O circo tá pegando fogo no Brasil e a bolsa está derretendo! Mas e daí? Qual é a novidade?

No momento em que escrevo a maior parte dos mercados globais está operando em alta, influenciados pela aprovação do pacote de estímulos americano de US$ 1,9 trilhão.

A expectativa dos investidores é que este novo pacote, aliado ao avanço da vacinação no mundo, resulte em uma recuperação vigorosa da economia mundial.

O efeito colateral desse movimento é que a inflação tende a acelerar nos próximos meses, levando a um aumento da taxa de juros americana, que, por ser a grande referência mundial para o custo do dinheiro, tende a influenciar as taxas de juros em outros países mundo afora.

Quando a taxa de juros das treasuries (como são chamados os títulos públicos dos EUA) sobe, a atratividade de outros investimentos diminui, sobretudo das ações de empresas de alto crescimento, haja vista que costumam operar de forma alavancada e a elevação nos juros aumenta o seu custo.

Outro fator de ajuste mais técnico, é que as ações são precificadas com base nos seus fluxos futuros de receita. Grosso modo, esses fluxos futuros são trazidos a valor presente pela taxa de juros vigente, se a taxa de juros sobe, o denominador dessa equação aumenta, o que reduz o valor presente das ações.

Esse movimento levou a uma desvalorização das ações de tecnologia nos últimos dias. Mas é bom lembrar essas ações foram as grandes vencedoras de 2020, e algumas mais do que dobraram de valor, então, é natural e fundamental que esse movimento de reversão aconteça.

Contudo, apesar desses fatores, o aumento da taxa de juros americana, desde que não seja muito acentuado, é mais do que bem-vindo, pois é uma sinalização clara de que a atividade econômica está se recuperando.

Um cenário de economia mundial em crescimento com elevação da taxa de juros é muito melhor do que um cenário de depressão mundial, com taxas próximas ou abaixo de zero, até porque esse nível de taxa de juros é uma excrescência e não o normal.

Neste momento, inclusive, depois de uma correção saudável, as empresas de tecnologia voltam a se valorizar lá fora, diante da visão de que a taxa de juros continuará em patamares historicamente baixos.

Resumindo, a elevação gradativa da taxa de juros é saudável e indica que o mundo está voltando aos trilhos.

O melhor de tudo, é que momentos de crescimento mundial acentuado são formidáveis para países emergentes, haja vista que um mundo aquecido demanda mais commodities, especialidade da maioria dos emergentes, sobretudo o Brasil, o grande quintal do mundo.

Diante desse quadro promissor, o Brasil deveria estar voando, ou pelo menos se preparando para decolar, não é mesmo? É, deveria…, mas….

Como diria Roberto Campos (não o do Bacen, o avô), “o Brasil nunca perde uma oportunidade de perder oportunidades”.

Na contramão do mundo, a crise da Covid-19 só faz aumentar, a vacinação caminha a passos de tartaruga com sono, as reformas estruturais e as privatizações não caminham, o vai e vem de cadeiras nas empresas estatais não acaba nunca, a insegurança jurídica e tributária é a regra, as decisões do judiciário continuam sendo uma caixa preta cheia de surpresas e a política, como se fosse possível, está pior do que nunca. Enfim, o país está uma zona.

O resultado disso é que o famigerado “risco Brasil” foi para estratosfera. O gringo cansou do país e está levando suas empresas e seu dinheiro para bem longe – em alguns casos para bem perto, logo ali na Argentina. O dólar, que cai em quase todo o mundo, está nas alturas no Brasil e não demorará para influenciar ainda mais a já crescente inflação.

Todo esse pandemônio tem feito os ativos de risco brasileiro chacoalhar. A bolsa está derretendo e a renda fixa sobe e desce sem parar, o que tem feito muitos investidores perderem o sono, principalmente os novatos, que abraçaram a bolsa com vontade depois que a taxa Selic foi para o chão.

Tenho acompanhado tudo isso, até porque faz parte da minha área de atuação, mas confesso que apesar de preocupado com o futuro do país, não estou nem um pouco nervoso com a oscilação dos meus investimentos. A verdade é que já estou acostumado com nossa tradição macunaímica.

