Fundada em 2021, a Alphatree Capital é relativamente nova nessa indústria de capitais, com cerca de R$ 6,5 trilhões de patrimônio líquido, mas sua equipe, não. Bem familiarizados ao mercado financeiro, os cofundadores da gestora, Rodrigo Jolig e Jonas Doi, resolveram se juntar para lançar o fundo multimercados. A proposta combina gestão discricionária com sistemática, o que significa submeter as teses de investimentos ao escrutínio de modelos matemáticos criados dentro de casa.
Os gestores defendem conseguir rentabilidade no curto e médio prazo mesmo em um cenário de juros altos. O Alphatree FIC FIM, um fundo multimercado para investidores qualificados de investimento inicial de R$ 5 mil, foi criado com uma carteira exposta a ativos brasileiros e estrangeiros. Com pouco mais de seis meses de existência, está com rentabilidade acumulada em 27% e já tem R$ 435 milhões sob gestão.
A Alphatree foi apadrinhada por ninguém menos que o empresário Elie Horn, fundador e ex-presidente da construtora Cyrela (CYRE3), que confiou seus investimentos como capital semente do fundo. Um movimento mais estratégico do que uma prova de confiança, diga-se a verdade. Como investidor qualificado do porte de Horn, certamente pesou na sua decisão a estratégia de gestão do portfólio bastante metódica. Além disso, seus gestores têm experiência na mesa de operações de grandes instituições financeiras, como J.P. Morgan e Credit Suisse.
A proposta da Alphatree, conta Jolig, é combinar a expertise dos membros para abrir as possibilidades de combinação dos ativos na carteira e facilitar a mudança de posições. O co-CEO é especialista em offshore, enquanto Jonas tem a experiência no mercado brasileiro, e José Robazzi trabalha com estratégias puramente sistemáticas. Raone Costa, o economista-chefe da equipe, dá o norte para as teses.
Todas as posições no portfólio hoje foram construídas com a perspectiva de um cenário duradouro para a inflação mundial, algo que a equipe já enxergava desde o fim do ano passado – e só foi reforçado em 2022. “A base da nossa visão macroeconômica é que o conflito na Ucrânia não é um efeito pontual, mas uma consequência do movimento de desglobalização, que deve perdurar por mais cinco a dez anos”, contou Jonas Doi.
A capacidade do fundo é de R$ 5 bilhões. Até que chegue lá, a gestora seguirá o plano de negócios para entregar rentabilidade, trabalhar com velocidade e ter um drawdown (queda do valor de um ativo em relação à sua cotação máxima) máximo de 10%. Um desafio gigantesco, considerando a alta volatilidade dos mercados globais, mas diante do qual a equipe transmite confiança.
Confira abaixo a entrevista exclusiva dos co-CEOs da Alphatree, Rodrigo Jolig e Jonas Doi, ao BP Money.
Como o fundo da Alphatree está alocado hoje?
Rodrigo Jolig – Nossa tese é de que esse ciclo de inflação é mais permanente. É a mesma visão de quando lançamos o fundo, época que os bancos centrais ainda insistiam que o cenário inflacionário era transitório. Por isso nossas posições são as mesmas desde o começo: vendida em dólar (comprado em real) e vendida na bolsa brasileira. Temos ainda alocação em NTN-Bs (títulos do Tesouro Direto, que é indexado à inflação), comprada em juros reais no Brasil. Com a inflação mais persistente no País, esta foi uma posição que contribuiu bastante para a performance do fundo. Lá fora, temos uma posição bem também tomada em juros americanos. A gente teve uma posição comprada em petróleo, depois zeramos e agora esperamos montá-la de novo.
Qual é a análise do mercado que sustenta essas posições?
Rodrigo – A tese de que os juros começariam a subir norteou as posições que montamos no fundo. Vimos desde o começo que os juros estavam muito baixos. O Banco Central do Brasil foi o primeiro a aumentar os juros. O Fed (banco central norte-americano) também virou o discurso em seguida. O nosso economista-chefe, Raone Costa, fez um acompanhamento a partir dos documentos que os assessores do Fed estavam produzindo desde janeiro, apontando como a equipe vinha se preparando para a mudança de cenário. Montamos uma posição tomada em todos os vértices da curva de treasuries norte-americanos (os títulos do Tesouro dos EUA), porque acreditamos que a curva ainda tem potencial de alta.
