Mercado corporativo

Recuperação judicial: ambiente no Brasil deve seguir hostil em 2025

Os pedidos de recuperação judicial devem ter fechado 2024 no nível máximo histórico; analistam apontam dificuldades de recuperação para as empresas

Foto: CanvaPro
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No ano passado, o progresso da taxa de juros e a dificuldade de acesso ao crédito custaram alto para o mundo corporativo, sobretudo no caso das pequenas e médias empresas. O número de pedidos de recuperação judicial deve finalizar o ano de 2024 no maior nível histórico, e considerando o cenário econômico atual, as expectativas para o decorrer de 2025 são de estabilidade nos números, afirmaram analistas.

A estimativa da Serasa Experian, com dados mais atualizados do período de janeiro a novembro de 2024, é que o ano passado tenha encerrado com mais de 2,2 mil pedidos de recuperação judicial. O volume é cerca de 100,8% maior que o registrado em 2023.

Bruno Boris, sócio e fundador do escritório Bruno Boris Advogados, afirmou que a continuidade se deve por razões econômicas, como a já citada elevação da Selic (taxa básica de juros), que deve chegar aos inéditos 14,25% ao ano ainda no primeiro trimestre de 2025, levando as empresas a utilizarem muito crédito e se endividarem.

“Hoje a recuperação judicial e extrajudicial são elementos interessantes de negociação. Claro que vai depender do tipo de crédito, mas hoje o empresário, de modo geral, até as empresas de pequeno e médio porte, já sabem que a recuperação pode ser uma forma de reestruturação que não era muito bem vista antigamente”, afirmou Boris.

Além do número expressivo de solicitações, a Serasa Experian informou que o setor de serviços liderou os pedidos de recuperação judicial em 2024 (40,5%), enquanto o comércio (26,6%), o setor primário (16,6%) e a indústria (16,3%) vieram logo depois.

Na avaliação de Camila Crespi, advogada da Luchesi Advogados e especialista em reestruturação empresarial, esses segmentos devem seguir sendo os mais atingidos, porém, no caso do setor primário, o quadro pode depender das condições climáticas e do comportamento das commodities, além do custo dos insumos e as barreiras comerciais.

“Para 2025, estratégias de gestão financeira rigorosas, inovação e adaptação ao mercado serão essenciais para empresas que buscam evitar crises financeiras e se manter competitivas em um ambiente desafiador”, disse ela.

A especialista também destacou os principais pontos que refletem sobre os demais setores que mais abriram solicitações de recuperação judicial. No caso do setor de serviços, a inflação e os custos operacionais elevados, junto com a queda no consumo, geraram mais fragilidade.

“No comércio, temos o endividamento das famílias, a concorrência online absurda [entre pequenas e médias empresas com gigantes varejistas e marketplaces] a elevação nos custos de transportes e dificuldades em cadeias de suprimentos e redução do crédito, com juros altos e parcelamentos menos acessíveis”, afirmou Camila Crespi.

Já para a indústria, a baixa demanda interna, o preço alto da energia elétrica, a concorrência e a competitividade internacional, junto com entraves no transporte de matérias-primas e produtos, é o que acarreta o aumento nos custos operacionais, influenciando no endividamento.

Relembre os grandes pedidos de recuperação judicial que repercutiram em 2024

Apesar das pequenas e médias empresas terem sido as que mais solicitaram recuperação judicial no decorrer do ano passado, as grandes empresas também protagonizaram casos bilionários, como a Gol (GOLL4), que completará 1 ano em 25 de janeiro. Além disso, um dos casos de maior repercussão no mercado financeiro foi a RJ da Americanas (AMER3), que fará 2 anos em 19 janeiro.

Uma divergência, no caso da Gol, é que o processo foi aberto nos EUA, o chamado Chapter 11. Ao final de setembro de 2023, a dívida da companhia aérea já chegava a R$ 20,2 bilhões, uma das razões que levou ao processo.

Flávio Riberi, professor da FIPECAFI, afirmou que para a Gol, um alento pode ser gerado a partir da fusão pretendida com a Azul (AZUL4), em um momento em que o câmbio segue desvalorizado, o que é prejudicial por sua dívida ser em dólar, e o petróleo WTI – referência para o combustível de aviação – tem subido gradativamente. O memorando de entendimento com a Azul foi assinado na quarta-feira (15). 

“Isso [a fusão] abrirá caminhos para modificar as premissas do negócio com a precificação de bilhetes, maior eficiência de rotas, ganhos de escala em compra de materiais e aeronaves e claro, melhor sustentação da lucratividade no longo prazo”, afirmou o professor.

Ele apontou também que os credores miram esse cenário para assegurar o retorno de seu capital, sobretudo os arrendadores. 

“A Gol já conseguiu negociar uma desalavancagem há 2 meses e tem ainda até maio/25 para trabalhar na conclusão de seu plano de reestruturação do negócio para sair do Chapter 11”, acrescentou Riberi.

Bruno Boris, afirmou que as boas tratativas que a companhia aérea firmou com seus credores, bem como a obtenção das linhas de crédito, demonstra que o mercado acredita na recuperação da empresa.

Já no caso da Americanas, cuja recuperação judicial inicial quando foram reveladas, há dois anos atrás, inconsistências contábeis de aproximadamente R$ 20 bilhões, Boris apontou que a varejista está seguindo o plano aprovado e demonstra boa perspectiva para os credores.

O professor Flavio Riberi concordou com a análise do advogado, e completou afirmando que a recuperação judicial da varejista trouxe uma nova perspectiva para o mercado, com uma “notória evolução nas formas de análise do investidor sobre o negócio”.

“Se antes um credor analisava os tradicionais índices de liquidez e de saúde financeira do balanço de uma Companhia, hoje os analistas se preocupam em entender a fundo a operação e a natureza das operações financeiras firmadas pelas empresas com os bancos”, finalizou Riberi.