O mercado só pensa nela: a “super quarta”. Uma semana curta no País, em função do feriado de Corpus Christi, e na mesma medida intensa. As expectativas rondam os anúncios que devem ser feitos pelo Fed (Federal Reserve, o banco central norte-americano) e pelo Banco Central do Brasil nesta quarta-feira (15) sobre o aumento das taxas de juros. Para a maior parte do mercado, as projeções são de que as autoridades monetárias decidam pela elevação dos juros em 0,75 ponto percentual nos EUA e em 0,5 ponto percentual para a Selic, taxa básica de juros daqui.
Mas a escalada do cenário global e a resistência da atividade econômica podem reservar surpresas, especialmente nos EUA, onde o banco central se encontra em posição mais delicada por conta do peso do mercado de capitais sobre a economia.
A curva de alta de juros já vinha subindo consecutivamente nos últimos dias em ambos os mercados. Nos EUA, no entanto, analistas dão como certa a alta de juros de 75 pontos-base pelo Fed. Tanto que a elevação das probabilidades da elevação dos 0,75 p.p., acima do que se esperava antes (de 0,5 p.p.), fez as bolsas norte-americanas despencarem na segunda-feira (13), amargando o receio de uma recessão.
Só mesmo o tempo dirá se o mercado estava mesmo antecipando o que a “super quarta-feira” reserva ou se o pessimismo era fundado em receios. De toda forma, esse preço já parece mais alto do que o mercado norte-americano estava disposto a pagar.
Até o comitê entrar em período de silêncio, no dia 4 de junho, as perspectivas eram para o anúncio de alta de 0,5 p.p. na reunião deste mês.
Só que o cenário de inflação resiliente e mais alta que o esperado teriam provocado uma mudança de postura no Fed, aumentando as probabilidades de um ritmo de escalada dos juros mais forte nos EUA.
“O impacto do mercado acionário norte-americano nos EUA é bem maior do que o impacto do mercado acionário brasileiro no Brasil”, resumiu Raone Costa, economista-chefe da Alphatree, ao BP Money, sobre o impacto que o mercado de açõe tem sobre a economia de cada um dos países.
O dilema do banco central norte-americano, explica ele, é ter de um lado a inflação muito alta e, do outro, a alta possibilidade de o mercado entrar em um terreno de baixa e a de a economia entrar numa recessão futura.
“O Fed está tentando se equilibrar entre esses polos, portanto é difícil saber para qual dos lados a entidade dará mais peso”, disse Costa. Para a sua equipe, o banco central norte-americano deve continuar subindo os juros à taxa anterior, de meio ponto percentual, ainda que a probabilidade de 0,75 p.p. tenha crescido recentemente. “O total do ciclo, sim, deve ser aumentado. A taxa de juros terminal nos EUA tende a ser bem maior do que as que acreditamos atualmente”, concluiu.
“A forte demanda no mercado norte-americano foi um catalisador nesse cenário, considerando que no passado o Fed falava em puxar a taxa de juros puramente para um nível neutro, entendendo que, com isso, a inflação cairia”, avaliou Guilherme Zanin, estrategista de investimentos da Avenue.
Mercado espera Selic acima dos 13,25% indicado pelo BC para o ano dada a resistência da inflação
Por aqui, o cenário também pode vir mais negativo do que apontado pelo BC, mesmo porque acaba contaminado pelo indicativo nos EUA – embora as previsões não alcancem a mesma magnitude.
Thomas Wu, economista-chefe da Itaú Asset Management, chamou atenção do mercado nesta terça-feira (14) por apresentar as projeções da gestora para a Selic indo a 15% ao ano, contra 13,25% que o BC apresentou no último Boletim Focus, de 6 de junho.
Em entrevista ao “Valor Econômico”, Wu explicou que as simulações da equipe mostram como o cenário inflacionário no Brasil pede esse aumento, por isso prevê que os modelos da entidade também devem indicar uma Selic mais alta para levar a inflação brasileira à meta em 2023.
Outras gestoras e casas de análises não enxergam um patamar tão alto para a taxa básica de juros no Brasil. Mas Costa, da Alphatree, reconhece que o cenário de risco está para cima, o que torna o cenário de Selic indo a 15% ou mais no ano possível, embora pouco provável. “Acredito que o Copom deve anunciar alta de 0,5 p.p., sinalizando uma desaceleração do ritmo de alta adotado nas últimas reuniões”, disse.
A análise do relatório macroeconômico da XP aponta uma probabilidade de 82,5% para o aumento de 0,5 p.p. pelo BC versus 9,5% de chance de um anúncio de 0,75 p.p. de alta dos juros na reunião do Copom desta quarta-feira (15).
“Chegar a 15% exigiria muitas reuniões do comitê. Na Alphatree, trabalhamos com os juros alcançando 13,75% no ano, ou seja: mais dois aumentos de meio ponto percentual”, explicou o economista-chefe da Alphatree. A Claritas segue nessa linha, entendendo que o BC não deve conseguir encerrar o ciclo de aumento de juros na próxima reunião pela soma de desafios nos mercados nacional e global.
