O upcycling, método que transforma resíduos em novos materiais, tem ganhado visibilidade e adeptos nos últimos anos com o aumento da demanda por marcas com práticas menos nocivas ao meio ambiente.
Nas redes sociais, é possível notar o crescimento da oferta de produtos feitos a partir da técnica e da procura por cursos para aprendê-la.
“O upcycling é fruto de uma macrotendência global, que é a preocupação com a sustentabilidade. Estamos buscando novos jeitos para solucionar problemas que durante muito tempo foram deixados de lado”, diz Rafael Körbes, docente dos cursos de design de moda e negócios da moda da Universidade Anhembi Morumbi.
A principal diferença em relação à reciclagem é que o upcycling cria produtos de maior valor agregado ou qualidade do que o original. Daí vem o “up” (acima), que dá a ideia de aprimoramento. O método não exige processos químicos para o reaproveitamento dos materiais, que recebem apenas interferências manuais como limpeza, recortes, colagens e costuras.
“A crise econômica abre um imenso espaço para o reúso de materiais. Há escassez de insumos em toda a cadeia produtiva”, afirma Verônica Couto, analista do Sebrae.
Com sede em Santos, no litoral de São Paulo, a Cafusa Moda Consciente reutiliza fios de malha e barbantes para a produção de bolsas, turbantes, pochetes, gorros e outras peças por meio da técnica de crochê upcycling.
A marca trabalha com resíduos têxteis desde 2016 e já reaproveitou o equivalente a 500kg desses materiais. Os itens são idealizados e produzidos por Elizabeth Nogueira de Souza, 59, e Camila Nogueira de Souza Graziano, 34, mãe e filha.
Bióloga, Camila deixou a carreira de gestora ambiental para se dedicar ao negócio. “Foi a partir do conhecimento da minha mãe em crochê que começamos a desenvolver as primeiras peças”, afirma.
Em 2020 elas venderam cerca de 350 peças e, para 2021, projetam um crescimento de 25%. “Os consumidores estão em busca de produtos com menor impacto ambiental e design exclusivo”, diz Camila, que, ao lado da mãe, oferece cursos para ensinar a técnica.
A designer Luci Hidaka, 41, que também promove palestras e cursos sobre upcycling, tem notado um aumento na procura pelas aulas, além do crescimento do número de páginas no Instagram dedicadas ao método.
“A ideia de reaproveitar uma roupa usada, de consertar, customizar, é antiga, sempre existiu por necessidade. Trata-se de uma técnica acessível a todos?, afirma.
Ela é dona da Hidaka Upcycling, marca que trabalha em parceria com costureiras do bairro da Vila Pompeia, na zona oeste de São Paulo. “O legal do upcycling é que ele tem esse viés de coletividade”.
A empresa reaproveita calças jeans usadas e as transforma em peças como jaquetas, macacões e coletes, atualmente, trabalha na criação de aventais para um restaurante.
“Escolhi o jeans porque é um material que exige um alto desperdício de água e uso de produtos químicos poluentes em sua produção industrial”, diz Luci.
A Florent, de Belo Horizonte, também utiliza o upcycling para transformar peças de roupa velhas em itens novos, como jaquetas, calças e shorts sob encomenda. Os tecidos são garimpados em brechós de todo Brasil pela empresa, que trabalha em parceria com costureiras independentes de Minas Gerais.
“Eu me sentia muito mal consumindo marcas que sabia que não representavam o que eu queria para o mundo. Então, começamos a ressignificar peças em nosso ateliê. As primeiras não ficaram tão boas, mas com o tempo alcançamos um resultado impecável, de forma que realmente parecesse uma roupa nova”, afirma Sarah Almeida, 22, criadora da Florent.
A empresa, que produz de 200 a 250 peças por ano, prevê um incremento de 60% nas vendas em 2021. Para atingir esse objetivo, recebeu aportes de duas investidoras no valor de R$ 140 mil para ampliar a capacidade de produção, o fluxo de caixa e as ações de marketing, e começou a atender pedidos em atacado de lojistas de várias partes do Brasil.
A indústria da moda segue como a que mais usa o upcycling, mas a tendência começa a conquistar também setores como decoração e design.
O Estúdio Griffante, de arquitetura e decoração, usou o conceito de reaproveitamento de materiais para fazer o projeto de um restaurante em Porto Alegre (RS). Os resíduos da reforma feita no imóvel, que antes era residencial, foram reutilizados na decoração.
Por exemplo, as ripas de um deck se transformaram em tampos de mesas, e as venezianas retiradas da casa passaram a enfeitar o lounge do restaurante. Além disso, os pendentes de iluminação foram feitos com baldes enferrujados que o cliente tinha em sua fazenda, conta a arquiteta Marina Griffante, 28.
Segundo ela, a arquitetura com base na ressignificação de materiais é um estilo mais rústico, com o qual o cliente precisa se identificar para gostar do resultado.