Quanto Ronaldo vai ganhar com a venda do Cruzeiro? Essa é a pergunta do milhão, ou melhor, dos milhões. O ex-jogador que ficou conhecido como “fenômeno” pelo que fez dentro de campo parece ter o mesmo desempenho como empresário.
Na última segunda-feira (29), Ronaldo sacramentou a venda do Cruzeiro, clube que adquiriu em 2022, quando comprou 90% da SAF (Sociedade Anônima de Futebol) da agremiação.
A transação gira em torno de R$ 600 milhões. Em 2021, quando assinou o pré-acordo de venda do clube e depois o sacramentou, em 2022, Ronaldo pagou R$ 50 milhões à vista, um lucro absoluto de R$ 550 milhões, de acordo com a “Rádio Itatiaia”.
No contrato, o fenômeno declarou que investiria mais R$ 350 milhões no clube até 2026. No entanto, o pagamento adicional foi condicionado à performance do clube, ou seja, somente parte do valor sairia do bolso do ex-jogador, caso o faturamento médio obtido entre 2017 e 2022 não aumentasse nos anos seguintes.
Porém, ao longo dos anos, as receitas subiram com certa facilidade, não sendo, então, necessário o aporte de R$ 350 milhões do ex-jogador.
Ronaldo ao lado de Pedro Lourenço, novo dono do Cruzeiro / Foto: Gustavo Aleixo / Divulgação / Cruzeiro
A venda foi feita para o empresário Pedro Lourenço, dono dos Supermercados BH, velho conhecido da torcida cruzeirense. Ele, inclusive, já havia emprestado R$ 100 milhões em 2023 ao ex-jogador, acordo que já previa a troca de dívida por ações na SAF.
Os outros R$ 500 milhões faltantes ainda serão pagos, divididos entre R$ 150 milhões na assinatura do contrato e o restante ao longo de dez anos.
Ronaldo fez “negócio dos deuses”
O BP Money conversou com alguns especialistas no tema sobre esse movimento feito por Ronaldo. Para Felipe Crisafulli, advogado associado do Ambiel Advogados, especializado em Direito Desportivo, o negócio realizado pelo fenômeno foi “dos deuses”.
“Do ponto de vista do investimento, pode ter sido de fato um ‘investimento dos deuses’ para o Ronaldo. Não temos acesso aos números detalhadamente, mas pelo que se viu na imprensa foi algo bem positivo para ele”, analisou Crisafulli ao BP Money.
Ele, que é membro da Comissão Especial de Direito Desportivo da OAB/SP e do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, viu a venda como algo natural, até pela relação construída entre Ronaldo e Pedro Lourenço.
“Ao que parece foi algo muito bem pensado. Ronaldo sempre falou que não seria definitivo, que seria mais um agente passageiro na gestão do clube e que, mais cedo ou mais tarde, deixaria o cargo”, explicou.
Daniel Laudisio, sócio da área de mercado de capitais do Cescon Barrieu, seguiu na mesma linha e destacou o pioneirismo do ex-jogador. De acordo com ele, Ronaldo pegou o clube numa condição muito pior, conseguiu equalizar e entregou à instituição num cenário bem mais positivo.
“Ele teve o ‘estômago’ de entrar e reestruturar para depois passar para frente, que é um movimento comum em indústrias de ativos estressados. O Ronaldo foi pioneiro duas vezes: o primeiro a entrar e o primeiro a sair”, exaltou Laudisio.
Para ele, esse movimento feito por Ronaldo pode ser repetido por outros empresários donos de SAFs nos próximos anos, algo muito natural no mercado.
“Não seria uma surpresa [esse movimento]. Os primeiros que fizeram a SAF, principalmente os maiores clubes, estavam em situações bem complicadas, por isso comparo a situações com ativos estressados. O clube agora é uma empresa como outra qualquer, é só olharmos para os clubes europeus que trocam de donos de maneira recorrente. É um business como qualquer outro”, projetou.
Questionado se essa revenda feita por Ronaldo pode causar algum impacto negativo nas SAFs brasileiras, o sócio da área de mercado de capitais do Cescon Barrieu não acredita que esse fato poderá gerar algum tipo de gatilho nesse sentido.
“É difícil dizer o que o motivou a sair, embora os números pareçam sedutores para ele ter feito esse movimento. No entanto, não me parece que essa venda do Ronaldo vai ser um gatilho para colocar uma pulga atrás da orelha de novos investidores, pois não foi um processo de venda conturbada. Muito pelo contrário, mesmo existindo uma insatisfação da torcida”, opinou Laudisio.
