
Em meio ao crescimento do mercado de apostas online no Brasil, um impasse acirrado se estabelece entre as empresas que se ajustaram à regulamentação do setor e as marcas que operam como casa de aposta sem verificação – sites que operam à margem da lei, sem fiscalização, sem recolhimento de tributos e sem qualquer garantia de proteção ao consumidor.
O desequilíbrio já começa a aparecer: segundo associações do setor legalizado, essas casas ilegais movimentam mais que o dobro do volume financeiro das operadoras regulamentadas.
Dados divulgados pelas principais entidades representativas do setor de apostas, como a Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL) e o Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), mostram que enquanto o mercado regulado movimentou cerca de R$ 3,1 bilhões por mês no primeiro trimestre de 2025, quem opera casa de aposta sem verificação atingiu volumes entre R$ 6,5 bilhões e R$ 7 bilhões mensais.
Estas somas destinadas ao mercado clandestino colocam em risco o sistema regulado que, mesmo com investimento bilionário, luta para manter-se competitivo. Isto porque as operadoras regulamentadas enfrentam uma pesada carga tributária que compromete sua viabilidade.
Segundo estimativas das associações do setor, com a futura incidência do Imposto Seletivo, a carga tributária para uma bet legalizada total pode atingir quase 50% sobre a receita bruta com os jogos — GGR, na sigla em inglês. Isso inclui impostos típicos do setor de serviços (ISS, PIS, Cofins e IRPJ), uma taxa de fiscalização mensal à Secretaria de Prêmios e Apostas e a destinação obrigatória de 12% da receita ao Tesouro Nacional.
Bet legalizada é alvo em Brasília
A discussão ganhou força recentemente após movimentações em Brasília que visam modificar aspectos da regulamentação que entrou em vigor no dia 1º de janeiro. Alguns setores, incluindo o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, chegaram a propor imposto sobre bets para compensar o aumento do IOF, anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Um levantamento da Folha de S.Paulo, no entanto, mostra que apenas essa alteração não seria suficiente para igualar os cerca de R$ 20 bilhões esperados com o aumento do IOF. Para isso, seria necessário tributar 77% da receita bruta das bets legalizadas.
Outro ponto de tensão reside na discussão sobre restrição à publicidade. Enquanto se cogita impor mais limites às marcas que se regulamentaram, como a proibição em determinados meios e horários, uma casa de aposta sem verificação consegue anunciar livremente em plataformas digitais, muitas vezes com a conivência das big techs, que agem para derrubar as contas e propagandas ilegais apenas quando provocadas.
Câmara debate sobre casa de aposta sem verificação
A dificuldade de monitorar as operações de uma casa de aposta sem verificação foi tema de uma audiência pública realizada no dia 27 de maio na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados. Parlamentares e especialistas pediram a regulação de redes sociais para coibir mercado ilegal de bets, já que é nelas que circula a maior parte da publicidade dos sites ilegais.
O deputado Bacelar (PV-BA) criticou a lentidão da regulamentação e a dificuldade em conter um mercado que opera livremente e já sofreu mais de 12 mil bloqueios. Para ele, “bloquear sites é como enxugar gelo” – metáfora que evidencia a urgência de novas estratégias, como o bloqueio de transações financeiras e a responsabilização das plataformas digitais.
Já o Ministério da Fazenda revelou que em 2025 foram iniciadas fiscalizações sobre as operadoras legalizadas, resultando em sanções e multas. No entanto, ainda há mais de 12 mil sites ilegais ativos, muitos hospedados fora do Brasil, dificultando o controle. Para fortalecer o combate, estão em andamento iniciativas como a criação de um selo distintivo para operadoras autorizadas e acordos com empresas especializadas em monitoramento.
Risco de retrocesso paira sobre decisões políticas
A tensão política em torno do IOF e da arrecadação fiscal pressiona o setor de apostas a contribuir ainda mais para os cofres públicos, ao mesmo tempo em que as polêmicas com influenciadores colocaram o Congresso no caminho de mais limites à publicidade. No entanto, como alertam as associações, seguir por esse rumo pode resultar em retrocessos.
O risco é de tornar impossível a competição de uma bet legalizada com uma casa de aposta sem verificação, levando à redução de investimentos, corte de empregos empregos e até à saída do mercado, abrindo ainda mais espaço para a ilegalidade.
Experiências internacionais, como as da Espanha e da Itália, demonstram que o aumento exagerado de tributos em mercados recém-regulados tende a empurrar os apostadores para o mercado ilegal. Desfecho que reduz a arrecadação e enfraquece o sistema de fiscalização do setor, sem enfrentar diretamente os problemas de jogo patológico e gastos em excesso.