Ações da Vale (VALE3) e da indústria sobem com alta dos commodities, mas Ibovespa é o maior vencedor

Beneficiadas com as perspectivas de aumento dos preços e reacomodação do cenário global, empresas ajudaram o índice a romper sequência de quedas

Vale (VALE3), São Martinho (SMTO3), Usiminas (USIM5), Suzano (SUZB3) e outras companhias ligadas a commodities voltaram com força ao radar do mercado. As divulgações do primeiro trimestre, mesmo quando as vendas foram afetadas pela alta dos preços, como foi o caso da Vale, estão sendo bem recebidas por analistas. O grande vencedor, portanto, é o mercado brasileiro. Nesta quarta-feira (27), após a divulgação de resultados da mineradora, o Ibovespa conseguiu romper a maré de sete fechamentos com pregão negativo – a maior desde 2016. A alta de 1,05% no dia, na casa dos 109.329 pontos, soprou ares mais otimistas por aqui.

Durante a quinta-feira (28), a bolsa brasileira avançou timidamente, em torno de 0,5%. No dia, as ações da Petrobras e das siderúrgicas foram as principais responsáveis pela recuperação. Sem maiores surpresas, como aponta a XP em relatório ao mercado, a petroleira apresentou mais um conjunto “sólido de produção e vendas” no primeiro trimestre do ano. É o barulho político em torno da companhia que a coloca numa posição neutra para muitas corretoras, caso do Itaú BBA.

Outro destaque no mercado foi a divulgação dos dados do IPCA-15 na manhã da quarta-feira, com índices abaixo da expectativa do mercado. Um alívio para muitos segmentos. A alta do indicador ficou concentrada nos setores de transportes e alimentos, reiterando “que a inflação reflete os impactos da guerra na Ucrânia sobre os preços de commodities”, trouxe a Clear em sua análise de mercado. 

Em meio ao conflito no leste europeu e a pressões nos preços das commodities no trimestre, as projeções de lucros para o Ibovespa daqui a 12 meses, para 2023 e 2024, foram revisados para cima, apontaram os analistas da XP. Mas com um cenário macroeconômico ainda desafiador, é cedo para cantar vitória. 

Globalmente, o investidor enfrenta incertezas como as ameaças de novos lockdowns provocados pelos surtos de Covid-19 na China, que impactam as cadeias logísticas e derrubam as demandas por algumas commodities, além da alta dos juros e da inflação no mundo. Ainda há de se considerar que, nos Estados Unidos, o PIB do primeiro trimestre veio bem abaixo das expectativas, recuando 1,4% na base anual contra a projeção de alta de 1,1% no período.

“O cenário inflacionário lá fora de fato é um ‘desenho’ pouco (re)conhecido, enquanto por aqui procuramos onde estão as nossas zebras, ou melhor, de onde virão os nossos micos”, comparou Laís Costa, analista de renda fixa da Empiricus. Ela ponderou que, mesmo que o Banco Central adote medidas para cravar o fim do ciclo de alta da Selic para esperar os efeitos dos juros penetrarem na economia, o real ainda deve reagir negativamente, o que também afeta as expectativas para inflação no País. “No quebra-cabeça, parece faltar peças ou não se formar um desenho conexo”, disse a especialista. 

É importante lembrar que os preços das commodities sobem a níveis históricos desde 2020, em decorrência do cenário de pandemia, contribuindo para o mercado alcançar os maiores patamares de inflação em 40 anos.

Daí, surgem dúvidas sobre se os preços conseguem se sustentar. Para a gerente de ações do Capital Group, Liza Thompson, a resposta é não. Em entrevista à versão espanhola do “Investing”, ela avalia que o mercado reagiu de forma exagerada à alta das commodities e os preços já estão em queda. Liza acredita que os patamares devem descer e se estabelecer nos mesmos níveis de um ano atrás.

“Em um mundo onde o comércio livre e aberto está em declínio, os aumentos de preços são esperados”, disse a gerente do Capital Group, apontando a tendência de crescimento da demanda e restrição da oferta, acentuadas pelas tensões geopolíticas. 

Mesmo com perspectivas otimistas, investidores adotam cautela

Diante da alta das commodities e das disputas políticas que afetam grandes países exportadores, como Rússia, Ucrânia e China, o Brasil pode ganhar preferência em acordos comerciais. A revisão dos juros nos EUA deve puxar o dólar, tornando o produto nacional mais competitivo. A Toro Investimentos acredita que o Brasil deve bater recordes de exportações.

Para inflar os ânimos, a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) divulgou que a moagem da cana-de-açúcar de 2022/2023 deve ser 1,9% maior que a safra anterior, com uma colheita em torno de 596,1 milhões de toneladas. O anúncio foi feito durante a reunião anual de monitoramento do abastecimento de etanol, na quarta-feira (27).

Já o minério de ferro subiu 3,5%, batendo os US$ 128,77 por tonelada. Em Qingdao, na China, o minério de ferro chegou a ser negociado a US$ 137,32 por tonelada, depois do governo chinês prometer aportes em torno de 14,8 trilhões de yuans (US$ 2,3 trilhões) para obras de infraestrutura ainda em 2022. Os esforços do Ministério das Finanças da China para garantir o fornecimento de energia também não passaram batidos. O país asiático deve isentar as importações de carvão neste e no próximo ano. Com o potencial de escalada da demanda da matéria-prima, os investidores seguiram de olho nas ações de mineradoras e siderúrgicas brasileiras na abertura durante o pregão. 

