Para Alperowitch, da Fama Investimentos, mercado ignora que ESG é fundamento para estratégia de longo prazo

Em entrevista ao BP Money, o gestor critica visão reducionista de investidores sobre a agenda ESG e defende que, mesmo com oscilações nos papéis, ativos em carteira são "negócios sólidos"

Fabio Alperowitch não é dado a meias palavras. Ao lado de Mauricio Levi há quase 30 anos na Fama Investimentos, os gestores de portfólio têm uma visão nítida e segura sobre a sua estratégia de alocação. Em 2012, os fundos da casa foram integrados e, desde então, a empresa está focada na gestão da carteira apresentada no fundo FAMA FIC FIA. A gestora é famosa no mercado por usar fundamentos da agenda ESG (do inglês, ambiental, social e governança) na construção das suas análises. 

É com base nesse reconhecimento que a Fama tem conquistado cada vez mais investidores, mesmo com a indústria lutando contra a fuga do capital para os ativos de renda fixa. O movimento, explica Alperowitch, é graças ao fluxo dos investidores institucionais, que têm amadurecido o olhar para a responsabilidade dos seus investimentos.

O fundo de ações FAMA FIC FIA está com retorno anualizado médio de 17,8%, se considerado desde o começo, em 1997, contra 13% do Ibovespa. São cerca de 16 nomes na carteira hoje e, para ser ao menos considerado nesse portfólio, a barreira é alta. 

A equipe da gestora trabalha com as avaliações tradicionais para análise das companhias, o bom e velho bottom up. O diferencial na sua estratégia está em entender como os critérios da agenda ESG devem ser entrelaçados nessa conjuntura. “Para nós da Fama, o ESG permeia todas essas questões [de negócios]”, disse o sócio-fundador em entrevista ao BP Money. 

Ao estudar a cadeia de fornecedores, por exemplo, seu time de analistas investiga, além de questões tradicionalmente entendidas como inerentes à gestão de negócios, a incidência de trabalho irregular e a pegada hídrica e de carbono de todos esses elos na indústria.

São critérios que, para Alperowitch, fogem ao radar do mercado hoje. O gestor de portfólio da Fama atribui justamente à visão reducionista dos investidores sobre ESG a recente mudança de posicionamento sobre esses temas. Neste ano, a agenda parece ter sido novamente relegada ao segundo plano ante a urgência do setor financeiro com a crise global, como se esses preceitos precisassem ser abandonados em nome do rendimento. 

“Parte daqueles que falavam em ESG nunca acreditou nessa agenda. Eram pessoas que tinham uma visão oportunista do assunto, o que, claro, torna essa postura muito frágil. No momento em que ficou mais difícil investir em ESG e ter retorno no curto prazo, o discurso mudou”, afirmou Alperowitch. 

O sócio-fundador da Fama não se diz tenso com a volatilidade dos preços dos ativos em bolsa, porque entende que o cenário macroeconômico não afeta o fundamento dos negócios na carteira da gestora. “Só investimos em empresas sólidas, isso significa que suas ações podem cair ou subir, mas a visão de negócio é permanente, resiste à volatilidade e até consegue ganhar mercado ao longo do tempo diante da crise”, explicou. A segurança de Alperowitch vem do olhar no longo prazo. 

Ele e Levi não deixaram para trás a visão dos dois jovens universitários de 20 anos que tinham US$ 10 mil sob gestão em 1993, ano que criaram a Fama. A consistência na busca por empresas com bons fundamentos e potencial de crescimento vem desde aquela época, quando o capital e o tempo da dupla eram mais escassos. De lá para cá, a gestora cresceu até se tornar uma das maiores e mais reconhecidas no País, com cerca de R$ 2,8 bilhões sob gestão, dos quais boa parte (em torno de 80% dos ativos) vêm de investidores estrangeiros. 

Confira abaixo a entrevista de Fabio Alperowitch ao BP Money.

BP Money – Como a carteira da Fama está alocada hoje? 
Fabio Alperowitch – Consolidamos um perfil de manter ter pouco dinheiro em carteira*. Isso porque compramos empresas que acreditamos serem boas, independentemente do ciclo econômico. Claro que podemos mudar de opinião ou os preços das ações das empresas podem oscilar, mas, em geral, nossa carteira é pouco alterada. 

