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Patrocínios de casas de apostas movimentam mais de R$ 1 bilhão por ano no futebol brasileiro, dominando as camisas dos clubes da Série A e transformando o cenário esportivo nacional.
Os clubes brasileiros têm observado uma mudança significativa em seu portfólio de patrocínios nos últimos anos. Os investimentos por parte de empresas especializadas em apostas cresceram de forma acelerada e passaram a figurar como protagonistas nas camisas, nos estádios e nas campanhas de marketing dos principais times do país.
Essa ascensão acompanha a expansão dos sites de apostas em futebol, que elevou para mais de R$ 1 bilhão por ano o montante movimentado apenas em contratos de patrocínio na elite do esporte brasileiro. Jogue com responsabilidade.
O domínio das bets nas camisas dos clubes
Hoje, é quase impossível assistir a uma partida de futebol do Brasileirão sem avistar o logo de uma casa de apostas estampado no uniforme dos jogadores. Dos 20 clubes da Série A, 18 têm uma bet como patrocinadora máster — a marca que ocupa o lugar de destaque no centro da camisa. Essa hegemonia é resultado de contratos bilionários que se tornaram a principal fonte de receita publicitária para os clubes.
Os valores envolvidos são estratosféricos e refletem uma corrida das apostas por visibilidade. O Flamengo, por exemplo, anunciou um contrato com a Betano no valor de R$ 268,5 milhões. O São Paulo fechou um acordo de três anos com a Superbet, que renderá R$ 52 milhões por temporada, enquanto o Palmeiras assinou com a Sportingbet por cerca de R$ 300 milhões no total.
Para Giovanni Rocco, Secretário Nacional de Apostas Esportivas do Ministério do Esporte, “as casas de apostas se utilizaram do esporte para entrar na vida das pessoas”. Ele estima que os valores de patrocínio estão inflacionados em pelo menos cinco vezes, o que, embora beneficie os clubes no curto prazo, cria uma perigosa dependência desse mercado.
Um mercado em crescimento explosivo
O Brasil se consolidou como um gigante global das apostas. Dados da consultoria Regulus Partners, obtidos pela BBC News Brasil, posicionam o país como o quinto maior mercado de apostas do mundo em 2025, com uma receita líquida projetada de US$ 4,139 bilhões (cerca de R$ 22 bilhões). Esse crescimento foi agressivo: em 2014, o mercado era estimado em apenas US$ 300 milhões.
Vários fatores se combinaram para impulsionar esse boom. O economista Victo Silva, pesquisador de Harvard, aponta que a legalização em 2018, seguida por um longo período sem regulamentação até 2024, permitiu que as empresas operassem e aplicassem estratégias agressivas para capturar apostadores. A pandemia de Covid-19 também acelerou a migração para o digital.
André Gelfi, do Instituto Brasileiro de Jogo Responsável, acrescenta outros elementos: a alta bancarização da população, a adoção massiva do PIX, que facilita transações instantâneas e sem custo, e uma demanda reprimida por jogos de azar, historicamente proibidos no Brasil há mais de 80 anos.
A regulação e seus desafios
O ano de 2025 marcou o início efetivo do mercado regulado de apostas no Brasil. A Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA), vinculada ao Ministério da Fazenda, estabeleceu um rigoroso arcabouço de regras que passou a valer em 1º de janeiro de 2025. De acordo com o secretário Giovanni Rocco, o Brasil passou a ser elogiado internacionalmente e hoje tem “uma das melhores regulações”.
As normas buscam trazer segurança e controle a um setor que operava à margem. Entre as principais exigências estão:
- Identificação rigorosa dos apostadores por meio de CPF e reconhecimento facial;
- Combate à lavagem de dinheiro e monitoramento constante de transações;
- Proteção a grupos vulneráveis, com vedação de participação de menores de 18 anos;
- Criação de um banco de dados centralizado para que o governo possa monitorar as operações diariamente.
No entanto, um desafio colossal persiste: o mercado ilegal. Um estudo da Yield Sec revelou que, no primeiro semestre de 2025, 51% da receita do setor (R$ 18,1 bilhões) ainda estava nas mãos de operadoras ilegais.
Ismail Vali, CEO da consultoria, projeta que, se nada for feito, essa participação pode chegar a 74% até o fim de 2026. Isso representa uma ameaça não apenas à arrecadação, mas também à integridade do esporte, pois as casas ilegais não são obrigadas a reportar suspeitas de manipulação de resultados.
Recursos em jogo e a necessidade de equilíbrio
O Congresso Nacional debate atualmente como distribuir R$ 767 milhões provenientes da arrecadação das apostas, uma contrapartida prevista em lei para clubes, atletas e federações pelo uso de suas imagens e símbolos. O impasse sobre a divisão, se o dinheiro tem caráter público ou privado e como rateá-lo entre esportes mais e menos populares, ainda não foi resolvido.
Enquanto isso, o Ministério do Esporte defende que os recursos da tributação das bets sejam aplicados em políticas públicas voltadas aos atletas. “Não adianta nada mostrar o caminho correto se o atleta não tem estrutura para tomar decisão e evoluir como atleta”, defendeu Giovanni Rocco.
A consolidação do mercado de apostas no Brasil é um fenômeno irreversível que trouxe uma injeção de recursos vital para o futebol em um momento de crise. No entanto, a jornada à frente exigirá um equilíbrio delicado entre aproveitar os benefícios econômicos, proteger a integridade esportiva e garantir que o esporte, que foi a porta de entrada das bets no país, não se torne refém de seu próprio sucesso.