Renner quer ser mais 'fashion' e menos 'fast', diz presidente

Companhia tem feito transição para um modelo mais sustentável; a partir deste ano, a remuneração da diretoria passou a ser atrelada a metas ESG

O poliéster se tornou a fibra têxtil mais empregada na produção da chamada “fast fashion”, ou moda rápida, a fabricação em larga escala de tendências de moda que mudam a cada estação. A matéria-prima tem razões para ser tão usada: ela garante um produto final com maior durabilidade, menos rugas (não exige ferro de passar) e retém melhor a cor.

O problema é que, como um plástico, o poliéster demora cerca de 200 anos para se decompor. Além disso, conforme aponta o portal eCycle, a lavagem de roupas de poliéster libera microplásticos, que podem entrar na cadeia alimentar e prejudicar a saúde humana.

A Renner, a maior rede de vestuário do país, que também é dona das marcas Ashua (plus size), Youcom (moda jovem) e Camicado (moda casa), tem feito a transição para um modelo mais sustentável. A partir deste ano, a remuneração da diretoria passou a ser atrelada a metas ESG, que abordam a governança ambiental, social e corporativa.

“As metas que estamos atingindo este ano foram baseadas em compromissos públicos desenhados em 2017”, diz o presidente da varejista, Fabio Faccio. Entre os eles, estão um mix composto por 80% de produtos menos impactantes, como peças com 100% de algodão certificado, e suprir 75% do consumo de energia com fontes renováveis.

“O que vem acontecendo hoje, de todo mundo estar mais preocupado com os impactos ambientais e sociais do consumo, só reforça nossas crenças e mostra que estamos no bom caminho”, diz Faccio. “Lançamos em 2011 o programa EcoEstilo, para recuperar peças em desuso e frascos de perfume descartados, o conceito de sustentabilidade passou a integrar os princípios e valores da companhia em 2013, e em 2018 lançamos o selo Re Moda Sustentável”.

Desde então, já foram vendidas 130 milhões de peças com o selo Re – 75 milhões só no ano passado. A pandemia despertou ainda mais atenção do consumidor para um estilo de vida mais sustentável, diz Faccio, o que passa também pelo que ele veste.

“Agora vamos dar um passo além: no final do ano, vamos lançar a primeira loja Re, baseada no princípio da circularidade e do reuso”, diz ele. A nova loja será fruto da reforma de um ponto da varejista no Shopping Rio Sul. A capital fluminense deve receber a segunda loja Re no começo de 2022.

Este mês, a Renner anunciou a compra startup Repassa, uma plataforma on-line que funciona como um brechó virtual – uma inciativa que marca a entrada da empresa na economia circular. “Nossa estratégia está calcada em inovação, sustentabilidade e digitalização”, diz Faccio.

O que mudou para o Fabio Faccio com a pandemia?

Fabio Faccio – Eu estou cuidando mais da minha saúde. Um pouco mais de foco na respiração, meditação, alimentação e exercícios. Ter um cuidado maior comigo, para cuidar dos outros também, da família e da equipe. O fato de poder trabalhar e consumir de forma digital trouxe mais mais conveniência, mais produtividade, mais qualidade de vida. Hoje a gente trabalha de qualquer lugar do Brasil e do mundo. Às vezes, para uma conferência com investidores, por exemplo, eu gastava uma semana, entre ir e voltar, fazer as reuniões. Hoje eu participo de conferências com horários determinados, com pessoas de todo mundo, estando na sua casa ou escritório.

A Renner já era muito conectada, com vendas pelo site, aplicativo, clique e retire na loja. O processo de digitalização da empresa avançou ainda mais no último ano?

FF – A pandemia forçou a gente a acelerar tudo. Houve a migração dos consumidores para um mundo mais digital, acompanhada de um maior nível de consciência em relação a atitudes mais sustentáveis, aos conceitos ESG que ganharam tanta relevância, e estão há anos nos nossos princípios, valores e estratégia.