Além das posições tradicionais, como em Localiza, Klabin e Renner, entre outras, neste ano, entraram Omega e B3. Temos sempre em torno de 16 empresas no portfólio e mudamos, em média, duas a três por ano. Mas essa alteração não é uma obrigatoriedade. No ano passado, entraram três nomes e saíram três. Acabamos também reduzindo o peso de algumas alocações para entrarem esses novos nomes. 

*A Fama tinha cerca de 1% dos ativos sob gestão em caixa no fechamento de maio de 2022.

Há uma janela na bolsa que vocês costumam construir essas análises para fazer as movimentações?
Fazemos revisão da carteira semanalmente – toda segunda-feira -, mas as movimentações são raras. Normalmente, mudamos posições se o preço oscilou demais ou diante de uma análise diferente do que esperávamos sobre determinada empresa. Outra razão para reduzirmos posição é o caso de surgir uma boa análise de investimento em uma empresa nova, aí precisamos tirar o dinheiro de algum lugar, geralmente de alguma posição. Há diversas motivações que podem nos levar a rever as alocações, mas não existe nenhuma obrigação de movimentar a carteira dentro da gestora. Podemos muito bem passar o ano sem fazer nada.

A gestora é conhecida por adotar critérios ESG para análise das empresas. Como vocês conseguem refletir essa estratégia para o investimento?
Quando um analista monta uma avaliação tradicional, olha para o produto da empresa, para a gestão, tenta identificar as barreiras de entrada no setor, a força competitiva da empresa e uma série de fatores inerentes ao negócio. Para nós da Fama, o ESG permeia todas essas questões.

Por exemplo: quando olhamos para a cadeia de fornecedores de uma empresa, buscamos entender se esses agentes são também responsáveis, se há algum tipo de violação de direitos trabalhistas ou histórico de incidência de trabalho análogo à escravidão e trabalho infantil. Avaliamos a pegada hídrica e de carbono dessa cadeia, e outros elementos. É uma camada de análise que não está no radar do mercado hoje, e é algo que fazemos junto com todos os outros aspectos. Basicamente, incluímos o olhar ESG para estruturar nossas interpretações sobre cada empresa.

Quais as complexidades de trabalhar essas métricas ESG no Brasil? 
Não há muitas diferenças daqui para outros mercados. Temos empresas horrorosas aqui, assim como vemos em outros países, da mesma forma que há empresas excelentes aqui e lá. O que existe, na verdade, é uma distância do mercado financeiro deste tema e, portanto, um desconhecimento dos princípios do ESG. O investidor, de maneira geral, tende a ter uma visão rasa e reducionista do que é o ESG. Entendo que o maior problema aí está nessa visão do mercado.

Aliás, o discurso do mercado sobre ESG mudou repentinamente, e o tema parece ter caído para segundo plano. Você entende isso como reflexo da crise global?
Parte daqueles que falavam em ESG nunca acreditou nessa agenda. Eram pessoas que tinham uma visão oportunista do assunto, o que, claro, torna essa postura muito frágil. No momento em que ficou mais difícil investir em ESG e ter retorno no curto prazo, o discurso mudou. E, na verdade, isso é ótimo. Essa saída de investidores limpa o mercado, restando apenas aqueles que acreditam na importância do ESG e entendem como são questões essenciais para o negócio.

Então podemos entender que o ESG deve continuar fora do radar de boa parte desses investidores por mais tempo?
Existe uma questão no longo prazo que impacta esse cenário: a geração Z (nascidos entre 1995-2010)se importa com as questões ESG. Isso quer dizer que existe um público conectado com as discussões sobre mudanças climáticas, a agenda antirracista, o combate à homofobia, que luta contra a crueldade animal na indústria e está alinhado com todos esses temas da agenda ESG.

Quanto mais força essa geração estiver na tomada de decisão política e mais peso tiver no mercado de consumo, mais esses temas estarão presentes na pauta do mercado financeiro. Por isso o ESG é uma questão inevitável e que ganha força conforme chega essa nova geração. Hoje, essa camada da população ainda tem poderes políticos e de compra discretos, por isso, há esse “modismo”, quer dizer, um posicionamento frágil em torno do tema. O mercado ainda está atrás da fonte de dinheiro que não necessariamente está ligada a um rendimento responsável. 

Esse alinhamento da agenda ESG com a geração Z se refletiu em mudanças no perfil do investidor da Fama?
Existe esse aspecto, de nosso fundo ter mais apelo à geração Z. Mas o fluxo mais considerável é dos investidores institucionais, que têm cada vez mais aprofundado o olhar para a responsabilidade dos seus investimentos. Com o tempo, acredito que os dois movimentos devem se fortalecer.

