Edelman Trust: Por que os brasileiros confiam mais nas empresas?

Pesquisa mostrou que os brasileiros confiam mais em empresas que a média de outros países

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Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Os brasileiros têm uma confiança em empresas acima da média global, apontou o Edelman Trust Barometer 2024. De acordo com a pesquisa, a população do país considera as organizações privadas mais éticas e competentes se comparadas às ONGs, mídia e governo.

Enquanto o escore de percepção de competência dos brasileiros nas empresas é de 17, igual à média global, a maior diferença ocorre na ética percebida: o índice do país é de 24 nesse quesito, enquanto na média mundial é de 17.

Além disso, brasileiros confiam mais nas organizações privadas que em ONGs, tendência também contrária à de outros países.

“O resultado dessa pesquisa fornece um insight valioso sobre tendências globais e locais de confiança, permitindo que empresas, governos e organizações compreendam melhor as expectativas e percepções do público. E os dados de 2024 trazem um desequilíbrio muito grande entre instituições”, comenta o economista, sócio e Head da Valor Capital Pablo Alencar.

De acordo com especialistas, isto ocorre por uma proximidade que as empresas têm com a população, além de questões jurídicas e uma herança cultural e social. Essa confiança nas empresas também é alimentada por um descrédito na política e na mídia.

“Em comparação com outros setores, como o governo, ONGs e a imprensa, as empresas são vistas como estruturas mais sólidas e objetivas, especialmente porque estão mais próximas do cotidiano dos cidadãos, entregando produtos e serviços que impactam diretamente suas vidas”, avalia Gustavo Didier, economista, CEO e Fundador da gestora Unio Company.

Isto ocorre porque historicamente as empresas brasileiras priorizam investimentos em estratégias de aproximação com a sociedade e comunicação direta, explica o CEO. “Muitas empresas têm adotado uma linguagem mais acessível e uma postura de diálogo com a sociedade, especialmente em tempos de crise“, comenta.

Dessa forma, os brasileiros percebem as organizações privadas como mais bem equipadas para lidar com os desafios sociais e ambientais.

Em contrapartida, o governo e a mídia têm sustentado desconfiança da população, movida pela polarização política, propagação de notícias falsas nas redes e percepção de que essas instituições não agem de acordo com o interesse público, afirma Alencar.

Confiança persiste mesmo após erros

A confiança nas empresas pode parecer contraditória quando se leva em conta falhas no fornecimento de energia ou tragédias ambientais como a de Brumadinho. Mas Didier explica que, mesmo após essas crises, as empresas têm conseguido manter uma imagem responsabilidade e prometem inovação e desenvolvimento, apesar delas.

“Em muitos casos, após erros graves, as empresas implementam medidas de reparação, demonstrando um compromisso público em corrigir falhas e aprender com elas”, explica o CEO. As companhias também costumam divulgar amplamente seus compromissos financeiros e esforço de responsabilização e remediação.

“Esse processo de ‘aprendizado após o erro‘ é compreendido pelo público como um sinal de maturidade e seriedade empresarial”, afirma Didier.

Segundo o CEO, isto ocorre também porque, culturalmente, os brasileiros não tendem a questionar o sistema de maneira profunda e separam a imagem da empresas de seus eventuais erros, especialmente em setores críticos, como energia e mineração.

“Isto também facilita uma aceitação mais rápida de que as empresas seguem sendo confiáveis, desde que demonstrem ações corretivas e compromisso com a melhoria”, afirma o especialista.

Para o advogado e professor de direito Ilmar Muniz, especialista em direito constitucional, penal e do consumidor, essa manutenção da confiança tem também a ver com o processo jurídico brasileiro. De acordo com ele, o Ministério Público e a justiça são distintamente atuantes contra posturas irregulares das organizações privadas.

Uma vez que as empresas do país podem chegar até à falência por irregularidades, a população tem uma maior sensação de confiabilidade nessas organizações.

“Nos casos mais emblemáticos, de erros com maior magnitude, o Ministério Público foi extremamente atuante, indo de fato a responsabilizar civilmente e criminalmente empresas que cometem erros e prejudicam a população, então a confiança vem dessa reparação imediata e atuação do poder judiciário“, diz Muniz.

Além disso, o advogado acredita que essa aceitação tem uma origem histórica. Por ser um dos últimos países a abolir a escravidão, culturalmente no Brasil há uma tendência em confiar naqueles que detêm os meios de produção.

“Existia um senhor da produção que mandava e tinha razão no que fazia, então culturalmente nós entendemos que o detentor da produção é quem tem razão em mandar e fazer as coisas“, destaca o advogado. Por este motivo, há uma noção geral de que as empresas são detentoras de uma razão implícita.

Resultados do Edelman Trust Barometer refletem uma busca por segurança em meio ao caos

Para Didier, a confiança do brasileiros nas empresas é mais do que uma simples preferência. Ela representa uma busca por estabilidade e segurança em um ambiente de turbulências políticas.

Segundo o especialista, o esforço constante das empresas em mostrar responsabilidade social e econômica cria um ambiente onde o brasileiro vê nas organizações privadas um pilar de segurança. “A postura mais proativa das empresas em lidar com crises, prestar contas e se adaptar ao ambiente econômico reforça essa confiança”, destaca Didier.

“Ao contrário de outros setores, as empresas dependem da satisfação de seus consumidores para prosperar, o que gera um compromisso direto com o bem-estar e com a entrega de valor ao público, um fator que ressoa positivamente com os brasileiros”, completa.

De acordo com o Edelman Trust Barometer, os brasileiros também confiam mais nas empresas para promover inovação. Segundo Didier, isto ocorre porque, ao contrário do governo, elas não passam por tantos obstáculos burocráticos e orçamentários.

“A experiência do consumidor reforça essa percepção. Com a popularização das startups e fintechs, por exemplo, o brasileiro passou a associar as empresas à ideia de progresso e evolução, percebendo que o setor privado pode ser ágil e eficaz em resolver problemas concretos, algo que frequentemente falta no setor público”, conclui Didier.