Dizem especialistas

Mercosul-UE: O que esperar da nova rodada de negociações?

Brasil tem boas expectativas para o acordo, mas impasses podem fazer com que ele não se concretize

Mercosul e UE
Acordo Mercosul e UE pode sair nos próximos dias / Reprodução

O governo brasileiro está otimista sobre o andamento do acordo entre a UE (União Europeia) e Mercosul. Uma nova rodada de discussões sobre o tratado foi finalizada na semana passada e há expectativas de anúncio do acordo na terça-feira (5) ou quarta-feira (6), durante a Cúpula do Mercosul.

Ao mesmo tempo, desacordos entre países e um clima polarizado compõem um contexto desfavorável. “A concretização do acordo está longe de ser garantida”, afirma o advogado especializado em Políticas Públicas Marcello Rodante.

O tratado é negociado desde 1999 e passou por um consenso inicial em 2019. Ele busca estreitar as relações comerciais e políticas entre os dois blocos ao estabelecer benefícios mútuos como redução de tarifas, regulamentação de padrões técnicos e compromissos sociais e ambientais.

O debate sobre o assunto ganhou mais destaque com a Cúpula do G20. Durante o evento, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, reafirmaram a relevância estratégica do acordo.

Além disso, a Alemanha utilizou a plataforma do G20 para pressionar pela assinatura do acordo, argumentando que ele é essencial para impulsionar sua economia, especialmente em setores como energia renovável e produção industrial, que dependem de matérias-primas do Mercosul, lembra o economista e professor da Universidade Tiradentes Josenito Oliveira.

Depois de 20 anos, chegamos em um momento de que só falta anunciar o acordo, por isso os últimos detalhes estavam sendo alinhados, inclusive na Cúpula do G20″, comenta o especialista em mercado de capitais Idean Alves.

Mas desafios persistem, como as objeções da França, que questiona as condições atuais do acordo, com alegações de riscos ambientais e econômicos. Polônia, Áustria, Bélgica e Irlanda também estão em desacordo com o tratado por motivos parecidos e fazem críticas constantes, especialmente ao desempenho ambiental da América do Sul.

Quais são as expectativas para os resultados das negociações?

Negociadores europeus e sul-americanos começaram a nova rodada com prioridades diferentes, destaca Oliveira. Por um lado, a UE tem o objetivo de finalizar um anexo adicional ao acordo original (assinado em 2019) que inclui exigências mais rigorosas de sustentabilidade ambiental e o cumprimento do Acordo de Paris.

Por sua vez, os negociadores do Mercosul pressionam para que as condições impostas pela União Europeia não sejam excessivamente restritivas ou protecionistas, especialmente em relação ao agronegócio.

“A cúpula de líderes no início de dezembro é vista como um momento estratégico para avançar as negociações, mas não há garantias de que todos os pontos serão resolvidos até lá“, afirma o Oliveira.

O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, expressou otimismo sobre as negociações. Segundo ele, “os avanços são bastante animadores para que se chegue a um bom termo” e o “governo brasileiro nunca esteve tão perto desse acordo”.

Nessa mesma linha, o especialista em mercado de capitais Idean Alves acredita que “estamos em um bom caminho” e que “tudo indica” que a aprovação do acordo vai ocorrer na Cúpula do Mercosul, em dezembro.

O máximo que podemos ter é algumas concessões e restrições, como todo bom acordo, mas apesar do ruído da França, o interesse maior do bloco europeu deve prevalecer”, comenda Alves.

Ao mesmo tempo, ainda há impasses significativas a serem vencidos. “Diante desse cenário, embora haja a possibilidade real de que o anúncio oficial ocorra em dezembro, a conclusão bem sucedida vai depender da capacidade das partes de resolver divergências remanescentes nas próximas semanas” destaca o professor da FIPECAFI (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras) George Sales.

Há, inclusive, possibilidades de o tratado não se concretizar, afirma Rodante. “A resistência europeia, somada à incapacidade do Mercosul de superar gargalos estruturais pode levar ao fracasso do acordo”, comenta.