Se eu deixasse um texto pronto para usar cada vez que o Brasil passa por uma crise severa, nunca mais precisaria escrever. Mensalão, Lava Jato, Impeachment, mala de dinheiro, tentativa de homicídio, descaso com problemas sérios, nepotismo, abismo fiscal… É triste, mas o Brasil insiste em ser essa bagunça.

Dizem que o Brasil não é para amadores. Eu já acho o contrário, o Brasil é apenas para amadores. Profissionais não competem sem regras claras e em terrenos esburacados. Nossos ativos não são baratos à toa, no jogo do dinheiro, estamos na lanterna da segunda divisão.

Mas isso não quer dizer que precisamos nos desesperar, ou que devemos desistir da nobre arte de investir. Muito pelo contrário.

Para começar, momentos de grande desvalorização são uma excelente oportunidade de comprar excelentes empresas a preços de banana. E quando falo “excelentes” eu não estou exagerando, pois para ter sucesso no Brasil é preciso ser excepcional. É por isso que é fundamental sempre manter alguma grana em caixa, para aproveitar essas “promoções”.

Além disso, essas dores de barriga do mercado nos ajudam a revisar o nosso portfólio e melhorar a nossa técnica, afinal, “mar calmo nunca fez bom marinheiro”.

Por exemplo, se você está muito angustiado, sem conseguir dormir, é possível que tenha se empolgado e assumido um nível de risco incompatível com o seu perfil. Se for o caso, você precisará ajustar a sua carteira, tendo em vista os seus objetivos e a sua tolerância a risco. Será uma ótima oportunidade para avaliar a sua diversificação.

A esta altura nem preciso dizer que diversificação é fundamental né? Nessa confusão, se você tivesse um pouquinho de dólar na carteira, já amenizava bastante a porrada nos demais ativos.

A boa notícia é que nunca foi tão fácil montar uma carteira diversificada no Brasil. No passado, as escolhas do investidor se limitavam a títulos públicos e ações, ou melhor, pouquíssimas ações.

Hoje, o investidor pode investir no Brasil e no exterior, em diversas classes de ativos, que vão de ações a títulos de países desenvolvidos, de criptomoedas a cannabis, de empresas de tecnologia nos EUA e na China a metais preciosos e raros… Não faltam opções.

E se você não investe no exterior ainda, eu recomendo fortemente. Não faz sentido manter todo o seu suado dinheiro investido em um único país, o qual representa menos de 3% da economia global, ainda que seja o país onde você nasceu e vive. É um risco – felizmente, hoje em dia – absolutamente desnecessário.

Ah, mas tem o seguinte, se você está entupido de ações brasileiras e outros ativos de risco, você realmente precisa rever a sua alocação, mas não faça isso de forma açodada. Estabeleça a alocação ideal e vá ajustando a carteira aos poucos. Se decidir vender tudo de vez, no olho do furacão, é possível que realize prejuízos que serão muito difíceis de recuperar. Keep calm!

Vamos torcer para as coisas melhorarem e para o país voltar ao menos à mediocridade. Pela minha experiência, tenho para mim que o Brasil nem tem vocação para ser uma Suíça nem para ser uma Venezuela. Infelizmente, parece que há alguma uma força poderosa que nos empurra para a mediocridade.

Entender isso pode ser de grande valia para os seus investimentos. Quando o país está à beira do precipício e os ativos ficam muito baratos, geram boas oportunidades de compra; quando as coisas estão indo bem e a empolgação está grande, o exagero predomina e os ativos sobem acima do razoável, indicando a hora de vender. Fique atento, pois esse ciclo tem se repetido teimosamente por aqui.

Aproveite o momento para refinar sua técnica e melhorar ainda mais como investidor; para aprender valiosas lições enquanto a manada se desespera. Não é a primeira grande crise enfrentada pelo país e duvido seriamente que será a última. Só nos resta sobreviver e se adaptar, tentando prosperar em meio ao caos, afinal, como bons brasileiros, não desistimos nunca.