disse Mendes ao Brazil Journal.

(Confira o posicionamento do Hurb ao final da matéria)

Por que as contas do Hurb não fecham?

De acordo com o sócio e chefe da mesa de operações da Ação Brasil Investimentos, Idean Alves, esses erros de planejamento citados por Gonçalves Filho estão relacionados ao fato de que a plataforma vendeu pacotes baratos durante a pandemia, mas para viagens de até 2025. Com o reaquecimento do setor de turismo, os preços de passagens, hotéis e passeios aumentaram, o que fez com que os valores dos pacotes não fossem suficientes para cobrir os custos.

“Muitos dos pacotes fechados em 2020 e 2021, eram muito atrativos, baratos, mas acabaram se tornando impraticáveis. Depois da pandemia, o aumento da demanda foi muito alto, então os custos de hotel, passagem, passeios, de tudo o que envolve turismo ficou mais caro. Até por conta dessa demanda reprimida que teve por conta da pandemia. E o Hurb está tendo muita dificuldade em honrar esses pacotes”, explicou Alves.

O especialista ainda completou: “Por conta disso, vários consumidores passaram a entrar na Justiça e como a Justiça brasileira acaba sendo pró-consumidor, o Hurb está tendo que cumprir esses pacotes mesmo com prejuízos. Isso afetou muito a performance da empresa, principalmente nos últimos seis meses”.

O Hurb pode falir?

“Os problemas mencionados podem ter um impacto expressivo nas finanças do Hurb, principalmente considerando que a empresa tem sua receita majoritariamente proveniente da venda de pacotes de viagens”, pontuou a advogada Isabela.

Alves completou dizendo que uma saída para os problemas financeiros seria ou cancelar as viagens ou tentar renegociar os valores dos pacotes. Isso porque, caso eles tentem realizar as viagens dos consumidores, eles levarão prejuízos, já que os valores da pandemia não se pagam atualmente.

“É uma saída um pouco menos drástica, se não eles vão acumular prejuízo ano a ano, até eles conseguirem zerar os pacotes da pandemia. Hoje, aquele valor do pacote inteiro não paga nem as passagens”, explicou.

Calotes

O que era para ser um momento de descanso e diversão para o analista de marketing Henrie Paulo Copque, se tornou uma enorme dor de cabeça. Em 2021, ele adquiriu três pacotes com o Hurb, agência de viagens online, mas optou por cancelar os passeios e solicitou o reembolso integral dos valores – cujo qual tinha direito, segundo as diretrizes do site. A partir daí, os problemas começaram.

“Tinha cerca de R$ 4.700 para receber […] Demorei meses para receber duas partes dos valores e até hoje não me pagaram [o último dos três pacotes]. Estou nessa situação há anos e eles com meu dinheiro ainda. Já abri 29 protocolos com eles e duas reclamações no Reclame Aqui, mas nada resolveu. Agora, nem acessar minha conta para ver os números de protocolo eu consigo”, disse.

Segundo a advogada Isabela, quando a empresa se recusa a resolver a situação de forma amigável, devolvendo os valores ou reagendando as viagens, o consumidor pode buscar seus direitos por meio do Procon (Programa de Proteção e Defesa do Consumidor) ou do judiciário. “A empresa também pode ser punida por práticas comerciais abusivas ou enganosas, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor”, completou.

Além dos calotes aos clientes, a empresa também vem recebendo reclamações dos próprios hotéis parceiros da plataforma. Por conta da inadimplência, sem o pagamento antecipado, diversos locais têm recusado reservas. Atualmente, a empresa conta com mais de 200 hotéis parceiros e oito companhias áreas.

Xingamentos, exposição de dados e renúncia do CEO

No último final de semana, Mendes xingou e expôs dados pessoais de um cliente que reclamava do serviço do Hurb. “Fica satisfeito já de não viajar, porque tá arriscado alguém bater na tua casa hoje, eim. Nessa merda dessa tua casa”, debochou Mendes, em um vídeo gravado pelo cliente, identificado como Miguel, e compartilhado posteriormente pelo próprio fundador do Hurb em sua conta do Instagram – o conteúdo foi apagado logo em seguida.

