Entre algumas das inúmeras dificuldades de comprar vinho, podemos destacar a primeira de todas, que é ler um rótulo. A grande maioria dos consumidores tem dificuldade em entender exatamente o vinho que está sendo oferecido.
A Borgonha notoriamente detém uma grande parcela da culpa. Ressalto aqui que isto não é um julgamento de valor, apenas um fato. Defenderia, inclusive, que a Borgonha só está positivamente posicionada no mercado global justamente porque gastou décadas com sua sabedoria eclesiástica criando um sistema extremamente diligente (e, por consequência, complexo).
Dito isso, tentarei nesse artigo simplificar ao máximo o sistema de classificação da Borgonha e, por meio deste, explicar onde acredito que o consumidor pode explorar o máximo de valor. De maneira simplificada, a Borgonha possui essencialmente quatro classificações, sendo elas: (i) regional, (ii) village, (iii) premier cru ou 1er cru e (iv) Grand Cru.
A primeira destas (i) é dividida entre 23 AOCs (sub-regiões) e representa 52% da produção da Borgonha. Aqui, encontramos alguns dos vinhos mais econômicos da região, com menos identidade de parcelas individuais. Os vinhos podem ser feitos a partir de uvas cultivadas em qualquer região dentro da Borgonha. Exemplares de vinhos regionais incluem rótulos escritos Bourgogne, por exemplo.
Subindo a escada teórica de qualidade, chegamos nos villages (ii). Trata-se de vilarejos ou cidades (bairros) produtores de vinho. Estes representam 36% da produção e são subdivididos em 44 AOCs. Vinhos village são cultivados dentro de uma zona específica e tendem a refletir o solo e clima daquela área. Exemplos incluem Gevrey-Chambertin, Vosne-Romanée, Meursault e muitos outros.
Mas como saber se um vinho é village? A verdade é que não existe regra além de memorização. O livro e o Google são seus melhores amigos aqui. Ademais, é justamente aqui que vejo as bolhas de valor mencionadas no título deste artigo. Explicarei melhor nos próximos parágrafos.
Dando sequência, chegamos nos vinhos premier cru (iii). Estes são vinhos de um único vinhedo com reputação para produzir vinhos de alta qualidade. Vale ressaltar que, se o nome do village aparece no rótulo acompanhado pelas palavras premier cru (ou 1er cru) mas sem o nome do vinhedo, conclui-se que o vinho é uma mistura de vinhedos com denominação premier cru. Exemplos incluem Chablis 1er Cru Montee de Tonnerre, Chambolle Musigny 1er Cru Les Amoureuses e outros 633.
Por fim, chegamos na mais alta denominação, os Grand Crus (iv). Estes representam um único vinhedo de qualidade excepcional. Existem 33 vinhedos Grand Cru na Borgonha responsáveis por menos de 2% da produção. Os rótulos de tais vinhos trazem o nome do vinhedo na frente, quase uma questão de honra. Exemplos incluem Chambertin, Clos Vougeot, La Tache e outros 30.
Com este preâmbulo longo, porém necessário, posto, chegamos no cerne da questão. Existe um termo usado na Borgonha chamado de Lieu-Dit. Este termo significa literalmente “localização”. É um termo geográfico usado para identificar um vinhedo específico que não é classificado. Vinhos que seguem essa lógica levam o nome do village e o nome do vinhedo sem nenhuma menção a premier cru ou grand cru.
Em suma, estamos falando de uma parcela que o produtor considera única o suficiente do ponto de vista de terroir que o líquido merece ser engarrafado sem ser misturado com o vinho de nenhuma outra parcela. Não é possível garantir que os vinhos terão a mesma qualidade que os vinhos classificados, mas na prática muitas vezes encontramos vinhos de excelente qualidade e precificados abaixo do esperado.
Vale ressaltar, por fim, que ocasionalmente os vinhos lieu-dit recebem atenção suficiente para que os órgãos responsáveis decidam classificá-los como premier cru. Este não é um processo simples e admitidamente bastante demorado, mas muitas vezes é válido do ponto de vista financeiro, principalmente para os pequenos produtores. Exemplos incluem Gevrey-Chambertin no vinhedo “La Justice” com alguns produtores notórios fazendo grandes vinhos.
Os bolsos de valor, por obséquio, estão nos lieu-dit ainda não classificados e pouco conhecidos. O desafio, portanto, está em descobri-los antes do mercado.