Via (VIIA3) enfrenta desafio setorial com prejuízo e passado incerto

Apesar de alta capilaridade e marcas fortes, varejista vê uma conjuntura econômica amplamente desfavorável ao setor

Com a pandemia mais perto do fim, o Brasil terá de lidar com as consequências do fechamento da economia e expansão monetária. Uma das empresas beneficiadas pelo aumento artificial da renda brasileira foi a Via (VIIA3), que agora passa sufoco para acompanhar a concorrência.

A companhia, que está prestes a completar dez anos de capital aberto, tem chamado atenção do mercado brasileiro por diferentes razões. Por um lado, a Via tem mais de 1.000 lojas físicas ao redor de todo o Brasil, sendo a líder da categoria de eletrodomésticos e eletroeletrônicos.

A capilaridade da varejista é pautada por suas marcas já registradas na história do país: Casas Bahia, Ponto (antigo Pontofrio), e-commerce do site Extra.com.br e a fabricante de móveis Bartira. 

Por outro lado, a conjuntura econômica é amplamente desfavorável ao setor. As empresas do segmento dependem do incentivo ao consumo no País, enquanto a manutenção do poder de compra da população precisa ser preservada – justamente o oposto da realidade.

Adicionalmente, a crescente e agressiva concorrência de players estrangeiros – com maior capacidade de investimento no oceano azul que é o Brasil – também eleva o grau de incerteza, e risco, da companhia. 

O que explica a queda de 91% do lucro?

Entre outubro e dezembro do ano passado, a Via reportou resultados considerados negativos, dada a sazonalidade positiva para a companhia, com Black Friday e compras de Natal. 

O faturamento total da empresa caiu 15,1%, para R$ 9,56 bilhões. O Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) ajustado, que é uma mensuração da geração de caixa da companhia, até reportou um crescimento de 6,7%, para R$ 734 milhões, o que foi positivo para a margem Ebitda.

A Via atribui a queda da receita bruta sobretudo por conta do desempenho das lojas físicas. Houve descasamento entre o fechamento de unidades e abertura de novas lojas – que ficou concentrada em dezembro.

A empresa também explica o resultado fraco nas lojas físicas com o recrudescimento da pandemia após a chegada da variante Ômicron. 

Vale ressaltar, contudo, que apesar da variante aparecer na África e na Europa no fim de novembro, causou uma onda relevante no Brasil apenas em fevereiro de 2022 – o que deve trazer reflexos no resultado do primeiro trimestre deste ano. 

O lucro líquido operacional tombou 73,4%, para R$ 125 milhões. Do ponto de vista contábil, o lucro foi de R$ 29 milhões – queda de 91,4% em 12 meses – com margem líquida de apenas 0,4%.

A linha tênue entre prejuízo e lucro enquanto receita líquida tem avanço tímido

No ano, o resultado líquido somou R$ 297 milhões negativos – revertendo o lucro na casa do R$ 1 bilhão em 2020.

Do ponto de vista positivo, o GMV (valor bruto de mercadoria), considerando as vendas online (1P) e dos comerciantes parceiros (3P), cresceram 20% no trimestre e 37,1% no ano. 

Essa é a aposta da empresa daqui para frente, com a ampliação das estruturas online. O custo desse crescimento, inclusive, tem sido registrado nos números da companhia com certa frequência. 

A escolha pelo crescimento a despeito de margens

A Via reportou que seu Capex, investimento necessário para a manutenção das operações, foi recorde, atingindo R$ 1 bilhão no acumulado do ano passado, número 139% maior do que o reportado um ano antes.

Desses, R$ 600 milhões foram direcionados para projetos de tecnologia e infraestrutura. O restante contribuiu para a abertura de 101 unidades físicas, levando a Via para mais de 70 novos municípios. 

Destaca-se, recentemente na operação da empresa, a compra da CNT, logtech voltada para o serviço de fulfillment, que abarca todos os passos desde o recebimento dos pedidos até a devida entrega aos clientes – algo amplamente já praticado pelos pares.

Em abril, a companhia também investiu na Já Vendeu, empresa da economia circular, que opera com a compra e venda de produtos usados, como a Enjoei (ENJU3). A startup diz ter crescido 700% em 2021.

De acordo com a empresa, o foco agora é seguir crescendo, de forma orgânica e inorgânica, com rentabilidade. Uma das formas já observadas é o aumento do take rate, comissão nas vendas do marketplace (3P).

Essa é uma tendência da indústria, que enxerga dificuldade na monetização das plataformas. Em janeiro, a Enjoei aumentou sua comissão para os vendedores, assim como fez o Magazine Luiza (MGLU3). 

Segundo a Via, o aumento gradual do take rate tem sido positivo, a ponto de não atrapalhar a chegada de novos vendedores e a manutenção dos vigentes. O movimento é necessário para a manutenção das margens, mas trata-se de um público sensível a preços em um ambiente de alta concorrência.

Passado da Via ainda é um livro aberto

Uma das razões pela qual o mercado tem tido um pé atrás com as ações da Via (queda de quase 72% nos últimos 12 meses) diz respeito à incerteza do passado da companhia. 

Até 2019, a Via era controlada pelo Grupo Pão de Açúcar (PCAR3), em administração altamente questionável – até passar a ser controlada por Michael Klein. O pai de Michael, Samuel Klein, fundou a Casas Bahia na década de 1950. 

