O mês de junho está chegando ao fim, o que significa que, em breve, a maioria das marcas deverá retornar com as fotos de perfis nas redes sociais, deixar de fazer posts sobre o mês do orgulho LGBTQIA+ e as campanhas promocionais com produtos relacionados à causa também irão acabar. E tal apropriação, apenas por interesse, é chamada de pinkwashing.
O termo ‘pinkwashing’ está relacionado com a apropriação do movimento LGBTQIA+ para a autopromoção, de marcas ou pessoas, mesmo que estas não sejam comprometidas com a causa. Na prática, é tentar lucrar às custas da comunidade. Muitas vezes, grandes marcas aderem à campanhas no mês do orgulho LGBTQIA+, mas sem mostrar como isso se converte em ações que geram impacto real para a causa e pessoas da comunidade.
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Um exemplo extremo ocorreu nos EUA, onde uma investigação da Popular Information, um veículo de jornalismo independente, revelou que 25 empresas que supostamente apoiam a causa LGBTQIA+ doaram um total de US$ 13 milhões para políticos que promovem ações anti-LGBT. Entre as empresas, se destacam AT&T, GM, Walmart, Amazon, Ford e Google.
Todas as 25 empresas são avaliadas positivamente pelo Índice de Igualdade Corporativa da Human Rights Campaign, ou seja, passam a impressão de que são ‘LGBT-friendly’. Mas todas apoiaram políticas que visam atacar a comunidade LGBTQIA+.
Muitas dessas foram implementadas no último ano, como leis proibindo que professores reconheçam a existência de pessoas pertencentes à comunidade em sala de aula e proibições de livros com personagens de minorias sexuais.
“A diversidade dá lucro”
E por que é benéfico para as empresas adotarem uma imagem de engajamento com as causas sociais? Toni Reis, diretor presidente da Aliança Nacional LGBT+, afirma que a diversidade dá lucro.
“Quando você vê um comercial com pessoas LGBT, você quer consumir. Quando você chega em uma loja e vê uma pessoa LGBT, você pensa ‘essa empresa é legal, eu vou consumir aqui”, observa Toni.
E os números comprovam isso facilmente. Um levantamento feito pela empresa de pesquisas NielsnIQ entre abril e maio deste ano indicou que 30% dos entrevistados afirmaram estar dispostos a gastar mais com marcas que apoiam a causa LGBT. Além disso, nas “rainbow homes” (lares com ao menos uma pessoa LGBTQIA+), o gasto médio por domicílio ao ano é 14% maior que as demais.
O interesse das empresas em atingir esse público também tem nome: pink money (ou dinheiro rosa). Este termo refere-se ao dinheiro gasto por pessoas LGBTQIA+ na aquisição de produtos e serviços voltados para esta comunidade. As vendas resultadas deste tipo de consumo ideológico movimentaram mais de R$ 450 milhões no Brasil em 2020, de acordo com o IBDSEX (Instituto Brasileiro de Diversidade Sexual).
O poder da Parada
As paradas LGBT são eventos de ações afirmativas para a comunidade LGBTQIA+ que ocorrem em diversos países do mundo. A maioria desses eventos ocorre de forma anual, normalmente no mês de junho. Estes desfiles, muito importantes para a comunidade, não ficam fora da polêmica do pinkwashing.
O pinkwashing não ocorre apenas com pessoas ou empresas, até mesmo governos estão utilizando a causa LGBTQ+ para se promover. Um exemplo que tem atraído atenção é o de Israel, que possui a maior Parada do Orgulho do Oriente Médio, celebrada na capital Tel Aviv. A parada de orgulho LGBT no país é parcialmente financiada pelo governo, que fala com frequência sobre a liberdade que a comunidade LGBTQIA+ tem no país.
No entanto, apesar da imagem que Israel tem construído de um “paraíso” das minorias sexuais, ativistas estão denunciando que o discurso dos direitos são utilizados como propaganda sem promovê-los na lei. Outra crítica é que esta pauta é utilizada para esconder problemas mais graves, como o conflito com os palestinos.