Ronaldo cumpriu ciclo no Cruzeiro
Especialista em M&A, o sócio da área de investimentos da SVN, Luiz Henrique Quintino, acredita que Ronaldo cumpriu um ciclo no comando do Cruzeiro.
“A gestão do Ronaldo se assemelha a quem está mirando um retorno financeiro, que vai entrar, colocar dinheiro para destravar algumas ferramentas de investimento e equilibrar o time para fazer uma saída. Os principais mercados mundiais requerem muito movimentos de entrada e de saída. Para o investidor é muito mais fácil começar a investir quando se percebe que já houve um movimento de saída naquela coisa. Ronaldo cumpriu esse ciclo”, avaliou Quintino.
“A grande sacada do Ronaldo foi que ele decidiu investir em um momento que ninguém queria. Ele foi um dos primeiros investidores de SAF e tomou um risco forte, pois investiu em um clube que estava numa situação muito difícil. Ele se aproveitou de um futebol muito amador, com gestões muito fracas, e arrumou a casa”, completou o sócio da SVN.
Segundo Quintino, o êxito à frente do clube pode abrir espaço para novos investidores em SAFs brasileiras.
“Quanto mais caso de sucesso se traz para a mesa, mais deve fomentar esse tipo de investimento no futebol. Mostra para o investidor qualificado que, se ele tiver noção do que está fazendo, poderá trazer um retorno rápido, inclusive por poder fazer saídas para pessoas que têm também uma ligação emocional com aquele ativo”, explicou.
O especialista elogiou o movimento feito pelo fenômeno, já que, para alçar o Cruzeiro a outro patamar, poderia comprometer seu patrimônio com maiores investimentos.
“Ele é um cara que tem bastante dinheiro, mas o fato é que se ele quisesse levar o Cruzeiro a um outro patamar, teria que fazer investimentos que poderiam comprometer seu patrimônio. Ele entrou barato, apagando incêndio, colocou o dinheiro que tinha disponível, e conseguiu vender por um preço maior. Ele teve êxito do que fez e fechou o ciclo”, finalizou Quintino.
Pedro Lourenço: novo dono é um velho conhecido
Novo dono do Cruzeiro, o empresário Pedro Lourenço já é um velho conhecido do torcedor cruzeirense. Tanto por isso, Felipe Crisafulli viu a negociação com o dono dos Supermercados BH como algo natural.
“Pedro Lourenço era o nome mais natural para assumir essa função. Obviamente pagando o que tivesse que pagar. Não foi um movimento fora do esperado”, explicou o advogado associado do Ambiel Advogados.
Ronaldo recebe beijo de Pedro Lourenço em coletiva de despedida / Foto: Gustavo Aleixo / Divulgação / Cruzeiro
Lourenço já foi patrocinador máster do clube e sua empresa nada mais é que a quinta maior rede de supermercados do País. Em 2023, o empreendimento contou com faturamento de R$ 17,3 bilhões, segundo dados da Associação Brasileira de Supermercados.
O empresário de 68 anos se aproximou da gestão do clube em 2019 ajudando, inclusive, com o pagamento dos salários de jogadores quando o time foi rebaixado para a 2ª divisão do Campeonato Brasileiro.
Com a chegada de Ronaldo, os dois criaram uma relação após se elogiarem publicamente, o que facilitou a negociação entre os dois, sacramentada na última segunda.
Além do investimento a ser feito na SAF, Pedro Lourenço terá a obrigação de assumir todas as responsabilidades impostas à Tara Sports (empresa de Ronaldo) no contrato inicial, feito em 2022.
Estarão sob a responsabilidade do novo sócio majoritário, por exemplo, o pagamento das dívidas cíveis e trabalhistas no regime de recuperação judicial; pagamento da dívida tributária; pagamento de dívidas relacionadas à prática esportiva (FIFA e CNRD); controle das Tocas da Raposa I e II.
Segundo Pedro Lourenço, houve desgaste emocional de Ronaldo com as críticas por parte da torcida. O Fenômeno viu torcedores queimarem a bandeira com sua imagem, após a perda da final do Campeonato Mineiro.
“Na minha vida não tem nada planejado. Ronaldo tem todo o meu respeito. Ele não merece o que a torcida anda falando com ele. Ele não quer isso para a vida dele. A demanda da torcida, queimando faixa. Ele decidiu sair do negócio”, disse o empresário ao “jornal O Tempo”.