Entendemos que o real deve deixar de ser o “patinho feio” que vinha sendo de 2018 para cá. Já os juros altos inibem a entrada de investidores na bolsa de valores, então a renda fixa e os produtos de crédito privado acabam atraindo o fluxo marginal de investidores. Essa combinação traz uma correlação negativa entre esses mercados.
O fundo continua bem exposto ao mercado externo?
Rodrigo – O fundo é voltado ao investidor qualificado para poder ter 40% do caixa para investir no mercado externo. Podemos até ter mais do que isso alocado fora, porque, por derivativos, a gente consegue alavancar algumas posições. Mas hoje não, porque vemos muitas oportunidades para exposição aqui no Brasil, como na posição comprada em NTN-Bs.
A equipe deve montar novamente a posição em petróleo. Não há perdas nesse movimento de entrada e saída?
Rodrigo – Entendemos que o petróleo é um recurso de proteção natural no fundo, e é um case que ilustra bem o alinhamento das nossas posições. O José Robazzi (gestor de portfólio sistemático da Alphatree) montou um sistema que dá pontos de entrada e saída do petróleo. Seguimos os níveis desse modelo.
O preço das commodities está subindo desde 2020 e o cenário de inflação global e conflito na Ucrânia potencializaram a curva de alta. Entendemos que o Fed vai tentar entregar o mínimo possível em alta dos juros, com medo de recessão, por isso deve ficar sempre atrás da curva. Isso gera mais prêmio de inflação e deve favorecer as commodities. Mas a alocação em petróleo é a única que temos no setor, porque é como preferimos expressar essa visão, embora nossa análise seja mais ampla.
O mundo vinha falando muito em ESG e em energia limpa nos últimos cinco anos, então os investimentos em exploração de petróleo caíram. Isso dá uma vantagem ao petróleo, porque a transição depende de um processo longo. Quer dizer, o mercado mundial não vai se eletrificar no ano que vem – nem nos próximos dez anos -, então precisará continuar consumindo petróleo.
Que oportunidades para investimentos há na bolsa brasileira?
Jonas Doi – Não vemos tanto espaço para investimento em bolsa aqui, principalmente porque os juros são mais altos. Os únicos que realmente fazem sentido, na nossa visão, são commodities e bancos. Esses setores geralmente se beneficiam com o movimento de desglobalização.
Rodrigo – Não nos vendemos como uma gestora “stock pickers”, quer dizer, não temos analistas especializados em acompanhar balanços e desempenhos de empresas específicas. Nosso foco é uma análise setorial. Temos todos os bancos do Ibovespa comprados de acordo com seus pesos no índice, mas não temos um case. Vimos que é um setor que está descontado, com uma economia bastante robusta no Brasil, que deve continuar gerando caixa e do qual o mercado não gosta. Combinamos a análise e vimos que o setor combina com a nossa posição em commodities, por isso fizemos a posição.
O sistema da gestora é bem dinâmico. Como vocês montam as posições no fundo?
Jonas – A base da nossa visão macroeconômica é que o conflito na Ucrânia não é um efeito pontual, mas uma consequência do movimento de desglobalização, que deve perdurar por mais cinco a dez anos. Com a quebra da cadeia produtiva, o primeiro grande impacto foi a alta dos preços de commodities.
A análise quantitativa entra neste momento. Definimos, a partir de análises, como expressar essa visão: o melhor instrumento, o melhor ativo, a melhor estratégia, etc. Criamos um modelo que nos guia nesses cenários. Mas essas sugestões do modelo são apenas um norte, porque as avaliamos dentro do nosso portfólio. Se o ativo se comporta bem na carteira, sentamos em equipe para discutir. Mesmo com todos esses indícios, podemos decidir por reduzir a sugestão de posição ou até mesmo vetar.