As vendas digitais cresceram de forma significativa: 126% em 2020 e 173% no primeiro trimestre de 2021. Elas representavam entre 3% e 4% das vendas totais em 2019 e em 2020 passaram a responder por 12,3%. No primeiro trimestre deste ano, chegaram a 17,5% do total. Percebemos que, mesmo com as lojas fechadas, o digital continua crescendo três dígitos. Muito em breve, podemos ver uma participação de 20% a 30% de penetração do digital na moda.

Muita gente duvidava da venda digital de confecção, pelo fato de não poder provar a roupa. A pandemia contribui para quebrar essa barreira?

FF – Historicamente, a penetração digital do consumo de moda é menor do que os outros segmentos. As pessoas têm a necessidade de ver, sentir, tocar e provar no produto. Mas a pandemia fez com que muita gente provasse o serviço. Se, por um lado, você não tem a praticidade de tocar no produto, você tem a conveniência da entrega e uma navegação fluida. Cada vez mais ferramentas digitais, como o provador virtual, facilitam a compra.

Dificilmente a moda vai chegar no patamar de outros segmentos, mas eu acredito que ainda vai crescer bastante. Procuramos melhorar a jornada do consumidor, oferecer novos canais, maior integração entre eles e reduzir o tempo de entrega. É o conceito de omnicanalidade, em que a cliente possa acessar nossas marcas onde e quando quiser. Às vezes ela vai à loja conhecer o produto, compra lá mesmo, às vezes ela volta para casa e faz a compra online, às vezes compra online e decide retirar na loja, para ver se quer mais alguma coisa.

São exemplos de novos canais o WhatsApp e a vending machine, lançados no ano passado, certo?

FF – Sempre quisemos fazer a venda pela WhatsApp, mas só víamos lojas pequenas fazendo isso. Como nosso volume de vendas é muito grande, achamos que não daríamos conta. Mas fizemos testes com atendimento inicial por robô, acoplamos inteligência artificial, para identificar onde estava o cliente, já que a prioridade é entregar no mesmo dia ou, no máximo, no dia seguinte. O nível de aceitação foi muito grande. Hoje estamos com o serviço em mais de 60 cidades.

Já a vending machine ainda está em teste. Colocamos um ponto no metrô São Bento, em São Paulo, com camisetas, máscaras, álcool em gel e acessórios. Mas hoje o aplicativo é a parte mais importante da nossa venda digital. Temos ainda a venda pelas redes sociais, o Minha Sacola: uma plataforma onde qualquer um pode se cadastrar para ser um vendedor da Renner e ganhar uma comissão de 7%. No ano passado, expandimos o Minha Sacola para as nossas operações no Uruguai e na Argentina. Hoje são 27 mil afiliados.

Este ano a empresa lançou um novo formato de venda, o Fashion Delivery, uma malinha de roupas entregue na casa da cliente, para ela escolher o que desejar. Como as clientes são selecionadas?

FF – Com base em inteligência artificial. Levamos em consideração o histórico de compras do cliente, já que, através dele, é possível analisar a frequência e o tipo de peça que ele normalmente procura. O que ele gostar fica, o que não gostar, devolve, nós retiramos na casa dele. O modelo surgiu, na verdade, em 2019 com um projeto piloto, o Youcom na Sua Casa. Agora estamos com as marcas Renner e Ashua. Isso traz um fluxo cada vez maior para os canais digitais, uma conveniência cada vez maior para o cliente.

Adotamos todo um protocolo de segurança no preparo das malas, higienizadas com álcool 70°. As peças passam por um vapor quente antes e depois da casa do cliente. Dentro da mala também é enviado um frasco de álcool em gel. Se o consumidor optar por alguma peça, ele indica por WhatsApp quais são e recebe um link de pagamento. Com isso, o cliente vê mais conveniência. Todo consumidor que usa mais de um canal têm um gasto anual duas a três vezes maior do que quem compra ou só na loja ou de um único canal digital.

Como se dá a sinergia entre as diversas bandeiras do grupo -Renner, Ashua, Youcom e Camicado? É possível capturar a consumidora de uma marca para a outra?

