Projetos dão incentivo fiscal para contratação de mulher vulnerável

"Ainda que haja essa renúncia, há a entrada dessas mulheres no mercado, que gera um crescimento em consumo, renda e emancipação. O ganho seria evidente", diz Lana Borges Câmara, integrante de grupo de estudos da FGV

Pegando carona na discussão sobre reforma tributária, tramitam no Congresso projetos de lei que visam instituir incentivos fiscais para empresas que contratarem mulheres vítimas de violência ou que sejam chefes de famílias de baixa renda.

As propostas foram desenvolvidas pelo grupo de estudo sobre tributação e gênero da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e apresentadas ao plenário pela deputada Lídice da Mata (PSB-BA) no início de maio.

A primeira delas é o projeto de lei 1740 de 2021, que institui o Programa de Contratação de Mulheres Vítimas de Violência Doméstica e Financeiramente Dependentes, cujo objetivo é incentivar a contratação de trabalhadoras nessa situação.

Se todas as empresas elegíveis aderirem ao programa, cálculos da Receita Federal apontam uma perda de arrecadação de R$ 471 milhões em 2022 e de R$ 523 milhões em 2023.

Esse renúncia, no entanto, seria compensada pelo aumento da participação dessas mulheres no mercado de trabalho, defende Lana Borges Câmara, integrante do grupo de estudos da FGV, procuradora da Fazenda Nacional e cofundadora do Movimento Tributos a Elas.

“Ainda que haja essa renúncia, há a entrada dessas mulheres no mercado, que gera um crescimento em consumo, renda e emancipação. O ganho seria evidente”, diz.

O segundo projeto em tramitação, também apresentado por Lídice da Mata, é o PL 1741 de 2021, que institui o Programa de Contratação de Mulheres de Baixa Renda Chefes de Família com redução no IR de empresas que contratarem mulheres nessas condições.

Ambos estão em tramitação na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara, e se somam a projetos anteriores que tratam do tema.

Entre eles estão o PL 3414 de 2019, do deputado Coronel Tadeu (PSL-SP), que também concede incentivo no IR a quem contratar mulheres que sofreram agressão, e o PL 5548 de 2019, da senadora Rose de Freitas (MDB-ES), que propõe a reserva de vagas em empresas terceirizadas para mulheres vítimas de violência ou em situação de vulnerabilidade social.

Essas propostas, no entanto, não avançaram no Congresso até agora. Segundo Lídice, a maioria masculina do Legislativo é um dos principais entraves.

“Mulheres são apenas 77 na Câmara [de um total de 513 deputados] e não conseguem aprovar [projetos] sozinhas.

Precisamos mostrar aos homens que as propostas beneficiariam a todos, não apenas mulheres”, diz a deputada.
Segundo a congressista, a inclusão da mulher na economia é essencial e tornou-se mais necessária durante a pandemia, período em que elas perderam ainda mais participação no mercado de trabalho e em que situações de violência doméstica foram agravadas pelo confinamento.

“Não podemos pensar em recuperação da economia sem uma reinserção da mulher”, afirma Lídice.

A estratégia para o avanço dos projetos nesse momento é articular apoio junto ao restante da bancada feminina, aproveitando o avanço da reforma tributária apresentada pelo governo no Congresso.

Procurados para comentar as propostas, o Ministério da Economia disse que não iria se manifestar sobre os projetos. O ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos não respondeu o contato da reportagem.

Além dos programas que desoneram empresas para incentivar a contratação de mulheres em situação de vulnerabilidade, o grupo de estudos da FGV também defende a isenção de PIS, Cofins e IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) sobre absorventes (incluindo calcinhas e coletores menstruais) e de fraldas higiênicas infantil e adulto. O grupo também propõe a inclusão desses produtos na cesta básica.

Segundo as pesquisadoras, a incidência de impostos sobre absorventes no Brasil é alta, já que o país não classifica o produto como essencial, o que dificulta o acesso a eles.

De acordo com o Impostômetro, da Associação Comercial de São Paulo, 34,48% do preço dos absorventes corresponde a impostos. O percentual é maior do que o de produtos como carne (29%), cimento (30,05%), computadores (de 24,30% a 33,62%) e desinfetante (26,05%).

Reflexo disso, uma em cada quatro adolescentes brasileiras não tem um pacote de absorventes disponível quando menstrua, segundo o relatório Livre para Menstruar, produzido pelo movimento Girl Up, com apoio da Herself.

“Zerar PIS/Cofins de absorventes menstruais é um processo simples”, afirma a advogada Christiane Alvarenga, sócia na área de tributário do TozziniFreire. O escritório criou um grupo que discute mudanças na legislação por maior equidade de gênero.

Alguns projetos, tanto no âmbito federal quanto estadual e municipal, visam reduzir as alíquotas que incidem sobre absorventes e determinar a distribuição gratuita para estudantes e mulheres em situação de pobreza.

Um deles é o PL 128 de 2021, do deputado federal Dagoberto Nogueira (PDT-MS), que propõe zerar as alíquotas de PIS e Cofins incidentes sobre os produtos.

As próprias apoiadoras das propostas, porém, reconhecem que o avanço é difícil. Para Tathiane Piscitelli, professora de direito tributário da FGV Direito e integrante do grupo de estudos sobre tributação e gênero da instituição, o ambiente machista e patriarcal do Congresso é um empecilho para as mudanças.

“É um debate difícil. Basta que os parlamentares digam ‘não temos espaço fiscal para isso’. Ao mesmo tempo, temos benefícios para bebidas açucaradas e agrotóxicos”, afirma Tathiane.

Segundo ela, a redução de alíquotas sobre produtos essenciais para pessoas que menstruam e incentivos fiscais para mulheres são uma tendência global. “É uma discussão presente em todos os países. A ideia [do grupo] é pautar o debate no Brasil”, afirma Tathiane.

De acodo com as pesquisadoras, outro ponto de atenção na diferença tributária entre gêneros é a incidência de IR sobre pensão alímentícia por quem recebe o benefício, enquanto quem paga é isento. Para não perder parte dessa renda em impostos, a saída é fazer uma declaração de IR à parte para a criança, o que acaba com a possibilidade de ser incluída como dependente pelo responsável, que perde a possibilidade de isenção com despesas médicas e educacionais.

Segundo o grupo de estudo, dados do IBGE apontam que 98% das pessoas que recebem pensão são mulheres, o que acarreta uma carga tributária maior para elas do que para homens.

Segundo as pesquisadoras, essa situação viola o princípio da isonomia ao promover tratamento desigual entre contribuintes.

Para sanar a disparidade, o grupo propõe que a reforma tributária inclua isenção à verba relativa à pensão alimentícia na declaração do responsável que recebe o benefício, até o montante permitido pelo IR com a possibilidade de dedução das despesas com dependentes.

O debate também está em pauta no STF (Superior Tribunal Federal). Em março, o ministro Dias Toffoli, relator do processo, votou contra a incidência de IR sobre a pensão. Antes dos demais votos, o ministro Luís Roberto Barroso pediu vista, adiando a apreciação da ação requerida pelo Ibdfam (Instituto Brasileiro de Direito de Familia).

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