Nosso processo sai da ideia tradicional de causalidade macroeconômica, porque nós analisamos e deliberamos sobre um ativo avaliando o quanto ele faz sentido para o portfólio do nosso produto. A alocação em petróleo e na China são bons exemplos desse funcionamento. Temos posição comprada em dólar contra a moeda chinesa.
De que forma esse cenário de desglobalização deve impactar o mercado no longo prazo?
Rodrigo – O processo de ajuste de juros nos países não é síncrono e, com as economias se fechando cada vez mais, a volatilidade das moedas no cenário global deve aumentar. A quebra da cadeia de consumo global é uma discussão que começou ainda no governo Trump nos EUA, quando ele tarifou os produtos importados da China, mas a crise da covid-19 expôs ainda mais esses riscos. A tendência é que as cadeias comecem a se regionalizar de novo. Não vamos parar de consumir produtos chineses, mas devemos reduzir a dependência do mercado internacional. Além disso, conforme a economia da China vai se fechando, a moeda (renminbi) deve depreciar.
Jonas – Temos a tese de que o preço das commodities deve continuar subindo dado esse movimento de desglobalização. Vimos o mundo se globalizando por muito tempo, principalmente com a entrada da China no comércio internacional, e isso deve regredir nos próximos anos.
Como esse cenário de desglobalização impacta o Brasil?
Rodrigo – Primeiro, o Brasil está em uma posição boa nesse cenário, porque a alta de preços das commodities deve favorecer a pauta da exportação brasileira.
Jonas – Com a saída da Rússia desse cenário internacional e com os juros mais altos no mundo, o Brasil voltou ao radar do investidor estrangeiro. A Rússia era nosso concorrente direto, principalmente para investimentos em bonds (títulos de dívida que podem ser emitidos pelo governo ou por empresas privadas). O Brasil, por ser um país grande, com liquidez e ter uma sociedade estável, passa a ser um excelente candidato para substituir esse espaço deixado pela Rússia. Até porque estamos distantes de conflitos no cenário geopolítico global.
Como vocês enxergam o horizonte de inflação em países desenvolvidos nos próximos anos?
Rodrigo – É um cenário que deve continuar forte. Com a magnitude de estímulos fiscais que tivemos no mundo inteiro durante a pandemia, seria impossível não ter um período de retração nas economias. O mundo que vimos nas décadas de 2000 e 2010 mudou. A inflação norte-americana não deve continuar no patamar de hoje, mas deve seguir forte. Ainda que volte para a casa dos 5%, será mais duradoura. O cenário global não será tão tranquilo quanto alguns bancos centrais, especialmente os da Europa, estão apostando. Os cintos devem apertar nesses mercados.
E aqui no Brasil, qual é a perspectiva para a economia em 2023?
Jonas – Nosso economista tem mostrado revisões contínuas na atividade econômica, por isso até subimos a previsão do PIB para 2% neste ano. Para 2023, estávamos com uma projeção de PIB negativo e revisamos para um indicador positivo. Mas o arrefecimento da inflação não acontece tão rapidamente. Ela não deve se manter em 12% no ano que vem, mas seria muito otimista acreditar que cairia para 4,5%. Eu diria que, se ficar em 5,5% já seria o bastante e acabaria impactando mais a atividade do que estamos prevendo.
Gostamos de comparar o cenário atual no Brasil com o de 2015/2016, mas há um fator adicional importante hoje: uma curva de oferta sequestrada pela curva de demanda. Por conta desse movimento de desglobalização, como a demanda está mais alta no mundo inteiro, nossa curva de oferta está refém desse cenário. O choque do qual falamos no mercado deve perdurar enquanto os países desenvolvidos não ajustarem a inflação deles.
Estamos importando a inflação internacional, por isso o nosso banco central acaba de mãos atadas, mesmo estando bem adiantado em relação ao resto do mundo no ciclo de ajustes da política monetária. Por mais que a inflação caia, será quase impossível voltar para a meta em um ano – e até um pouco indesejado. Quanto seria necessário sacrificar de atividade para trazer, em tão pouco tempo, esse índice para baixo, justamente quando o mundo inteiro está aceitando mais inflação? Apesar de o BC estar fazendo um bom trabalho, não vem sendo o suficiente, mas nem mesmo um trabalho perfeito seria.