“A falta de consenso, tanto no Mercosul quanto na UE, somada à crescente complexidade das demandas ambientais e protecionistas, indica que o acordo pode não apenas enfrentar atrasos, mas também se tornar mais um exemplo de fracasso diplomático em um cenário internacional cada vez mais polarizado“, diz o Rodante.

Por isso, especialista em Políticas Públicas avalia que as chances de que o acordo seja anunciado no início de dezembro são baixas, principalmente considerando que a França, preocupada com a competição agrícola e questões ambientais, tem tentado articular um bloco minoritário para bloquear o acordo.

Outro fator preocupante é o ambiente de polarização dentro da própria União Europeia, que dificulta a formação de uma posição unificada em torno do tratado. Nesse contexto, os países têm se preocupado com questões internas acima do potencial econômico de uma parceria com o Mercosul, afirma Rodante.

Por sua vez, Oliveira acredita que a probabilidade de o acordo não se concretizar é baixa. “Líderes europeus e sul-americanos têm trabalhado para superar as divergências, com a possibilidade de uma conclusão durante a próxima cúpula do Mercosul, em dezembro, mas ainda não há garantia de que isso aconteça”, afirma.

Quais países europeus são contra e quais são a favor do acordo?

Para o Mercosul, o acordo significa uma oportunidade de ampliar a exportação de produtos agrícolas e matérias-primas, gerando empregos e fomentando o crescimento econômico. Mas, para isso, vai ser preciso atender padrões sanitários e ambientais rigorosos, impostos pela UE.

Mas o protecionismo agrícola da UE está entre os principais impasses para o acordo. Países como França e Irlanda se preocupam com a competitividade que o acordo pode trazer. “A recente rejeição do acordo pela Assembleia Nacional da França evidenciou a força desse protecionismo, que também utiliza questões ambientais e trabalhistas como justificativas para impor barreiras”, pontua o advogado.

Nesse contexto, são utilizados como argumento o desmatamento da floresta amazônica e o episódio de trabalho análogo à escravidão em vinícolas brasileiras. Mas o protecionismo também ganha força, uma vez que muitos países da UE têm uma produção agrícola altamente subsidiada.

Por outro lado, há países que focam nos benefícios estratégicos e econômicos que o tratado pode trazer.

  • Quem é a favor?

Alemanha

O país vê o acordo como uma oportunidade de ampliar exportações produtos industrializados e serviços de alto valor agregado, como máquinas, automóveis, produtos químicos e tecnologia, explica Rodante. 

“A Alemanha lidera na promoção do comércio internacional como mecanismo de crescimento econômico e está comprometida com tratados comerciais globais”, acrescenta Oliveira.

Espanha e Portugal

Para estes países, Rodante destaca que o acordo também tem um significado histórico, devido à proximidade linguística e cultural com os países do Mercosul, principalmente o Brasil e a Argentina.

“Esses países enxergam na parceria uma forma de consolidar a posição da UE como um ator global em comércio, além de diversificar sua rede de acordos em um contexto de crescente competição global”, diz o especialista em Políticas Públicas.

Além disso, o acordo beneficia exportações de espanhóis e portugueses, principalmente de produtos como azeite, vinho e equipamentos industriais, menciona Oliveira. Esse reforço de laços comerciais também ajuda a consolidar a posição desses dois países como “pontes” entre a Europa e a América Latina.

Países nórdicos (parcialmente)

Oliveira destaca que esses países estão interessados em diversificar parceiros comerciais fora da Europa, mas apoiam o acordo desde que haja garantias de sustentabilidade ambiental.

  • Quem é contra?

França

A França é líder da oposição, especialmente por temer competição com o setor agrícola do país, altamente subsidiado. Produtos brasileiros como carne bovina, açúcar e etanol são mais competitivos em relação aos franceses em preço e volume, destaca Rodante.

Assim, a forte influência de sindicatos agrícolas aumenta a resistência interna ao acordo, diz Oliveira.

Irlanda

O país tem as mesmas preocupações sobre competitividade agrícola, especialmente em relação às carnes, um setor vital para sua economia rural.

Áustria, Polônia e Bélgica

A principal preocupação destes países está relacionada a questões ambientais. Também há apoio a movimentos de agricultores locais.