A Parada LGBT de São Paulo é considerada a maior do mundo desde 2006 pelo Guinness World Records. A 26ª parada, que ocorreu no dia 19, atraiu cerca de 4 milhões de pessoas à Avenida Paulista e, em termos de quantidade de público e retorno econômico, o evento só fica atrás do Carnaval no Brasil.
O evento foi patrocinado por diversas marcas, como Amstel, Burger King, Mercado Livre, Jean Paul Gaultier e Vivo. e, mesmo às vésperas da comemoração, ainda havia companhias tentando garantir um espaço por lá. Mas para ter seu nome na maior parada de orgulho LGBT do mundo é preciso mais do que falar que apoia a causa.
O “Estadão” apurou que novatos que tentaram patrocinar esta edição do evento foram orientados a definir uma pauta mais abrangente em relação ao tema. O critério de consistência em relação à pauta foi algo levado em conta pelos organizadores da Parada.
O que as marcas estão fazendo
As marcas que patrocinam a Parada do Orgulho LGBT+ em São Paulo possuem uma série de ações para apoiar a comunidade além dos posts nas redes sociais. A Accor, rede hoteleira oficial da Parada, participa de eventos com entidades e ativações, além de criar um drink que tem parte da renda destinada à Instituição Casarão Brasil, que acolhe pessoas trans.
A Avon, que levou a cantora Ludmilla para a Avenida Paulista, é signatária do compromisso da ONU de combate à discriminação contra LGBTQIA+ no ambiente corporativo ao redor do mundo. Internamente, os funcionários fundaram a Rede Pela Diversidade, que atua como ponto de apoio permanente para disseminar a diversidade em todas as instâncias da companhia.
A Amstel, parte do portfólio de cervejaria da Heineken, realiza uma série de ações durante o ano para apoiar a causa LGBTQIA+. A marca participou da Feira da Diversidade, que aconteceu no dia 16 de junho, no Largo do Arouche, onde preparou uma ação social em apoio à comunidade trans.
Na Feira, a Amstel “levou um cartório para as ruas de São Paulo pela primeira vez” para promover uma iniciativa que facilitou a retificação de nome para pessoas transgênero. Além disso, a marca realizou lives em suas redes sociais, como a “Live da Pabllo”, que levantou fundos para ONGs indicadas pela cantora.
Como apoiar a causa
É importante apoiar a causa com ações comerciais, mas também é essencial que as empresas promovam ações afirmativas internamente. Toni ressalta a importância de montar um “tripé da cidadania”, que apoia clientes, colaboradores e fornecedores do negócio a partir de políticas de não-discriminação.
“É necessário ter políticas afirmativas, não só para a comunidade LGBTQIA+, mas para mulheres, negros, pessoas com deficiência, pessoas com HIV, indígenas e refugiados, para ser uma empresa inclusiva”, afirmou Toni.
De acordo com ele, é importante que as empresas invistam em “projetos de empregabilidade, auto-estima, cidadania e direitos humanos para a nossa comunidade”. Ele diz que isso pode começar desde o processo seletivo, com vagas marcadas para mulheres, pessoas LGBTQIA+ e negros.
A Amstel, por exemplo, é parceira da TransEmpregos, plataforma reconhecida como o maior banco de dados e currículos de pessoas trans no País. A marca afirma trabalhar com a sensibilização dos funcionários ao longo do ano para promover um ambiente inclusivo. “Para que possamos de fato desenvolver profissionais capacitados e protagonistas de suas carreiras, e ainda crescermos como empresa, é fundamental ter a diversidade e a inclusão ao nosso lado”, disse.
Toni afirma que o interesse segmentado das empresas para atingir o público LGBTQI+ é perfeitamente legítimo e que as ações das empresas nesse sentido são muito importantes. “Vejo estas ações como algo fundamental, é um processo de aproximação”, afirmou.
Mas apoiar o movimento somente no mês do orgulho não é o bastante. “Essas são aproximações sucessivas e acho importante apoiar no mês de junho, mas também é necessário apoiar 365 dias do ano porque, infelizmente, a LGBTfobia acontece o ano todo”, concluiu.