Os pedidos de recuperação judicial das varejistas expõem o cenário de crise, com as dívidas milionárias que se aprofundaram desde a pandemia. No entanto, além do cenário econômico, a governança, é outro ponto chave nesse processo de deterioração nas contas das empresas.
O quadro econômico é desfavorável, de fato, com a taxa de juros alta, dificuldade de financiamentos e concessão de créditos. Porém, as estratégias implementadas pelas varejistas também chamam atenção de juristas.
Bruno Boris, sócio e fundador do escritório Bruno Boris Advogados, esclareceu que a alavancagem elevada também se justifica por decisões internas, como financiamentos sem negociação adequada, o que leva a dívidas milionárias, com juros elevados, e obriga as empresas a entrarem com pedidos de recuperação judicial.
“Grandes empresas podem fazer cortes imediatos de pessoal, investir mais em tecnologia, aspectos que nem todas as pequenas e médias conseguem. Assim, as grandes conseguem, mesmo em períodos de crise, aplicar preços mais atrativos ao consumidor, com margem de lucro pequena, mas apostando no volume, algo que empresas menores não conseguem fazer”, disse ele, em resposta ao BP Money.
Boris reforçou o risco concorrencial, somado a tomadas de créditos de forma imediata sem análise criteriosa, que levam muitas varejistas de pequeno e médio porte a pedir recuperação judicial, pois elas apostam no mercado e não consideram o real fluxo de caixa e vendas.
“Uma empresa não pode fazer apostas em qualquer situação, ou seja, deve analisar a venda de ativos ou redução da operação antes de qualquer endividamento ou esvaziamento do caixa”, comentou Boris.
Do ponto de vista jurídico, Gustavo Rabello, sócio da área de Mercado de Capitais do SouzaOkawa Advogados, reiterou que o processo de recuperação judicial não exerce diferenciação entre as varejistas de pequeno, médio e grande porte. Mas uma governança frágil, de fato, expõe as menores a mais riscos.
“Quando a empresa é grande, ela possui os departamentos mais segmentados e políticas mais bem definidas, que acabam, obviamente, reduzindo os riscos de inadimplência. E mesmo aquelas que têm todos esses procedimentos internos de governança, para evitar uma inadimplência, elas também podem se valer da lei de recuperação judicial”, afirmou.
“Dependendo do faturamento anual da empresa e dos recebíveis que elas podem ceder para um FIDC (fundo de direitos creditórios), por exemplo, ela pode ganhar um respiro se valendo de determinados mecanismos hoje presentes no mercado de capital” sinalizou Rabello, considerando o melhor caminho para negociação das dívidas milionárias.
Economia não reserva cenário favorável para varejistas em recuperação judicial
O caso da Americanas (AMER3), com o rombo de R$ 40 bilhões que forçou o pedido de recuperação judicial, em 2023, com o saldo de R$ 23 bilhões a ser pago aos credores, lançou luz, posteriormente, sobre as dívidas milionárias das demais empresas do setor.
A Casas Bahia (BHIA3) entrou com o processo de recuperação extrajudicial, com dívidas na casa dos R$ 4,1 bilhões. Recentemente, foi a vez da Tok&Stok, Casa do Pão de Queijo, Subway, Sidewalk, Novo Mundo, Rede Dia e Avon tentarem negociar suas dívidas milionárias com os credores.
Mas o cenário pode reservar mais dificuldades para a conta, visto que a economia brasileira não está caminhando conforme as projeções iniciais do BC (Banco Central), o que tem levado o Copom (Comitê de Política Monetária) a adotar um tom mais duro quanto à Selic (taxa básica de juros), considerando, inclusive, uma alta.
A taxa elevada é mais um obstáculo para que as varejistas consigam se reerguer e as pressiona na busca por soluções imediatas, explicou Arthur Longo Ferreira, sócio das áreas de Direito dos Mercados Financeiro e de Capitais do Henneberg, Ferreira e Linard Advogados.
Além da renegociação das dívidas, se proteger contra flutuações dos juros e do câmbio também é importante e não se deve descartar a opção de vender ativos não essenciais para gerar caixa.
“A captação de novos investimentos, seja por meio de emissão de ações ou atração de investidores estratégicos, também pode ser uma saída viável”, disse Ferreira.
A projeção de alta na Selic intensifica o desafio de atrair investidores, dado que os títulos públicos passam a oferecer retornos mais atraentes e com menor risco, comento Bárbara Sarmento, especialista em recuperação judicial e falências da Benicio Advogados.
“No geral, para que as empresas possam tornar seus papéis mais atrativos, algumas inovações têm se mostrado eficazes, como considerar o aumento do pagamento de dividendos ou o oferecimento de prêmios adicionais para os detentores de seus títulos, compensando assim o maior risco percebido”, indicou.
Estratégia de atração das varejistas pode variar
A transparência e a comunicação com o mercado também são pontos cruciais entre as estratégias de mitigação de risco, estão ou não em processo de recuperação judicial.
Além disso, a demanda por investimentos ESG cresce a cada momento, reforçou Sarmento, o que impulsiona títulos vinculados a projetos sustentáveis, que atrai um perfil de investidores mais exigente e grandes “players” da Bolsa.
Thais Cordero, sócia do Maia & Anjos Advogados, indica que o aumento da margem líquida das empresas em situação de risco com dívidas é outra estratégia para atrair investimentos.
“Essa estratégia envolve assegurar formas de reinvestimento dos valores aplicados em outras fontes de rendimento, possibilitando um aumento na margem de investimento da companhia como CDBs, ações, Tesouro Nacional e títulos públicos, ampliando a margem de investimento da companhia, sem a necessidade de retirada dos investimentos iniciais”, disse.
Fundos de investimentos cetipados, a exemplo dos FIM (Fundo de Investimento Multimercado), FIP (Fundo de Investimento em Participações), FIDC (Fundo de Investimento em Direitos Creditórios) e FII (Fundo de Investimento Imobiliário), são outras opções viáveis para as sociedades de varejo.
Isto porque, explicou Cordero, as varejistas que correm risco de entrar em recuperação judicial podem aproveitar as vantagens dos produtos negociados nessas operações, como dívidas privadas e aquisições de ações de empresas não listadas em bolsa.
“No entanto, é crucial que essas sociedades garantam a liquidez dessas operações, pois existe um risco elevado de inadimplência, o que pode aumentar o cenário de incerteza” finalizou.