No terceiro trimestre do ano passado, a empresa informou estar comprometida com o pagamento de R$ 1,2 bilhão em dívidas trabalhistas, oriundas da antiga gestão. O montante assustou o mercado, que passou a especular uma possível entrada da empresa em recuperação judicial.

Se o processo de RJ se materializasse, certamente a Via entraria para um dos maiores casos do Brasil. Mas ainda parece distante. 

A companhia fez um bom trabalho de alongamento do endividamento, com o prazo médio saindo de 595 dias para 742 dias no fim de 2021.

Por mais que o caixa líquido ajustado tenha caído 60% entre o quarto trimestre de 2020 e o mesmo período do ano passado, a empresa está pouco alavancada.

A relação entre a dívida líquida e o Ebitda de 2021 está em apenas uma vez. Considerando cartões de crédito, antecipações e recebíveis, a empresa tem R$ 6,70 bilhões em caixa, isso perfaz uma relação entre caixa líquido e Ebitda ajustado de 1,5 vez. 

Varejistas sentem pressão estrangeira

O risco comum entre as empresas do setor, que tem ajudado a pressionar os papéis em Bolsa, é a forte concorrência, sobretudo internacional.

Em março, o Mercado Livre (MELI34), empresa argentina listada nos Estados Unidos que tem no Brasil seu maior mercado consumidor, investirá R$ 17 bilhões no Brasil ao longo de 2022. 

A estratégia anunciada pela empresa é acompanhada após ter concluído a aplicação de R$ 10 bilhões no país em 2020, focado na fintech MercadoPago e em novos serviços e produtos.

A fins comparativos, os montantes somados equivalem a mais de duas vezes o valor de firma (enterprise value) da Via – demonstrando o abismo da capacidade de investimento entre os players.

O risco, intensificado pelas chinesas Alibaba e Shopee, também é real. Ambas concentram uma fatia de 67,5% do volume de importados via comércio eletrônico no Brasil. 

Riscos e gatilhos; vale a pena investir na Via?

O movimento da concorrência não significa que a Via não está correndo atrás para se manter competitiva. 

Na proposta em serviços financeiros, o volume total de pagamentos (TPV, em inglês) somou R$ 11,1 bilhões no acumulado de 2021, já o banco digital banQi encerrou o ano passado com 4,3 milhões de contas abertas.

São números expressivos, sobretudo para uma empresa de serviços não financeiros em seu core business. O Banco Inter (BIDI4) possui mais de 18 milhões de clientes, enquanto o iti do Itaú (ITUB4) tem cerca de 15 milhões de contas abertas.

A capilaridade da empresa junto ao consumidor brasileiro, desde as classes sociais mais baixas até a considerada classe média, em sua maioria, terminou 2021 em R$ 5 bilhões, com inadimplência estável. 

Nesse sentido, no caso da Casas Bahia, carro chefe da empresa, o ponto de atenção ficou em torno das despesas da empresa contra os calotes. As Provisões para Devedores Duvidosos (PDD) subiram 2,4 pontos percentuais entre 2020 e 2021, para 13,1%. 

A avenida de crescimento também passa por parcerias estratégicas. No caminho de se tornar um “super app”, o Banco do Brasil (BBAS3) fechou um acordo com a Via, para a venda dos produtos no app do banco – que possui mais de 22 milhões de clientes ativos.

A tese de investimento em Via, porém, possui pedras no sapato igualmente relevantes. 

Em um cenário de contração monetária no Brasil, com o custo do dinheiro ficando mais alto, o que desincentiva o consumo, além de inflação e taxa de desemprego firme acima dos dois dígitos, o cenário é fraco para as varejistas.

Em tempos de crise, o Brasil passa a demandar menos bens duráveis, como eletrodomésticos (geladeira, fogão, televisão etc). A expectativa é que a receita da Via sofra com este contexto brasileiro. 

No que se refere às plataformas, o desafio gira em torno da manutenção do engajamento dos clientes e recorrência de compra, dado que o custo de aquisição de clientes (CAC) é cada vez maior.

Quem se preparar em momentos de baixa do setor com forte investimento em tecnologia e logística e agregar valor de diferentes formas, surfará o ciclo de alta com maior vantagem sobre as demais. 

No comparativo entre as maiores varejistas brasileiras, a Via parece ser a mais barata, mas também a menos eficiente operacionalmente e a menos rentável.

 

AMERICANAS S.A

MAGAZINE LUIZA

VIA

EV/EBITDA

14,46

31,5

9,01

MARGEM BRUTA

29,79%

24,06%

30,19%

MARGEM EBITDA

9,43%

3,65%

1,96%

ROIC

0,69%

-1,87%

-10,66%

LIQUIDEZ CORRENTE

1,64

1,61

0,99

CAGR RECEITA (5 ANOS)

21,42%

29,98%

9,29%

*Em 15/04/2022
** Fonte: Status Invest

A taxa composta anual de crescimento da receita também demonstra a dificuldade da Via dar tração aos seus resultados. 

Mesmo com a pandemia, que trouxe amplo desenvolvimento ao e-commerce e acumulou demanda represada durante quase um ano e meio, o faturamento da empresa não tem acompanhado os concorrentes.

Os poucos gatilhos de curto e médio prazo fazem com que a expectativa para a Via continue sendo de alta volatilidade e desempenho abaixo da média de mercado. 

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