A categoria de commodities agrícolas, por sua vez, foi a que mais contribuiu para a aceleração dos preços, por ser a mais afetada – ao lado da indústria de energia – com a escalada da guerra na Ucrânia.

Mesmo assim, na segunda-feira (25), a Ágora Investimentos seguia na contramão do mercado, com uma visão mais pessimista sobre o mercado. Os analistas Ricardo França e Flavia Meireles acreditam que a demanda da China por grãos agrícolas, usados como insumo para a pecuária, decepcionará mais para frente. A gestora apostou em nomes como Ambev e BRF, que se destacariam com uma possível baixa dos preços de commodities agrícolas.

No começo de abril, a Genial Investimentos pretendia diminuir a exposição de suas carteiras a esses setores, diante da maior volatilidade e das especulações em torno de empresas exportadoras. “Para carteiras com possibilidade de maior diversificação, reforço a importância de manter uma parcela de exposição, dada a instabilidade do cenário”, ponderou o estrategista de ações Filipe Villegas.

Alta dos commodities deve impactar custos na indústria de alimentos e a demanda no varejo, mesmo que indiretamente

Menos de 28 dias separam o relatório da Genial com o seu direcionamento para o mês de abril, mas muito mudou desde então – algo a que o mercado já está bem acostumado, especialmente no Brasil. No relatório divulgado na quarta-feira (27), o Banco Mundial estimou que o choque do conflito no leste europeu deve elevar os preços de alimentos e energia a níveis recordes até 2024. A alta dos valores no setor energético pode superar os 50%.

Com o rompimento da exportação de fertilizantes pela Rússia e Bielorússia, países dos quais dependem quase todos os maiores mercados agricultores no mundo, incluindo o Brasil, a cotação de produtos agrícolas deve subir quase 20% neste ano. Se, por um lado, o cenário beneficia as exportações, torna-se também um desafio para a indústria, por pressionar seus custos produtivos. No segundo momento, a escalada da inflação no mercado deve pressionar o varejo, que tem muito a se preocupar com os repasses ao consumidor.

No começo desta semana, nas projeções para a temporada de balanços, a equipe da Genial Investimentos chamou a atenção para o efeito na indústria de alimentos. Para os analistas da corretora, no setor de bebidas, a Ambev deve apresentar resultados combalidos pela forte inflação sobre os custos e pelo preço mais alto de commodities (principalmente alumínio, trigo e milho), ainda em um cenário de crescimento de vendas atolado. “Enxergamos pouco espaço para avanços para a maior cervejaria do Brasil, contudo, com um início de ano mais para o lado do pessimismo”, trouxe a análise. 

Neste sentido, o cenário macroeconômico volta a jogar uma sombra sobre o horizonte de mercado. Por ora, a alta das commodities na indústria, com a aceleração dos preços do diesel, da gasolina e dos fertilizantes, deve corresponder a 60% da inflação que atinge o produtor de alimentos. No segundo momento, o varejo, especialmente o de serviços e produtos discricionários, deve sentir mais ainda esse impacto.  

Embora o mercado de trabalho esteja voltando a se recuperar dos efeitos da pandemia, o poder aquisitivo do brasileiro segue em queda com esse sprint da inflação. Nos dados divulgados nesta quinta-feira (28), o CAGED (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) apontou uma geração líquida de 136 mil empregos em março, 3% abaixo do projetado para o mês. 

André Sacconatto, sócio-diretor da consultoria Gouvêa Analytics, explica que as perspectivas para o varejo neste ano são bem pessimistas. O cenário inflacionário, pressionado pelas commodities, vai gerar a necessidade de sacrifício das margens do varejista, que enfrenta um mercado com índice de empregabilidade alto e lida com a renda do seu consumidor em declínio.

Do lado da demanda, a projeção também é de queda, especialmente no varejo discricionário. No varejo alimentar, mais resiliente às crises, já se vê uma diminuição dos carrinhos de compras. “Trabalhamos junto com as associações de mercado e estamos vendo o consumidor migrar das marcas high-end para as low-end”, disse o especialista, em referência à descida da categoria de compra para marcas de segunda linha. 

Com pressões em direções contrárias, em que vale investir?

O mercado não tirou completamente as ações do varejo das suas apostas e segue acreditando na resiliência das gigantes. Em relatório ao mercado, a Clear indica que o setor reage, em geral, de forma positiva ao IPCA-15, que veio levemente abaixo do esperado. Não é exatamente um sinal de otimismo, mas apenas de que a situação não está tão ruim quanto era esperado.

Especialistas que recomendam compra apostam em um momento favorável com os preços mais baixo e acreditam na força de uma recuperação no longo prazo, com a mudança do cenário macroeconômico. 

Já o BTG Pactual recupera o levantamento da consultoria Economatica, que apontou como, dos 33 setores da economia representados na B3, apenas três tiveram ganhos acima de 10% em 2022. E todos relacionados a commodities. A mineração, caso da Vale, teve alta de 34,77% neste ano. Para valer a pena comprar ações dessas empresas, segundo a corretora, o crescimento no setor deveria estar dentro dos patamares alcançados em 2021, um grande desafio, dado os índices históricos no último ano. Somente os preços das commodities no Brasil subiram cerca de 50,72% em 2021, de acordo com o BC, contra 43,8% globalmente. Mas se depender dos ventos que os últimos meses vêm soprando no mercado, não se trata mais de algo impossível.