“No cenário doméstico, além das expectativas para inflação acima da meta para os próximos anos, há uma piora em relação ao risco fiscal, em razão das tentativas do governo em conter a pressão sobre os preços de combustíveis”, explicou Marcela Rocha, economista-chefe da Claritas. Ela explica que as medidas propostas pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) levam a uma renúncia fiscal relevante no momento em que ainda há um alto endividamento.
Para a Selic superar o patamar de 13,75% estimado pelos economistas da Alphatree e da Claritas para o ano, Marcela explica que o governo precisaria sinalizar outras medidas populistas, elevando o risco fiscal. “Isso em um ambiente mais duradouro de aversão global a risco, o que pressiona as taxas de câmbio, e números de inflação corrente altos e acima do que o Copom espera”, acrescentou a economista-chefe da Claritas.
Para a equipe da Nord Research, assim como para as gestoras, o que está cada vez mais claro é que os 13,25% indicados pelo BC para a Selic em 2022 já estão defasados. Com a evolução do cenário de alta inflacionária e um índice resiliente, a taxa básica nesse patamar não sustentaria as metas para a entidade no horizonte relevante para o mercado – neste momento, 2023.
“Embora ainda seja muito difícil prever, posso dizer que acredito em um juros em torno de 14% no ano”, disse Marilia Fontes, sócia da casa de análise. Ela aponta que os núcleos de inflação ainda estão em patamares altos, na casa de 1%, e o índice de difusão segue acima de 70%.
As perspectivas para os juros no Brasil também estão contaminadas pela alta dos preços de commodities, que vêm sendo puxados pela demanda global, além das questões domésticas que impactam a inflação e afetam os preços do mercado nacional. Com tudo isso, surpreende os especialistas que a atividade econômica siga aquecida: um sinal de que as políticas monetárias não estão se refletindo no mercado.
“Bom para o Brasil, ruim para o BC, que precisa segurar a inflação. Os dados correntes indicam que a inflação está alta. Quero dizer: ela até pode vir até abaixo do esperado, como no último mês, mas segue alta no índice absoluto”, ponderou o economista-chefe da Alphatree.
Ele reforça que o banco central do Brasil estaria próximo de alcançar a taxa terminal de juros, na visão da equipe, embora não consiga encerrar o ciclo no momento que gostaria, com a reunião de agora. Daí vêm os 0,5 p.p. que Alphatree e Claritas projetam para a próxima reunião do Copom, em agosto.
Mas a alta dos juros não fará com que a inflação ceda de repente, porque o derretimento da taxa é gradual, algo para o médio e longo prazo, apontam os analistas. “Provavelmente vamos conviver com a inflação relativamente alta ainda por um tempo, por isso há, sim, risco de a Selic acabar indo para 15%, uma vez que os juros estão subindo no mundo todo. Só que esse ainda não é o cenário base”, refletiu Costa.
Fed está ainda no começo do ciclo de aumento dos juros – o que é uma dor de cabeça para o Banco Central do Brasil
Acompanhar a estratégia do Fed tem sido frustrante para boa parte dos analistas – ao menos os brasileiros, acostumados com o cenário de inflação resiliente. O banco central norte-americano tem adotado uma abordagem que ainda está atrás da curva e, portanto, será incapaz de levar a inflação para a meta no horizonte relevante. Um problema para os EUA, um problema para o Brasil – ao menos no curto prazo.
Mais risco para o mercado norte-americano significa aversão a riscos generalizada, assim, ativos em todos os mercados perdem valor. Tanto que as bolsas tiveram uma segunda-feira (13) sangrenta nos EUA, com queda de 4% no índice Nasdaq e tombo de mais de 3% nos outros índices das bolsas norte-americanas.
A rebote, a bolsa brasileira amarga oito sequências de pregões em baixa, maior série de perdas desde 2015. Nesta terça-feira (14), véspera da “super quarta”, o Ibovespa fechou em queda de 0,52%
“O mercado estava precificando alta de juros de 0,5 p.p. e já começou a precificar alta de 0,75 p.p., que pode vir agora ou até mesmo daqui a 15 dias, na próxima reunião do Fed”, avaliou Zanin, estrategista de investimentos da Avenue.
O especialista em mercados internacionais explica que deve haver uma inversão de cenário na bolsa dos EUA, entre os setores que mais se beneficiaram e os que mais sofreram com a pandemia. Isso significa que empresas mais tradicionais, ligadas a commodities e consumo, devem se sobressair na comparação com empresas de tecnologia e do consumo discricionário.
“São empresas que conseguem repassar mais inflação, caso do segmento de consumer staples, que tem Johnson & Johnson, e Coca-Cola, que não veem a demanda cair tanto nesses períodos”, disse Zanin.
Em compensação, companhias do setor de tecnologia, que precisam se financiar a taxas cada vez mais elevadas e com crescimento abaixo da renda fixa, devem sofrer com a queda do fluxo de capital.
Só que este é só o início do ciclo de alta de juros do Fed. No médio e longo prazo, a escalada de juros nos EUA pode ser, de alguma maneira, boa para o BC no Brasil, por ajudar a controlar a inflação doméstica – em parte importada do cenário externo. No curto prazo, no entanto, o mercado nacional, mesmo à frente dos outros mercados no ciclo de alta dos juros, segue pressionado.
O “super”, hoje, vem só dos desafios que as autoridades monetárias enfrentam no mundo todo.