Por conta dessa pressão do mercado consumidor sobre temas ESG, a agenda tende a ter um peso maior em alguns setores?
Essa visão pode impactar negativamente setores como frigoríficos, empresas na indústria de combustíveis fósseis e as operações de alto impacto ambiental. Neste sentido, pode haver um peso mais direto dos ESG sobre esses setores, mas todos os demais devem sentir o fortalecimento da agenda. Como um todo, o mercado ainda é muito imaturo na abordagem dessas temáticas.

À medida que amadurece, deve conseguir dar mais valor à agenda ESG. Infelizmente, acredito que ainda deve demorar o despertar para essa discussão. Quando o mercado estava começando a acordar para o ESG, vieram a guerra na Ucrânia e toda a conjuntura no cenário macroeconômico que jogaram o debate ESG para “baixo do tapete”. Mas com o impulso da geração Z nos próximos anos, isso deve ser especialmente retomado.

Outra questão no portfólio da Fama é que vocês estão bem expostos a papéis de small caps. Como estão lidando com a volatilidade desses ativos?
Qualquer investidor que aplica em renda variável precisa ter olhar de longo prazo, e o fato de a gestora construir uma análise baseada ou não em ESG ou estar com posição em empresas maiores ou menores não deveria afetar essa visão. Na Fama, investimos em empresas de diferentes tamanhos, nosso único critério é a liquidez: não investimos em empresas ilíquidas. Temos Log CP, Locaweb, Arezzo e outras entre as small caps. São companhias de diferentes tamanhos e em setores diversos, mas nenhuma delas é ilíquida.

Nosso olhar para essas empresas não é diferente do que temos para outras, quer dizer, está baseado no fundamento e no horizonte para o negócio. O que temos é uma estratégia de gestão de risco, pelo qual estabelecemos tetos para as posições nas empresas menos líquidas. Mas exigimos nas análises de Localiza e de Log CP, por exemplo, os mesmos padrões, as mesmas oportunidades de crescimento, margem e etc.

Quais são os pontos de atenção para a gestora no mercado neste ano de maior volatilidade nas bolsas?
Não gostamos muito de olhar para o ano, porque é um prazo muito curto para a visão de investimentos com a qual trabalhamos. Além disso, buscamos investir em empresas cujas teses de negócio não mudam nesses ambientes adversos, aquelas que são menos dependentes de fatores externos.

Mas, naturalmente, este ano trouxe uma série de desafios para os mercados com a redução da liquidez, aumento da taxa de juros, o horizonte de eleições gerais no Brasil, guerra no leste europeu e valorização do preço de commodities. Só que esse cenário não é mais novidade para ninguém, e todos esses fatores já se refletem no preço das empresas. Não tentamos adivinhar a direção de nenhum ativo baseado nessas questões, isso quer dizer que não vamos comprar ou vender por causa do cenário macro, porque, em geral, esses parâmetros já estão precificados. 

Com os reajustes dos valuations de muitas dessas empresas, o momento está mais favorável para compra desses ativos?
Há empresas cujas ações caíram muito e, sim, surgiram boas oportunidades para compra, tanto que entraram dois nomes na nossa carteira neste ano. Mas não vamos mudar nossa visão de alocação ou filosofia de investimento e, de repente, começar a fazer muitas movimentações por conta das oscilações de mercado. Nosso perfil é de mexer pouco na carteira de investimentos. Temos reuniões semanais, nas quais conversamos sobre as empresas, sobre o mercado e até trazemos nomes de novas empresas, mas as movimentações são bem infrequentes.

Qual é a estratégia da Fama para fazer a proteção da carteira?
Compramos empresas de altíssima qualidade. Não entram na nossa carteira as empresas alavancadas ou muito cíclicas, nem as muito expostas à tecnologia ou à concorrência, também não compramos empresas em turnaround (no processo de recuperação judicial). Só investimos em empresas sólidas, isso significa que suas ações podem cair ou subir, mas a visão de negócio é permanente, resiste à volatilidade e até consegue ganhar mercado ao longo do tempo diante da crise

FAMA Investimentos
Sede: São Paulo
Liderança: Fabio Alperowitch e Mauricio Levi, sócios-fundadores e gestores de portfólio
Foco: fundo de ações
Capital sob gestão: aproximadamente R$ 2,8 bilhões (*maio de 2022)
Entrevistado: Fabio Alperowitch, sócio-fundador e gestor de portfólio
Estrutura: 15 pessoas, sendo dois gestores de portfólio