FF – Os clientes que têm o cartão da Realize, nossa empresa financeira, podem usar tanto na Renner quanto na Camicado, por exemplo. Mas vamos ampliar em essas sinergias. Vamos lançar neste segundo semestre um programa de fidelidade entre todas as empresas do grupo, com benefícios para todos os clientes, pensando no nosso ecossistema.

A partir deste ano, a remuneração da diretoria passa a ser atrelada às metas ESG. O que muda?

FF – É um nível de comprometimento público ainda maior do que nós tínhamos. As metas que vamos atingir este ano foram desenhadas em 2017 e publicadas em 2018. No final de 2021, vamos lançar novas metas para o próximo ciclo. Neste ano, estamos entregando um mix formado por 80% dos produtos menos impactantes -isso envolve produtos feitos com 100% de algodão certificado, viscose certificada, fio reciclado, poliamida biodegradável, e liocel (uma fibra de origem renovável).

Além disso, este ano vamos suprir 75% do consumo de energia com fontes renováveis (solar, eólica, pequenas hidrelétricas), e reduzir em 20% as emissões de CO² em relação a 2017. Também vamos atingir 100% da nossa cadeia nacional e internacional de fornecedores com certificação socioambiental. É preciso acompanhar não só o que a gente faz, mas o que os nossos fornecedores fazem.

É uma maneira de evitar episódios como fornecedores que contratam mão de obra escrava?

FF – Sim, nossa cadeia é muito extensa. Um fornecedor pode ter uma diversa malha de fornecedores que respondem a ele. Temos que olhar para tudo isso. Ao mesmo tempo, procuramos aliar o social ao sustentável, com iniciativas por meio do Instituto Lojas Renner.
A missão é promover a inserção da mulher no mercado de trabalho, apoiando ações sociais empreendedoras na cadeia têxtil. Um dos projetos apoiados, por exemplo, envolveu o processo produtivo no cultivo de algodão orgânico em comunidades quilombolas do norte de Minas Gerais.

A Renner foi a primeira corporação brasileira -uma empresa sem controlador, com 100% das ações na bolsa de valores. Ainda assim, a companhia ficou marcada pela gestão de José Galló, atual presidente do conselho, que ficou 26 anos à frente da varejista. Como é ser presidente de uma empresa sem dono, mas que já tem uma identidade bem definida?

FF – Ter uma responsabilidade fiduciária frente a milhares de acionistas nos obriga a ter uma governança ainda melhor. É nossa obrigação adotar as melhores práticas sempre. No âmbitos social e ambiental, formamos uma empresa para encantar todos os todos os stakeholders [públicos com quem a companhia se relaciona]: colaboradores, parceiros, fornecedores, clientes, comunidade.

Em 2020, batemos o recorde neste quesido: das 51,6 milhões de opiniões de clientes captadas nas lojas, 87% se disseram muito satisfeitos. Em 2019, essa resposta havia sido dada por 81,4% de 47 milhões de consumidores. Encantar a todos é a nossa realização. Estamos dando continuidade à filosofia criada pelo Galló, de encantamento, de exceder a expectativa dos clientes.

A Renner é gaúcha, um território marcado pela disputa clássica entre Grêmio e Internacional. Galló já confidenciou ser gremista. E você?

FF – Eu não converso muito sobre futebol com o Galló (risos). Apesar de ser de família gaúcha, nasci em São Paulo, torço para o Corinthians. Mas, aqui, sou colorado.

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Fabio Faccio, 49 Formado em Administração de Empresas pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), tem MBA (Master in Business Administration) em Varejo pela FGV (Fundação Getúlio Vargas). É presidente da Lojas Renner, onde entrou em 1999 como trainee.

Raio-X
Dados de 2020
Fundação – 1965, Porto Alegre
Receita bruta – R$ 10,3 bilhões
Lucro líquido – R$ 1,09 bilhão
Funcionários – 24,8 mil
Presença física – 606 lojas em todos os estados do país e no DF, além de Argentina e Uruguai
Marcas – Renner, Ashua, Youcom e Camicado
Principais concorrentes – C&A, Riachuelo e Pernambucanas

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