Após a polêmica, o fundador da agência de viagens renunciou ao cargo de CEO na segunda-feira (24), Em uma carta, ele reconheceu os erros de gestão da companhia e a maneira como lidou com os problemas na empresa. Segundo Mendes, as críticas a Hurb “foram erros do ‘João Ricardo Mendes’ e não de uma companhia inteira que é muito maior do que eu”. Essa é a segunda vez que ele se afasta da empresa em sete anos.

“A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) entrou em vigor em setembro de 2020 e tem como objetivo garantir a proteção de dados pessoais dos usuários. Se houver uma exposição indevida de dados, a empresa pode ser responsabilizada por danos morais e materiais causados aos titulares dos dados, além de estar sujeita às multas e sanções administrativas previstas na LGPD, que podem chegar a 2% do faturamento da empresa, limitadas a R$ 50 milhões por infração”, explicou a advogada.

No que diz respeito às ofensas a clientes, segundo ela, a empresa também pode ser responsabilizada por danos morais. Ela explica que caso um cliente se sinta ofendido por alguma ação ou conduta da empresa, ele pode buscar reparação na justiça por meio de uma Ação de Indenização por Danos Morais, pela qual será arbitrado um valor do dano pelo juiz, de modo a repreender a conduta da empresa.

Posicionamento do Hurb

Questionada pelo BP Money, o Hurb salientou que, desde o retorno das viagens, após a pandemia do coronavírus, o setor de turismo vem enfrentando uma grande instabilidade na relação ‘oferta x demanda’, com redução da malha aérea e a indisponibilidade de tarifário promocional. Segundo a plataforma, só em 2022, houve um aumento de mais de 27% em reclamações referentes às companhias aéreas no Brasil, segundo dados do portal consumidor.gov.br.

“É sabido que setores como hotelaria e empresas de aviação passaram, e ainda passam, por inúmeros desafios para atender seus clientes, seja para alocá-los em voos ou nas hospedagens adquiridas. E isso reflete em todo o setor. De acordo com as projeções do Sebrae, em estudo realizado em parceria com a Fundação Getulio Vargas (FGV), a recuperação consolidada do turismo está prevista apenas para o segundo semestre de 2023”, disse.

Sobre os problemas com pacotes de viagens, o Hurb informou que nos pacotes de data flexível (promocionais), em que não é possível garantir uma data específica para a viagem no momento da compra, a companhia busca priorizar as sugestões de datas preenchidas no formulário do viajante. Mas, caso não seja possível encontrar voos dentro do tarifário promocional e do regulamento do pacote comprado, é enviada uma outra opção disponível, considerando a validade do pacote.

“A companhia reforça que, para proporcionar a melhor experiência ao cliente e se aproximar das suas expectativas de data de embarque, o Hurb permite que sejam recusadas datas sugeridas pela empresa durante o processo de agendamento da viagem e emprega tal prática por reconhecer a importância de estender a proposta de flexibilidade ao seu consumidor final”, disse em nota.

E completou: “Os viajantes impactados, aqueles que tiveram suas reservas canceladas pelos parceiros, o Hurb esclarece que a empresa conta com um setor de atendimento ao cliente que opera 24/7, com colaboradores prontos para sanar todas as dúvidas ou ajudar com qualquer imprevisto”, disse o Hurb, que ainda informou que, como houve um aumento nas reclamações, para agilizar o processo, a companhia ampliou o quadro de pessoas do time e o horário comercial de atendimento.

Com relação à questão dos hotéis, o Hurb informou à reportagem que está conduzindo, de forma individualizada, um diálogo com cada parceiro de rede hoteleira que fez algum tipo de reclamação, independente da sua natureza. E que, por questões legais, detalhes específicos não poderiam ser abertos. Sobre a má conduta do agora ex-CEO João Ricardo Mendes, a plataforma não se posicionou.

Por fim, o Hurb enfatizou que em volume das operações, mais de 1,2 milhão de produtos e serviços foram operados pela OTA em 2022. No mesmo ano, a companhia foi responsável pelo embarque de viajantes para 272 destinos, número 20% maior em relação a 2021. Para 2023, a companhia já operou mais de 437.000 viajantes, até a presente data. 

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