Há espaço para valorização do real nesse cenário?
Jonas – O real tende a se favorecer porque, apesar da queda do fluxo em bolsa, o fluxo para renda fixa aumentou e está consistente desde o fim de 2020. Há um movimento muito forte do estrangeiro retornando à renda fixa brasileira. Há também o fim do movimento de dolarização da pessoa física no Brasil.
Rodrigo – Nossos modelos apontam para uma valorização de algo entre 4% e 4,5%. Acreditamos que podemos ver o real de volta aos R$ 4 e pouco (em relação ao dólar). O fluxo de brasileiros para os mercados estrangeiros também depreciou o real nos últimos anos. Muitos investidores estavam montados na bolsa norte-americana, apostando nas techs, em venture capital nos EUA. Acredito que os grandes investidores brasileiros que saíram não voltam, mas, para os menores, o atual cenário começa a pesar, porque a cada mês que a ação americana não sobe a cota fica negativa em 1%. Passada a eleição, que segura o fluxo do investidor estrangeiro, haverá uma melhora mais significativa no movimento de apreciação da moeda.
Quais são os pontos de atenção para o cenário eleitoral no Brasil?
Jonas – Lula e Bolsonaro são os melhores candidatos a serem presidentes do País. Claro que há diferenças nas áreas de aspecto social, moral, de sociedade civil, mas não há necessariamente mudança no rumo econômico do País. As questões de ideologia fazem sentido na análise como civis, só que, como gestora, lemos o cenário sob a ótica da capacidade de gestão – e uma grande questão sob esse aspecto é a experiência da pessoa naquele cargo. Lula e Bolsonaro têm experiência como presidentes e – quer queira, quer não – a economia do País andou positivamente com ambos, ainda que com pontos negativos nos casos de ambos.
A grande questão é que não vemos uma grande ruptura ou uma mudança de curto prazo para a economia em nenhuma das candidaturas. Além disso, temos um Congresso muito mais forte hoje, o que é limitante para que um presidente faça algo muito “fora da caixa”.
Hoje vemos mais risco no cenário externo do que no da eleição geral. Depois que um dos candidatos assumir, veremos com mais cautela como a agenda econômica deve evoluir, mas não prevemos hoje o País saindo dos trilhos que a economia já tomou.
Considerando a volatilidade desse cenário, como vocês fazem a proteção do fundo?
Rodrigo – Pensamos primeiro nas estratégias individuais e as análises quantitativas são usadas para determinar os pontos de entrada e saída, o tamanho das posições, e, antes de a estratégia entrar no portfólio, simulamos a carteira com ela. Temos uma calculadora de otimização de portfólio no modelo criado por Black-Litterman em que experimentamos e simulamos o portfólio em relação às demais estratégias para definir o peso das posições nessa nova estrutura. Esse modelo se mantém bem com uma matriz de covalências estável, quer dizer, não é preparado para choques específicos.
Nessas horas entra nossa terceira camada de proteção. Criamos uma estrutura para opções que não estão contempladas na matriz histórica ou, se estão, poderiam provocar um drawdown maior que 10% por causa da mudança na matriz. Sempre que houver impacto de estresse sobre uma posição razoável no fundo, temos essa estrutura de opções que mitiga um risco de cauda inesperado.
Estamos sempre olhando os cenários de estresse dentro dos nossos sistemas de riscos, para o qual usamos o sistema Lote 45. Gerenciamos tudo dentro dos limites que propomos para o fundo.
Alphatree Capital
Sede: São Paulo
Liderança: Rodrigo Jolig, sócio fundador e CIO, e Jonas Doi, sócio fundador e gestor de portfólio de ativos brasileiros
Foco: fundo multimercado
Capital sob gestão: R$ 435 milhões (em junho de 2022)
Entrevistados: Rodrigo Jolig e Jonas Doi, fundadores da gestora Alphatree
Estrutura: 15 pessoas, com três gestores, dois economistas, três traders e um analista